quarta-feira, 4 de maio de 2005

Fado Tropical

É sempre bom tomar café da manhã ouvindo boa música, e só Nélson Mota (94 FM) é capaz de nos oferecer o néctar do deuses. Mota não se prende aos padrões das músicas estritamente comerciais, mesclando clássicos da MPB com as músicas do momento.
Hoje ele nos brindou com a excelente pérola da MPB, "Fado Tropical", do meu sempre amado Chico Buarque de Hollanda. Essa música fez parte da peça "Calabar, o elogio da traição", de Chico e Ruy Guerra, peça que foi proibida pela ditadura nos anos 70.
Essa música foi regravada recentemente pela nossa Fafá de Belém e apresentada no Fantástico, com a participação de Chico cantando a parte declamada da música.
Para quem não conhece essa maravilha de letra que mescla imagens de Portugal e do Brasil, aí vai o texto:

Fado tropical
Chico Buarque - Ruy Guerra/1972-1973
Para a peça Calabarr de Chico Buarque e Ruy Guerra

Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano
uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro)*
Mesmo quando as minhas mãos
estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."

Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial

* trecho original, vetado pela censura

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