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quarta-feira, 13 de julho de 2022

Um Pensamento na antessala do hexa


Hoje, 13/07/2022, comemoro 59 anos de vida, ou seja entro definitivamente na “antessala do hexa” (nada a ver com nossa “selecinha”, que como tenho dito em minhas redes sociais, não acredito que conquiste o hexa este ano, em novembro). Hexa de seis décadas que completarei em 2023. Prestes a virar sexagenário! Serei da terceira idade ou melhor idade...rs Um eterno canceriano nascido no Dia Mundial do Rock! Não é pouca coisa...rs

Com o advento da internet, um dia (há 17 anos) me atrevi a criar um blog para registrar minhas impressões sobre a vida, sobre minhas ideias e outras coisas que podem não ter importância para ninguém. A ideia inicial era que ele fosse aquilo que se pensou quando se criou o primeiro blog: um diário virtual. Mas nunca consegui isso e quase sempre meu blog é um espaço que às vezes fica meses e até anos sem qualquer publicação, como expliquei uma vez ao festejar mais um retorno meu à blogosfera.

Um dos momentos que me levam a voltar a escrever aqui é quando faço aniversário, como hoje. Esta é a nona vez que faço isso em dezessete anos de blog, ou seja sou indisplicente até para registrar meu aniversário! A ideia sempre foi de refletir sobre esta data que pontua cada um dos anos em que lembro que comecei a respirar, e pensar o porquê de eu estar aqui. Filosofias e poesias de um cronista atabalhoado. Se quiser conhecer os outros textos que escrevi refletindo sobre mais um ano de vida, busque no lado direito no índice de tags a palavra Aniversário, e poderá ler outras reflexões sobre essa minha data.

Esses dias que antecederam a data de hoje, meu pensamento ficou preso a outro Pensamento, com P maiúsculo. No caso, o sobrenome inusitado de um grande compositor da música brasileira, que morreu cedo (aos 47 anos de cirrose hepática) e nunca foi visto como um letrista respeitado do quilate de um Chico Buarque e, portanto, foi marginalizado como um “romântico” da categoria “brega chique”.

Nestes 59 anos de vida, quero refletir sobre meu dia, através deste “Pensamento”.

Estou me referindo a Antônio Marcos Pensamento da Silva (08/11/1945 – 05/04/1992), mais conhecido como Antonio Marcos, cantor e compositor que surgiu na época da Jovem Guarda e que se notabilizou por letras românticas e religiosas (era um cristão assumido), mas de vez em quando fazia uma letra reflexiva, sobre as mazelas do cotidiano, para justificar seu inusitado sobrenome.

Meu primeiro contato com sua obra foi através do Roberto Carlos que tornou famosa uma de suas mais belas canções românticas: “Como vai você?”. Era 1972 e eu tinha apenas 9 anos. A música me tocou profundamente e foi a primeira que aprendi a cantarolar por inteiro. Logicamente que eu cantava escondido no banheiro e dedicava à primeira paixãozinha do ensino fundamental...rs Mas era apenas mais uma “música do Rei”, de tantas que aprendi a gostar à época.

Somente anos mais tarde, quando passei a conhecer e gostar de outras canções românticas do Antonio Marcos, é que fui saber que ele tinha composto também “Como vai você?”. Fui fã de músicas como “Menina de Trança”, “´Porque a chora a tarde”, “Volte amor” (versão dele para um clássico italiano, Torneró). Como intérprete, ficou famoso pela ultragospel “Homem de Nazaré” (Cláudio Fontana) e brilhou com sua composição “Sonhos de um Palhaço” em meados dos anos 1970. Em 1977, uma música com motivo religioso me encantou: “Quem dá mais?”, que era tema de abertura da primeira versão da novela ‘O Profeta”, de Ivani Ribeiro, que assisti na extinta TV Tupi.

Quando vim morar em Santarém (1978), aos 15 anos, meu primeiro grande amigo foi um colega do colégio Rodrigues dos Santos, onde completei o ensino fundamental. O Wilson Fernandes (já falecido), era um romântico, mas com ar irônico. Um dia, comentávamos um clipe que oi lançado no Fantástico com o novo sucesso do “Pensamento” e que adoramos: “Vai, meu irmão! (Calendário)”, e descobri que meu amigo era um hiperfã do Antonio Marcos: tinha quase todos os seus LPs! Foi através dele que comecei a conhecer outras músicas do “Pensamento”. Duas delas, altamente reflexivas, se tornaram minhas preferidas; “Gaivotas” (que ele fez em homenagem a Roberto Carlos, e o Rei regravou) e “Registro Geral”, uma pérola desconhecida de muita gente.

É exatamente através da letra de “Registro Geral” (do LP Cicatrizes, de 1974) que faço minha reflexão de aniversário, por ser sempre tão atual e me sentir descrito nela. Acompanhe a letra e no final, clique no link para ouvi-la no YouTube:

Registro Geral (Antonio Marcos)

(Declamando)

Sou quem se cruza
Ao passar por você,
Quase todos os dias!
Sou o que vem e o que vai,
Mas você nunca sabe!

Sou apenas um,
Um a mais...
Na rua,
No mundo e na vida,
Apenas um,
Apenas um a mais...

Tenho estatura comum,
Olhos e cabelos castanhos,
Eu gaguejo um pouco
Quando fico nervoso.

Tenho esperado
Que se termine logo o metrô
Que é pra eu chegar
Mais depressa em meu trabalho!

Que mais posso dizer?!
Nunca fiz nada de muita importância,
Nunca verei meu nome,
Em manchetes de jornais.
E se acaso isso um dia acontecer
Será por motivos muito tristes!

(Cantando)

Alguma vez escrevi
Três ou quatro poesias,
Que eu gritei por aí,
Sem dizer que eram minhas!

Tenho uma vida pequena,
Mas nunca vazia!
E alguém me amou uma vez
Quando mais eu queria!

Poucas pessoas que eu quis,
Eu verei no caminho...
Quando eu tiver que partir,
Sei que parto sozinho!

Ah! quando a estrela acabar,
Quem poderá me arranjar
Outro registro geral?!

(Declamando)

Certa vez,

Entre as quatro paredes de um elevador,
Em meio aos gritos da penúltima noite,
Eu vi um bêbado todo enfeitado...

De voz pequena, ele cantava a vida,
O rosto azul e um girassol na testa,
Dançava a dança e encanto esperançado,
Bebeu demais e se espalhou na terra...

Pra meu espanto e pranto imediato,
Incendiou-se o elevador do tempo...
E não havia o que temer no fogo,
Mas eu fui bobo e não dancei de medo!

Hoje eu desci do elevador e ando,
Esbarro a toa em templos da estrutura,
Talvez estúpido ou desinformado.

Sou importante
E nunca plantei flores,
Não dei boa noite,
Não comi a terra,

Será que eu deixarei
Um filho bem plantado?!
E a indiferença desse sol escasso,
Me dá o espaço de quem sabe nada,

Onde andará o bêbado enfeitado?!
Em que lugar o girassol da vida?!

https://youtu.be/AyDQ18Rih3M 

Dentro de um ano, serei um sex(y)agenário! Rs Mas agora, nessa “antessala do Hexa”, meu Pensamento se confunde com o do poeta Antonio Marcos Pensamento da Silva, um Silva quanto tantos outros e que viveu uma vida atribulada com esposas famosas como a cantora Vanusa e a atriz Débora Duarte. Foi também ator, mas seu principal legado está em letras como Registro Geral, em que se mostra um poeta atormentado com seu tempo, querendo entender o porquê de estar aqui.


Hoje estou de folga do meu trabalho (servidores do TJPA têm o benefício de folgar no dia de seu natalício...rs) mas acordei cedo para escrever esse texto e incluir no meu blog, para depois espalhar o link nas minhas redes sociais e nas linhas de transmissão do meu WhatsApp. Não tenho vergonha de comemorar mais um aniversário, fazendo barulho entre amigos. Pois como diz meu poeta “Pensamento”, na letra de Gaivotas: “Eu quando saio pelo mar afora/Faço de conta que já vou embora/Mas apenas fico nas mentiras/Que matam por momentos desventuras...”

Que tenhamos todos bons momentos de PENSAMENTO, para refletir sobre nossas desventuras, principalmente num ano em que elas estão tão escancaradas. Feliz meu Aniversário...rs

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Um século de memórias

  

Escrever, para mim, é sempre um delicioso ritual. Tenho que estar sentado na frente do meu velho computador desktop, bem confortável, para botar as palavras pra fora. Não é a mesma sensação de escrever um texto em um celular, onde no máximo compartilho textos, vídeos, imagens e áudios que recebo nas redes sociais. 

Às vezes até escrevo um texto mais longo, mas sempre existe a possibilidade da imprecisão em alguma informação por conta da pressa de compartilhar ou pelas armadilhas do corretor do zap, o que me leva às erratas (esta semana bati o recorde delas...rs).

Não pretendo fazer um texto longo, hoje (coisa difícil, pra quem conhece minha mania de textões...rs). No fim da noite deste dia 05 de maio, depois de um dia atribulado com muito trabalho e afazeres pessoais, sentei para registrar a importância do dia que já se finda e que não consegui reverenciar nem com uma pequena nota nas redes sociais. Por isso, mesmo perdendo o dia 05/05 para o registro, faço-o já na madrugada do dia 06/05 e movimento meu esquecido blog com o primeiro texto de 2021.

Então, há 100 anos nascia o patriarca da família greco-amazônica, Georgios Joannis Ninos, o “Seu Nino", como ficou conhecido em Santarém através de sua lanchonete Nino-lanche do famoso salgadinho grego "Tirópita". 

No dia 05 de maio de 1921, na cidade de Xanthi, Estado da Macedônia, norte da Grécia, nasceu o “pequeno guerreiro helênico que parece querer se eternizar no tempo”, como eu disse há dez anos num texto-homenagem (neste link: Odisseia de um Ninos) quando completou 90 anos.

Na primeira foto, no alto, Georgios Ninos, ainda bebê, no colo do meu avô Joannis Ninos e ao lado da vovó Stella e da Tia Maria. Abaixo, o jovem Georgios quando chegou ao Brasil, em 1955 e por último, o sorridente "Seu Nino" em uma de suas últimas fotos, antes de falecer em 2014.

Falecido em 2014, “Seu Nino" não conseguiu concretizar o sonho de comemorar um século de vida, mas entrou pra nossa eternidade. Entre erros e acertos, deixou um legado que seus filhos (Jota, Anna e Stefano) não esquecem. Sua relação com a gente foi feita de altos e baixos, como é, sempre, a relação de pais e filhos. Sobrinhos, netos e bisnetos tem algumas lembranças. Por isso é preciso que estas sejam colocadas em papel.

Em abril tirei férias do Judiciário com o intuito de produzir os livros que venho prometendo há mais de 15 anos e imaginei fazer logo um combo com três publicações (!): um livro de poesia, um de prosa e outro com uma minibiografia de meu pai. Chamei o projeto de “Combo P do Jota”. Os livros terão os seguintes títulos: Poheresias (Poesia), Perípatos (Prosa) e Paralígo (Παραλίγο, Por Pouco, em grego).

Alguém pode dizer: mas como produzir três livros de uma hora para a outra? Na verdade, dois deles já estão escritos, só que de forma fracionada em textos de jornais e redes sociais. O desafio é juntar tudo numa só produção. 

As poesias já estão prontas pra virar livro, faltando apenas alguns detalhes. Já o livro de prosa que vai ter uma coletânea de textos jornalísticos como crônicas, artigos, reportagens e entrevistas que registrei em 37 anos (a completar este mês) de profissão, consegui iniciar sua catalogação através das amareladas páginas de jornal de meu acervo, mas senti que não conseguiria terminar a tempo para lançar no dia 05/05, como era meu intento.

Retornei ao trabalho no Fórum esta semana e vou continuar a catalogação nas horas vagas até poder fechar o segundo livro, enquanto escrevo paralelamente a minibiografia de papai. Quero lançar o combo ainda este ano, de preferência no primeiro semestre ou até o meu aniversário (13/07), quando espero já estar vacinado contra a "maldita".

A ideia de publicar os livros, de certa forma, surgiu do medo de, de repente, ser mais uma das vítimas da pandemia por pertencer ao grupo de risco e não deixar meus textos organizados e publicados para a posteridade. Para mim, este trabalho é uma forma de virar uma página de minha vida diante de um cenário tão conturbado como esse da Covid-19. 

Perdi muitos amigos desde o ano passado, mas até agora escapei do contágio. Espero estar bem de saúde para concretizar as três obras e com isso homenagear o centenário do velho grego, cujos espermatozoides atravessaram o mundo e vieram frutificar na Amazônia...

 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Carta e-Namorada


Bom dia, querida!

Hoje, Dia dos Namorados, 12 de junho de um ano estranho, onde abraçar e beijar é proibido, resolvi tirar as teias dos meus dedos e te escrever essa carta, como há muito não se faz. E decidi que será pública, para que todos saibam meus sentimentos por você...

Não pude usar a velha máquina de escrever Olivetti que herdei de papai (junto com uma coleção de discos riscados e fotos envelhecidas). Ela está sem as teclas A, M, O, R, necessárias para expressar o principal dos sentimentos de antigos enamorados. Por esse motivo, acabei usando um velho computador desktop (ainda não tive dinheiro e nem me encanto por notebooks), para escrever essa missiva (vou usar, de vez em quando, palavras que forcem os mais jovens a procurarem o dicionário, ou melhor, o “tio Google”...rs).



Gostaria de enviar a carta pelos Correios, mas até isso ficou obsoleto em nossa era cibernética (dizem que não demora e deixará até de existir nos nossos estranhos tempos). Além do mais, haveria problema para definir o destinatário, afinal estás em todos os lugares e em lugar nenhum. Assim, vou compartilhar minha carta na internet, movimentando um velho blog abandonado onde já escrevi algumas coisinhas interessantes no passado (quem sabe assim tomo vergonha e volto a produzir crônicas e artigos que muita gente gostou de ler). De tal forma que esta será uma carta e-Namorada, para não fugir dos padrões atuais.

Estou triste e sozinho, mas estou bem. Essa tal pandemia (que no Brasil virou pandemônio) nos isolou, nos dividiu entre os que lutam pra viver e os que vivem pra lutar. Luta e Luto andam juntos por aqui. Mas dizem por aí, que “quando tudo passar, voltaremos à vida normal”. Tento acreditar nisso, porém sempre fui cético, quase um niilista, apesar de tentar ser um socialista utópico...

[Ah, ok... sem política... vamos falar de nós...]

By Glimboo
Mas, enfim... Lembro-me do nosso velho tempo de paixões platônicas. Você teve muitos rostos, muitos perfumes, muitas vozes, muitos corpos sublimes (ou não). O meu olhar sempre foi o mesmo, passeando por suas curvas malemolentes (ou não). Fiz poesias que reli várias vezes diante de um espelho e depois jogava numa caixa de sapatos. Com o tempo, tive que mudar para uma caixa de papelão que peguei num supermercado. Hoje, tenho dezenas de caixas-arquivo que guardam estes e outros escritos e outras coisas que insisto em guardar (da coleção de álbuns de figurinhas às declarações de imposto de renda...). Nas caixas de poesias, há pedaços de você que formam uma etérea e eterna amada...

Mas me fale de você. Por onde anda? Europa? África? Ou Pindamonhangaba??? Você é uma eterna viajante do tempo e do espaço. Viaja pelos meus sonhos, pelos meus filmes. Já até contracenei com você enquanto degustava pipoca amanteigada de micro-ondas (você sempre recusou, em nome da sua silhueta...). Confesso que às vezes te busquei até em sites de relacionamento, nas praças de alimentação dos shoppings, em mesquitas muçulmanas ou em cinemas pornôs. Mas você sempre fugiu de mim. Só que eu nunca esqueci você.

By © Depositphotos.com / Mogil
Se eu casei? Como, se nunca te encontrei? É sério! (Tô brincando...rs) Você lembra que a única coisa com que concordamos era que casar nem sempre é a consolidação do amor (às vezes, dizem, é a materialização do ódio!) Por isso, nossa relação é tão profunda, profícua e proveitosa. Afinal, sequer nos beijamos! Não por mero puritanismo, talvez por não conseguirmos efetivar isso... (tipo aquele beijo do Ghost! Kkkk)



Olha, acho que já vou ter que ir fechando essa epístola (juventude fica “pistola” comigo...rs: Vão pro Google...kkkk). Não convém escrever muito. Pessoal detesta textão. Estamos em tempos de Twitter, onde só se permite umas cento e poucas letras (Saramago disse uma vez que “De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”).

Queria terminar dizendo que EU TE AMO, como nunca deixei de amar. Talvez de um jeito estranho, meio tímido ou acanhado. Meio abobalhado (o amor nos abestalha...). E até te dedico um pequeno poema, para que nunca me esqueças:

Etéreo amor

By  Muhammed Salah

Onde estiver, me dê sua mão
Não para botar um anel
Nem pra assinar papel
Muito menos prometer o céu...

Me dê sua mão, onde estiver
Para me fazer cafuné
Me oferecer café
Ou mesmo uma oração de fé

Se você não estiver
Em lugar algum
Em lugar nenhum
Em lugar-comum

Sopre-me uma nota de Ravel
Um perfume de Channel
Ou um grande carretel

Pra que empine aquela pipa
Que carregou nossos sonhos
Pela pétala da tulipa
Fugindo dos tempos medonhos

Nosso amor é algo sereno
Fluido e transparente
Eterno, etéreo, urgente...


Mas o que sempre nos uniu foi o sentimento de amor pela humanidade. Aquela coisa altruísta que nos fazia caminhar nas nuvens para fazer chover as lágrimas dos anos. Num eterno feitiço do tempo, onde retornávamos sempre para o mesmo dia em que nos conhecemos, naquele berçário, naquele aquário, naquele redário, ou até num petshop, ou na lanchonete, ou no sinal vermelho, ou no velório, ou lendo um vade mecum...

Operários (1933), de Tarsila Amaral
Meu eterno amor, seja como for, estaremos sempre juntos numa canção dos Beatles, do Dallaras ou do Legião Urbana. Num verso de Whitman, de Rimbaud ou de Leminski. Num filme do Fellini, do Kurosawa ou do Tarantino. Num mantra do Tibet, nas contas de um komboskini ou numa novena de São Borromeu. Seja na Grécia, no Japão ou em Itapipoca. Seremos sempre etéreos em nossa secular paixão.


Feliz Dia dos e-Namorados!

Pasárgada, 12 de junho de 2020.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

O Colecionador de Gente

Como bom canceriano, sou um colecionador nato.  Completando hoje 54 anos, tento focar minha crônica anual de aniversário (tenho uma coleção delas, clique na hashtag Aniversário, lá no rodapé desse texto e conheça as outras) exatamente neste vício, por assim dizer.


Você não se torna um colecionador. É algo inerente em algumas pessoas. Nem me dei conta de quando tudo começou. Talvez lá pelos 7 anos, quando ganhei minha primeira coleção de livros: a obra de Monteiro Lobato sobre o Sítio do Pica-Pau Amarelo, em capa dura (como o da foto abaixo), de cor vermelha. Praticamente me alfabetizei em meio às aventuras de Pedrinho, Narizinho e Emília. E absorvi a essência dos personagens pelos anos seguintes. Antes de viajar pra Grécia, em 1988, presenteei a coleção a um sobrinho.


Os livros me levaram aos gibis. Cheguei a ter uma coleção com mais de 500 gibis da Disney e Maurício de Sousa, e alguns da Marvel e DC Comics! Chorei quando meu pai disse que não poderíamos trazer as revistas na viagem pra Santarém, quando tinha 15 anos! Acabei distribuindo as revistas (que enchiam uma caixa de papelão de geladeira) pros amigos da vizinhança. Mas trouxe comigo duas coleções que também iniciei na pré-adolescência: a de vinis (LPs e compactos) e de times de botão! 

A primeira cresceu e foi melhorando de qualidade, com meu amadurecimento. Ainda hoje tenho uns 300 vinis, guardados numa caixa (foto abaixo). Os mais antigos são de música grega, que herdei do meu pai, até o dia em que cometi um ato rebelde e comprei um compacto simples do Raul Seixas, que acabava de ser lançado nos anos 1970 com o clássico GITÁ! Contei essa história noutra crônica que pode ser lida clicando AQUI! Chico Buarque é destaque na coleção, logicamente (tenho T-O-D-O-S dele!).


Já a coleção de botões ainda usei por um bom tempo. Realizei campeonatos e ensinei garotos que aqui conheci e que não sabiam a maravilha do que é jogar botão. Pena que um dia viajei para Europa e quando retornei ao Brasil, a caixa com mais de 20 times havia sumido durante uma mudança. Um dia ainda refaço essa coleção!

Outra coleção que se perdeu quando viajei para a terra de meu pai, a Grécia (entre 1988 e 1991) foi a de revistas masculinas, principalmente a Playboy!!! Minha geração foi reprimida sexualmente pela censura da Ditadura, e quando liberou geral não tinha neguinho que não comprasse a Playboy do mês! Alguém acabou jogando fora mais de 100 revistas, enquanto eu estava do outro lado do oceano! Mas consegui reconstituir parte da coleção que guardo até hoje (consegui salvá-las, até hoje, nos dois casamentos!).

Já colecionei coisas bizarras como carteiras de cigarro (que juntava na rua, quando moleque), chaves (das dezenas de casas que aluguei), armações de óculos (das muitas que usei) e mais recentemente rolhas de vinho (foto abaixo), que ainda guardo numa garrafa de vidro. Já colecionei cachorros e até ratos (esses últimos, na verdade, me colecionaram, sendo os bichos mais asquerosos que sempre me perseguem pra onde vou e já acabaram com algumas de minhas coleções...).


E tenho coleção de jornais antigos, muitos jornais, revistas, panfletos, santinhos de candidatos e todo tipo de papel. Tenho caixas cheias, hoje mal organizadas, que vez por outra sofrem ameaças domésticas de incineração. Como estou de férias, me comprometi (mais uma vez) de arrumá-las até 31 de julho...

A compulsão em colecionar suscita estudos mais acurados. Antes de começar a escrever esta crônica, pesquisei na internet e encontrei alguns textos interessantes para tentar entender porque padeço disso. Um desses textos diz que “o colecionismo, além da ideia básica de entretenimento, é uma arte e uma ciência e desenvolve o aprendizado, sendo uma atividade cultural por excelência”. (Leia mais aqui: http://www.abrafite.com.br/artigo14.htm)

Já outro artigo apresenta estudos psicológicos de pessoas como Sigmund Freud (ele mesmo um colecionador de gravatas, como a da foto abaixo) que acredita ter como origem um trauma na infância. “Uma criança que faz xixi ou cocô na rua, na cama, com força suficiente para gerar um trauma grande o bastante para fazer a pessoa adulta colecionar com o intuito de controle ou mesmo na tentativa de voltar no tempo” (Leia mais aqui: https://vidadecolecionador.wordpress.com/2014/04/04/por-que-colecionamos/)!  Será???


Ao ler essa tese, lembrei que meu pai contava de uma viagem que fez comigo pro Rio de Janeiro, quando eu tinha dois anos. Lá, passeamos no bondinho do Pão de Açúcar e ele, ainda solteiro, começou a se engraçar de uma bela carioca. Quando a coisa estava ficando mais séria e o grego se preparava para roubar um beijinho, eu estraguei tudo com uma boa dose de excrementos (estava sem fralda...rs) que sujou o casal!!! Provavelmente levei um grande “ralho” dele que perdeu o broto, mas será que foi isso que me tornou um colecionador?

Deixando de lado essas divagações, fiquei sabendo nas pesquisas que os naturalistas foram precursores na arte de colecionar objetos. O italiano Ulisse Aldrovandi (foto abaixo) foi o primeiro deles e lá por 1572 começou uma coleção de “ovos de pássaros bizarros, minerais, estranhos chifres, amostras de plantas e até mesmo o cadáver de um filhote de dragão!”. Chegou a ter mais de 20 mil itens em seu acervo (Leia mais aqui: https://papodehomem.com.br/colecao-por-que-gostamos-tanto-de-colecionar-coisas/)!


Mas há quem diga que o hábito é ainda mais antigo. “É bem provável que o homem pré-histórico já tivesse, num cantinho da caverna, uma coleção de crânios como talismãs”, diz um dos autores que pesquisei. Ele analisa essa compulsão e chega a dizer que “um colecionador, mesmo quando obtém uma raridade não sente seu desejo atenuado. Na verdade, nada é mais triste, para um colecionador, que pensar em completar uma coleção”. E conclui citando outro historiador: “quando as mãos seguram a nova aquisição, os olhos já vislumbram a próxima peça” (Leia mais aqui: http://josearnaldo.blogspot.com.br/2008/01/colees-entenda-por-que-as-pessoas.html ).

No site do Wikipedia encontrei, inclusive, uma relação de nomes para cada tipo de colecionador, alguns muito estranhos. Se você que está me lendo e tem, por exemplo, o estranho hábito de colecionar pacotes de açúcar você não passa de um PERIGLICÓFILO! Clique AQUI e veja outros tipos de colecionadores...

Mas “o hábito de colecionar pode tomar tempo e energia da pessoa, além de consumir muito dinheiro”, diz outro artigo pesquisado cheio de referências bíblicas. Nele, o autor chega a questionar se “deve o cristão permitir que o fascínio por algum hobby se torne tão profundo que o leve a extremos que são insensatos e constrangedores? Não, pois a Bíblia exorta-nos a manter-nos equilibrados”. Me senti um pecador sem perdão. Como não tenho religião, fiquei mais tranquilo. (Leia mais aqui: https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/102004890). 

Voltando à origem astrológica, um dia li num livro da Linda Goodman (expert internacional nessa área, na foto abaixo) que o perfil do canceriano é ser “um arqueólogo da mente”. Os amigos que me conhecem sabem que tenho uma grande capacidade de memorizar fatos do cotidiano, principalmente nos quais eu me envolvo. Na minha “coleção de memórias”, a mais antiga é de quando tinha cinco anos e fui conhecer meu irmão caçula na maternidade. Mas apesar de saber de cor o nome científico - e quilométrico - da Cibalena (Dimetilaminofenildimetilpirazolona), que aprendi quando moleque, as noites de insônia andam matando alguns neurônios e me dificultam lembrar onde deixei o carro estacionado...


Hoje mantenho algumas coleções em meu acervo, com mais de uma centena de CDs e DVDs, livros diversos e gibis da Marvel com encadernamento especial. E incentivei a caçula Nicole a colecionar bolinhas de acrílico (eu adorava elas quando era pequeno, mas não cheguei a colecionar) e bonecos em miniatura.






Mas existe uma coleção de todas que eu tenho, que eu mais prezo: a COLEÇÃO DE GENTE. Sim, sou um Colecionador de Gente. Não como o maníaco do filme O Colecionador (de 1965, dirigido por William Wyler, com Terence Stamp, cartaz abaixo), que colecionava borboletas e se apaixonou por uma linda jovem e a raptou para juntar à sua coleção. Nem tampouco o colecionador obsessivo de aromas do filme Perfume, a história de um assassino (de 2006, dirigido por Tom Tykwer, com Ben Whishaw), que mata mulheres para lhes extrair a essência.




Minha coleção de gente é feita de filhos, de mulheres que amei, de parentes distantes, de pessoas com quem concordei ou discordei, de amigos e colegas de ideais com os quais desenvolvo um altruísmo quase suicida. Tenho também os amigos virtuais que me acompanham pela internet e que aprovam ou não o que digo, mas em sua maioria me respeitam. Tenho coleção de adversários e alguns poucos inimigos (quem diz que não os tem, mente), que servem como contraponto para não me sentir perfeito.

Aliás, é a busca do equilíbrio e da sensatez que me faz querer mais e mais amigos. Não como Roberto Carlos. Não apenas milhões de amigos. Mais milhões de emoções que deles irradiam.


Há 54 anos cultivo essa coleção quase de forma automática. Gosto de cultivar olhares à distância, absorver essências, conversar, trocar confidências ou chorar. E principalmente fazer poesias, baseadas em toda essa gente. Meu Eu-lírico se deixa flutuar para entender toda essa gente que eu coleciono. Talvez nunca consiga chegar a uma conclusão do porque dessa humanidade – incluindo eu – queiramos nos destruir.

Preciso continuar o mister de ser um Colecionador de Gente. Junto com essas pessoas, coleciono segundos, minutos, horas. Coleciono o tempo, como se meu coração fosse uma ampulheta de emoções.


Quero ainda ter forças para continuar essa coleção e fazer dela a maior de todas, antes que eu comece a última coleção que nos sufocará um dia: a de terra, muita terra, que há de nos envolver num último acalanto da natureza...


domingo, 25 de maio de 2014

30 anos de jornalismo nas veias

Era uma sexta-feira, 25 de maio de 1984. Faltavam menos de dois meses para eu completar 21 anos. Cheguei à garagem da Rádio Rural com minha velha Mobylette Caloi cor de prata (uma motoneta que havia ganhado de meu pai, no Natal anterior) e perguntei onde era a sala de um tal Eriberto Santos.

Meu corpo – à época com pouco mais de 60 quilos, hoje é quase o dobro – tremia muito, num misto de paúra e excitação. Ia me apresentar para um teste de repórter da maior emissora de rádio da região. No ano anterior, durante alguns meses, tinha tido a experiência de produzir e apresentar na emissora o programa dominical Momento Sindical, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, junto com a futura reitora da Ufopa, Raimunda Monteiro. No programa não havia participação ao vivo, apenas gravações, mas todos que me conheciam dos movimentos sociais (onde atuava como militante) diziam que eu levava jeito pra coisa e me incentivaram para tentar a vaga.

“Meu nome é João Georgios Ninos, e soube que vocês têm uma vaga para repórter”, balbuciei ao Eriberto. Ele me apresentou a outro rapaz do qual nem recordo o nome e com o qual disputaria a vaga. Recebemos pautas e saímos para cumpri-las. “Quem chegar primeiro – disse, rindo, o Eriberto – fica com a vaga”. No fim do dia, apesar de meus infortúnios (que relatei de forma pitoresca no post http://goo.gl/lrc15R), consegui a vaga! Começava ali minha saga de jornalista, no interior da Amazônia!

Hoje comemoro essa data solitariamente, sem muita pompa, fazendo aquilo que sempre gostei de fazer desde adolescente: escrever. E escrevo neste maltratado blog, que parei de alimentar diariamente (e com muitos intervalos e retornos), por conta de minhas atribuições como servidor do Judiciário e auxiliar do juiz do Tribunal do Júri, que me toma muito o tempo, desde que passei no concurso público em 2003. Mesmo atuando como analista judiciário, não deixei de lado meu “Eu” jornalista. E sempre que posso, deixo minhas palavras impressas em algum lugar, principalmente nas redes sociais.
Repóorter magrinho em início de carreira.


Entro de férias dentro de uma semana e espero poder finalizar um livro que sempre anuncio, mas nunca consigo terminar, com uma coletânea do que melhor escrevi nesses 30 anos de profissão, em reportagens e crônicas, para publicar em julho, nos meus 51 anos de vida (e quem sabe assistindo a vitória da seleção brasileira na final da Copa de 2014, que acontecerá justamente no dia do meu aniversário!).

Mas enquanto o livro não sai, faço aqui (quase no fim do dia) uma pequena análise pro meu ego e reparto com meus poucos leitores, as impressões dessa jornada cheia de altos e baixos, que ajudou de alguma forma a moldar meu senso crítico.

Um repórter engajado e atormentado

Como disse no início do texto, antes de trabalhar como repórter eu era militante do movimento popular. Um pequeno-burguês que acreditava que mudaria o mundo. Foi no comércio de meu pai, uma lanchonete que fazia sensação no centro da cidade (Nino-Lanche), que conheci, em 1979, a então militante Raimunda Monteiro (atual reitora da Ufopa), a eterna Raimundinha. E através dela acabei indo frequentar um grupo de jovens que apresentava peças de teatro com temática engajada nos bairros da periferia e questionavam a ditadura militar. Aos 16 anos, comecei a forjar um articulador de movimentos sindicais, populares e estudantis, até me filiar a um partido que surgiria em 1981, nascido exatamente destas lutas contra a ditadura: o Partido dos Trabalhadores (PT).

Pelo talento (ou seria pela porra-louquice?) que demonstrava sempre eram-me repassadas as funções de registro dos acontecimentos do movimento, seja em atas ou em gravações reproduzidas depois em panfletos. Por conta disso, participei de um mini-curso para produção de boletins informativos do movimento e atuei em muitos dos que foram criados à época, sendo o mais importante deles o da extinta Associação dos Comerciários: O Talonário.

Foi com essa bagagem que cheguei ao cargo de repórter. A Rádio Rural vivia naquele momento dos anos 1980, uma mudança de direcionamento, dando maior espaço aos movimento populares em sua programação, por conta da influência dos padres da chamada Teologia da Libertação que passaram a ocupar a direção da emissora. Um ex-seminarista chamado Dornélio Silva, que voltou de Belém para atuar na antiga Catequese Rural (hoje Comissão Pastoral da Terra – CPT) e que tinha experiência em comunicação, foi atuar no Setor de Jornalismo da Rural e seria fundamental para a minha carreira.


Ao saber que seria aberta uma vaga no setor, Dornélio procurou os líderes dos movimentos sindicais de Santarém para saber se havia algum jovem que se moldasse à função, para que a vaga fosse ocupada por alguém sensível às causas populares. Ninguém pestanejou em apontar meu nome e logo fui chamado e desafiado a dar tudo de mim para ocupar a vaga, como se fosse uma tarefa de luta. Naquele momento, ainda via a chance como auto-afirmação de militante de uma causa, não como sacerdócio profissional.

Depois de aprovado no teste, percebi que o engajamento político me causaria problemas. Na emissora, muitos colegas viravam o rosto pra mim, acreditando que eu tinha sido “indicado pelos padres” (e eu não entendia o porquê da repulsa). Achavam até que eu era mais um dos seminaristas que já haviam atuado no Jornalismo, mas mal sabiam que nunca tinha nem frequentado igreja e que desde cedo decidi não ter religião alguma! Foi aí que percebi que apesar de muitos padres pregarem a “opção pelos pobres”, não cuidavam dos trabalhadores de sua própria emissora que reclamavam injustiças diárias e salários baixos!

O pior é que os “companheiros” me viam como um braço do movimento dentro da emissora, e encaminhavam líderes sindicais para me levarem notícias. Eriberto Santos, sempre gozador, encaminhava todos que chegavam para trazer informes das comunidades para o “repórter do PT, lá no fundo da sala”... Ainda imaturo, não sabia reagir àquilo tudo, ao mesmo tempo em que cada vez mais me convencia de que queria ser um jornalista profissional, mas não tão engajado e nem tampouco omisso. Como fazer a transição entre o engajamento partidário e a afirmação profissional?

Formadores de um repórter

Minhas angústias eram remoídas nas noites de plantão, enquanto produzia o Jornal da Manhã. Dornélio Silva, mais experiente, passou a ser meu interlocutor e solidificamos uma amizade que dura até hoje. Chegamos a morar juntos e trocar confidências pessoais. Uma amizade que ia além da ideologia. Mas outras pessoas foram importantes na minha formação, naquele início de carreira e sou grato à elas até hoje.

O já falecido amigo Eriberto Santos, sem dúvida, foi fundamental naquele início. Acreditou no meu potencial desde o primeiro dia. Deu dicas preciosas e era o tipo do chefe dos sonhos: deixava rolar e adorava manter um clima de euforia no departamento. Não me lembro de ter levado qualquer “bronca” dele, mesmo quando cometia algum deslize. Ao contrário, chamava pra uma conversa e dizia onde errei e como deveria proceder. “Você é responsável pelo que faz”, dizia sempre. Isso atiçava meu senso de disciplina adquirido na militância política, e fazia tudo para evitar novos erros. Até hoje, nas experiências de chefia que tive, tentei usar o mesmo estilo de Eriberto na condução das equipes que comandei, seja no Jornalismo, seja na Justiça.

Poucos meses depois de estrear, comecei a ousar em alguns textos e mostrei minha verve humorística, que Eriberto adorou. O pessoal da Rádio começou a notar o talento que eu tinha com as palavras, principalmente na cobertura da Câmara Municipal. Meus comentários pela manhã misturavam notícia sobre vereadores e frases irônicas. Adorava pinçar detalhes pitorescos das sessões e jogava no texto, como o desalinho de um vereador com a roupa sempre amassada, os erros de português de outro, ou a mosca que insistia em não deixar um terceiro vereador falar da tribuna. Pequenas coisas que faziam meu texto ser “guerrilheiro” e atacar as “autoridades constituídas”. Era a influência da leitura dos textos non sense do jornalista carioca Carlos Eduardo Novaes, do qual era fã, além dos textos irreverentes da revista Casseta Popular e do periódico satírico Planeta Diário (os autores destas duas edições se uniriam mais tarde para escrever o roteiro do revolucionário programa TV Pirata, e anos mais tarde, o Casseta & Planeta!). E isso começou a atrair inimigos contra mim...
Jota Ninos, Ormano Sousa e Manuel Dutra: pupilos e o mestre.

O respeitável jornalista Manuel Dutra, que tinha sido gerente da emissora e fazia o comentário diário do Jornal da Manhã, um dia me encontrou no corredor da Rural e me elogiou pelos textos. Daquele primeiro contato surgiu uma nova e sólida amizade que transformei na relação de pupilo e mestre, até hoje. Dutra passou a me dar orientações e até chamava minha atenção quando passava do ponto. Houve um episódio em que chegou a me esculachar e dizer que eu tinha feito molecagem (outro dia dou detalhes).

Mas não posso esquecer também da contribuição de outras pessoas nesse início de carreira: o ex-redator gaúcho, o falecido Sérgio Henn (sim, aquele da avenida mais perigosa do trânsito...) e Ismaelino Soares (irmão de Santino Soares), com os quais também dividi madrugadas na redação e que sempre buscavam frear minhas loucuras; as dicas para a reportagem em campo me foram passadas pelo mais experiente dos repórteres da época: Sampaio Brelaz; e finalmente, o amigo José Parente de Sousa, o Jota Parente, chefe de programação da Rural, que sempre abalizou muitas das minhas loucuras no jornalismo e me deu a chance de ser apresentador do Canta Brasil, programa com músicas de MPB que ele produzia e apresentava nas tardes de sábado, e que eu adorava. Dali, para apresentar o Bazar Brasileiro (criado em 1985) nas noites de domingo, foi um pulo.

A gênese de um repórter polêmico

Quanto mais eu me embrenhava no Jornalismo, mais eu me distanciava da militância política. A imaturidade de algumas lideranças sindicais daquele período (tendo à frente meu grande mentor nos movimentos sociais, Pedro Peloso – à época esposo de Raimundinha), me levou à condição de proscrito nos movimentos sociais e até de “traidor da causa dos trabalhadores”. Ao ponto de alguns até tramarem minha saída da emissora (que ocorreria, finalmente, em 1986).


Mas apesar disso, comecei a cunhar minha fama de “polêmico”, epíteto que incorporei ao meu nome de guerra. Nas primeiras férias da emissora fui rever minha Belém, mas procurei os radialistas que faziam sucesso. Santino Soares me levou à Rádio Liberal e me mostrou como se faziam os programas policiais. O mais famoso à época era o do Adamor Filho. Achei que podia fazer aquilo em Santarém, mas com outra roupagem.

Uma famosa entrevista coletiva com Ronaldo Campos (centro) da qual participo (1986).
Na foto estão (da direita para a esquerda) os colegas: Manuel Dutra, Adriana Lins,
Joanir Silva, Jota Ninos, Marco Nogueira, os irmãos Ray e Josivaldo Pereira,
e Jurandir Anselmo. Ao fundo Eriberto Santos (falecido), o ex-vereador Davi Pereira
e o comunicador Geraldo Bandeira (também falecido). Foto do Acervo do ICBS.
Quando voltei, levei a ideia ao gerente da emissora, Eduardo dos Anjos (hoje, meu colega como oficial de Justiça), que não aprovou. Ele acreditava que Santarém não estava preparada para um programa policial, até porque as ocorrências na delegacia eram poucas. Dornélio me ajudou a convencê-lo mostrando que o programa teria uma abertura para a população se manifestar, através de cartas, numa sequência que se chamaria “Broncas do Povão”. Parente foi decisivo: “Acho que vai dar certo”. Nascia ali o programa que viria a ser a maior audiência da emissora: o Plantão da Cidade. Inicialmente era um programa de 15 minutos após o jornal do Meio-Dia, que era apresentado por Oswaldo de Andrade. A apresentação irreverente e a parceria com Clenildo Vasconcelos, que era programador musical, era o tempero que faltava. Clenildo e os operadores de áudio que antes me viravam a cara passaram a disputar o horário, pois eu dava liberdade para criarem vinhetas que adicionassem humor. E as Broncas do Povão, segunda parte do programa eram o maior sucesso. As reclamações eram as mesmas de hoje, falta d’água, luz nos postes, buracos nas ruas. Mas eu aproveitava para desancar o prefeito de plantão. Um deles foi Ronan Liberal (pai do vereador Ronan Liberal Jr.) e outro viria se tornar meu maior inimigo: Ronaldo Campos de Souza, pai do hoje radialista e blogueiro JK.

Criei o personagem Honestino Honesto da Silva, personificado por Clenildo Vasconcelos, com sua irreverência de imitar um velho caboclo do interior. Honestino era uma sátira contra os políticos desonestos, já que era um demagogo de primeira. Eu fazia os textos e Clenildo os interpretava ao vivo. O sucesso do personagem foi tão grande que nas eleições de 1985, o lancei como candidato a prefeito e houve o registro de pelos menos três votos (de protesto) nas urnas de papel! Mas Ronaldo Campos venceu as eleições e eu passei a ser seu principal adversário. Até que em 1986 fui demitido, e muita gente logo atribuiu minha demissão à perseguição do prefeito, mas eu sabia que nos bastidores o meu partido havia contribuído com a demissão, por eu ter iniciado a criação de uma tendência partidária que se opunha à direção de então. Mas isso é assunto pra outra postagem...

Repórter andarilho

A saída da Rural, no auge da audiência, ajudou a construir a imagem do repórter andarilho, desde então. Passei por várias empresas e sempre era demitido por injunções político-partidárias, nunca por incompetência. Quando saí da Rural, reforcei a sequência das Broncas do Povão criando outro personagem, o Broncolino Bronqueado da Silva, que era interpretado por um jovem conhecido como Amadeu dos Santos (irmão do Tadeu, famoso vocalista da Banda 5ª Dimensão). Broncolino seria irmão de Honestino na minha ficção e era um caboclo que odiava os corruptos como seu “irmão”, e como porta-voz da ira do povão passou a ser meu alterego. Ao sair da Rural levei o personagem comigo para a recém-inaugurada Rádio Tropical, do empresário Ubaldo Corrêa, onde criei o programa Comando Tropical, que até um dia desses ainda estava no ar. Foram cinco meses intensos nessa emissora, e acabei tendo a chance de trabalhar pela primeira vez na TV Tapajós, já que Ubaldo era diretor dessa emissora (à época os Pereira e os Corrêa ainda não haviam desfeito a sociedade).

Em 1986 vivi a experiência de trabalhar no jornal O Tapajós, jornal que chegou a ter três edições semanais e foi o primeiro completamente produzido e impresso em Santarém. Antes disso, já havia tido uma experiência escrevendo alguns artigos sobre política no extinto Jornal de Santarém, na gestão do falecido jornalista Arthur Martins. Demitido da Tropical, mais uma vez por pressões políticas (desta feita por obra do prefeito Ronaldo Campos), preparei meu retorno à Rural no ano seguinte. O detalhe curioso é que na Tropical cunhei o apelido de “prefeito abelha” (quando não está voando está fazendo cera) contra Ronaldo Campos por causa de suas eternas viagens em busca de verbas que nunca chegavam, e isso era a coisa que ele mais odiava, além das denúncias (o engraçado foi ver recentemente seu filho JK usar a mesma expressão contra outros prefeitos da região, em seu blog...rs).

A briga com o prefeito continuaria no meu retorno à Rádio Rural em janeiro de 1987. Só que um pedaço de mim ficou na Tropical: o personagem Broncolino foi “confiscado” e eu bem que poderia ter feito uma briga judicial por direito autoral, mas à época nem liguei pra isso. Na Rural, meu programa continuava, mas já não era o mesmo. Eu precisava resgatar sua credibilidade. Passaram-se cinco meses, até que ocorreu o episódio dos sacos de cimento e da invasão do prefeito ao estúdio, como já contei em outra postagem: http://goo.gl/BSaEiX. Estava restabelecida a sina do repórter polêmico.

Mas esse episódio me deu medo, pelas ameaças anônimas que recebi. Meu pai providenciou minha ida à Grécia para estudar, com medo que eu fosse mais uma vítima de pistoleiros, que agiam despudoradamente na região. Em 1988 fui para minha segunda Pátria e passei três anos lá. Tive a primeira experiência como correspondente internacional, primeiro escrevendo artigos para O Tapajós e depois para o semanário recém-criado (1989) Gazeta do Tapajós, dos irmãos Carneiro (Jeso e Celivaldo), dos quais sou amigo até hoje.

O retorno do filho pródigo

Sérgio Henn, Jota Ninos, Edinaldo Mota e Eriberto Santos:
Assessoria de Comunicação da PMS (1997)
No retorno a Santarém, passei pela TV Ponta Negra (1992), onde trabalhei como editor-chefe de um jornal que vinha depois do Jô Onze e meia (pouca gente assistia); fui repórter, redator e editor do jornal Estado do Tapajós (1993/1994), do empresário Admilton Almeida (atual proprietário do jornal O Impacto); experimentei em 1995/1996 o trabalho de assessoria de comunicação de uma ONG ambientalista (Projeto Várzea, hoje IPAM), sob a coordenação de Socorro Pena. 

Em 1997, entrei para o mundo do marketing político, estreando como marketeiro e ajudando a eleger o então deputado Lira Maia por dois mandatos! Nesse período, atuei como chefe da Divisão de Comunicação e Marketing na gestão Lira Maia, sob a coordenação do amigo Sérgio Henn, com quem me reencontrei durante a campanha (ele era assessor de Alexandre Von); em seguida fui parar na assessoria de comunicação da Câmara Municipal auxiliando entre 1997/2001 os presidentes Mário Feitosa (PMDB) e Osmando Figueiredo (PDT); criei a empresa Lexis Marketing e Pesquisas (1998/2001) e fui sócio da produtora Set Light com Celia Henn e Paulo Tihammer.

Voltei ao jornalismo como correspondente do extinto jornal A Província do Pará (1999/2000) e nesse mesmo período trabalhei com Miguel Oliveira na instalação do jornal Província do Tapajós (que depois se tornaria O Estado do Tapajós, hoje só em versão online); em 2001 ingressei na TV Tapajós, a convite de Vânia Maia, assumindo a chefia do departamento de Jornalismo até 2003, quando passei no concurso do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), atuando inicialmente em Ananindeua. Nesse período convivi com colegas como Suelen Reis e Claudenice Lopes, que ainda hoje mantém a filosofia de trabalho que construímos juntos naquele período. Também vivi uma grande parceria com os amigos Grazziano Guarany, na criação do portal NoTapajós (hoje G1 Santarém) e com Nélson Mota e Pedro Liberal, na criação do programa Meio-dia em Ponto, da 94 FM, que até hoje está no ar.

Ao retornar a Santarém em 2004, tentei várias vezes atuar no jornalismo. Primeiro criando este blog e depois, a convite de Vânia Maia amiga de Jader Barbalho Filho, assumi por alguns meses a sucursal do Diário do Pará e lancei o encarte Diário do Tapajós (assumido depois pelo casal José Ibanês e Albanira Coelho); voltei a trabalhar na TV Tapajós, como chefe de Comunicação Corporativa e assessor de Comunicação da empresa, por um curto período em 2006.

Em 2007 voltei a apresentar o Bazar Brasileiro na Rádio Rural, atuando algumas vezes como comentarista nas eleições, sempre a convite de meu "líder espiritual" (rs) Edilberto Sena. O programa saiu do ar em 2009 e retornou em 2011, saindo novamente em 2013. Atualmente renegocio novo retorno ao programa que é meu xodó.

Com a falta de tempo, tenho colaborado com vários blogs ou como free lance em revistas e jornais, sendo o mais assíduo o blog do amigo Jeso Carneiro. Desde 2006, colaboro como assessor de imprensa informal do Judiciário, sendo liberado pela presidência do TJPA a produzir relises para o site do TJ e recentemente para a Rádio WebJus, no qual colaboro inclusive com boletins gravados.

Sindicalismo nas veias

A velha experiência com movimentos sindicais foi providencial na organização dos trabalhadores da comunicação. Em 1986, aquela insatisfação que víamos nos olhos dos colegas da Rural, se transformou em algo sólido, com a criação (um ano depois) da Associação dos Radialistas de Santarém, agregando colegas de várias emissoras como os irmãos Adilson e Adélson Sousa. Elegemos Dornélio Silva nosso primeiro presidente e eu fui vice. Depois que Dornélio e eu viajamos, Adélson Sousa assumiu e junto com Augusto Sousa (atual presidente), fundaram o Sindicato dos Radialistas em 1988. Colaborei com quase todas as diretorias do Sindicato, principalmente nas presidências de Ormano Sousa (1990/1994), Paulo Tihammer (1994/1996), Ronei Oliveira (1996/1998) e Rosa Rodrigues (1998/2000). A partir daí me afastei das atividades.

Em 2006 entrei para a 1ª turma de comunicação social, coordenada por Manuel Dutra, no Iespes – Instituto Esperança de Ensino Superior. Formados em Jornalismo em 2010, recebemos a incumbência de tentar mais uma vez a instalação de uma delegacia regional do Sinjor – Sindicato dos Jornalistas do Pará, agora com o nome de Diretoria Regional, sendo empossado em 2012 pela atual presidente Sheila Faro com mais quatro colegas: Rosa Rodrigues, Minael Andrade, Ednaldo Rodrigues e Ronilma Santos. Mas de lá para cá, apesar de várias reuniões e conversas pela internet, não conseguimos o objetivo de filiar os quase 100 jornalistas já diplomados aqui, e a maioria nem poderá votar nas eleições do Sinjor que vão ocorrer em junho, o que pra mim foi uma frustração. O envolvimento de todos os membros da diretoria com o curso de especialização da Ufopa, foi um dos motivos de não se dedicar com maior empenho na tarefa.  Mas uma comissão de jovens jornalistas, liderados pela colega Ronilma Santos trabalha para finalizar esse doloroso processo, no qual ainda pretendo colaborar, se for possível. 

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Neste dia em que completo 30 anos de Jornalismo, só pude terminar o texto agora à noite, porque aguardava o nascimento da nova filha, Nicole, mas que decidiu não sair para ser meu grande presente nesta data...

E que venha a madrugada e continuarei esperando a pequerrucha, e quem sabe outros trinta anos (rs)...

sábado, 13 de julho de 2013

Com os grãos de areia em nossas mãos, para dizermos o que pensamos

10 de julho de 2013. Dez horas da manhã.

Dirijo meu golzinho preto 2004 (com corpinho de 2003) pela BR-163 em direção à chácara Pouso Alto, na localidade de Cipoal. Já passamos do posto da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e relaxo ao volante sem precisar segurar os 40 quilômetros por hora.

Ao meu lado, o velho grego Georgios Ninos, do alto de seus 92 anos, tenta me dar um pouco mais de suas lições. Com a mente já um pouco fraca – pelo tempo – apesar de manter o vigor da juventude em seu corpo cuidado à base de rígida dieta vegetariana e exercícios físicos, o velho grego tenta se comunicar comigo em mais um dia que passamos juntos no meu período de férias/licença do Judiciário, mas as palavras lhe faltam. Suas ideias já não conseguem se traduzir com a mesma maestria de alguns anos. O peso da idade.

O velho Ninos e sua "gororoba vegetal"

Tentando balbuciar algumas lições ao filho desleixado que continua não cuidar da saúde, na semana em que este está prestes a completar meio século de vida, o velho grego acaba me transportando para um mundo inaudito, fazendo-me lembrar de velhas lendas da mitologia helênica que estudei na adolescência, nos livros que ele me comprou. O carro parece flutuar, enquanto meu pai continua balbuciando suas mesmas lições e a mitologia atravessa à minha frente. O cavalo à beira da estrada vira um Pégaso (o cavalo alado dominado pelo herói Belerofonte) e me transporta além das nuvens negras de mais um dia nublado no oeste do Pará.

Me veem à mente duas dessas lendas, das mais tristes tragédias contadas por Homero e outros escritores da antiguidade helênica. São lendas sobre o amor e a velhice, numa Santarém de 352 anos dos quais 35 vi de perto quando aqui cheguei, aos 15 anos adolescentes.

Sibila de Cumas e Apollo, de Giovanni Domenico Cerrini

Uma das lendas fala da Sibila de Cumas, uma das 10 sibilas (profetisas) do deus Apolo, que para se tornar sua esposa resolveu pedir a vida eterna, mas de uma forma inusitada: colocou um punhado de areia em sua mão e pediu-lhe para viver tantos anos quantos fossem as partículas de terra que tinha ali. Entretanto, esqueceu-se de pedir, também, a eterna juventude. Com o passar dos anos tornou-se tão consumida pela idade que teve de ser guardada no templo de Apolo, na cidade de Cumas. A lenda diz que a Sibila de Cumas viveu nove vidas humanas de 110 anos cada! 

Aurora abandona Titono, de Louis Jean François Lagrenée
A outra lenda grega é sobre o amor da deusa Eos (Aurora, irmã do Sol e da Lua) por um príncipe mortal, Títono, irmão do rei Príamo, de Tróia. Ela, um dia o raptou, casaram e tiveram dois filhos, mas enquanto Eos conservava uma juventude eterna, Títono, por ser mortal, começou a envelhecer. Eos conseguiu então que Zeus, o deus dos deuses, concedesse a imortalidade ao seu amado, mas por falta de reflexão não pediu também a juventude eterna para o amado e este envelheceu continuamente, enfraquecendo. Chegou ao ponto de ficar pequeno como inseto encarquilhado, até que ela, penalizada, pediu a Zeus que o transformasse em uma cigarra.

10 de julho de 2013. Dez e cinco da manhã.

Grandes caminhões graneleiros ocupam as duas laterais da estrada entre Santarém (PA) e Cuiabá (MT) e eu preciso desanuviar meus devaneios mitológicos para não dar de cara com aqueles monstros de nossa mitologia moderna, do famoso deus Mercado. Meu pai continua balbuciando suas lições. Entre gergelins e linhaças, iogurtes e beterrabas, o velho grego para de falar sobre as receitas de suas famosas gororobas e me emociona dizendo “queria ter tua idade, para poder dizer o que penso”.

Entre o medo de chegar à idade dele e não poder “dizer o que penso” e o medo de morrer antes dele pelo descuido à ditadura do regime alimentar, escolho a vontade de viver com experiência. E quem sabe, diminuir uns quilinhos...

Por isso, o ato de refletir sobre o meio século que completo neste sábado, 13/07/2013, passa pela estrada trilhada pelo velho Ninos, mesmo que eu tenha buscado atalhos diversos do dele, e que juntos possamos dizer que cada um, ao seu modo, viveu a vida.

10 de julho de 2013. Dez e quinze da manhã.

Entro na chácara e vejo meu pai sair do carro com uma pequena lágrima retida no canto do olho. Os Ninos são feitos de manteiga derretida. Choramos por qualquer coisa. E a velha desculpa de sempre: “tem poeira aqui”. Os Ninos são orgulhosos. Não gostam de se mostrarem frágeis, mas às vezes, se debulham em lágrimas, seja cantando uma canção ou assistindo a uma novela na TV.

Fico parado dentro do carro por alguns instantes. Naquele momento, as ideias para esse artigo começam a brotar. Quase todos os anos, escrevo sobre o dia do meu aniversário como se quisesse deixar um testemunho de mim a cada ano. Um diário de bordo de uma nau enlouquecida. Pitadas literárias de um filho que tentou ser mais que o pai. Agora, nesse meio século, essa relação parece ficar mais próxima, tanto quanto mais distante.

Olho pra trás e vejo toda minha existência tentando me firmar como um cidadão de bem. Como meu pai ensinou. Como sempre me cobrou, com puxões de orelha. Com berros. Até eu sair de casa aos 16 anos e achar que tinha um mundo a conquistar. Foram idas e vindas de um filho pródigo, que um dia conseguiu provar ao pai que tinha algum valor. Não porque se tornou um jornalista, com certo prestígio, numa cidade perdida no meio do nada amazônico, como são todas as cidades do Verde Vagomundo, do ximango Bené Monteiro. Nem tampouco por que fez filhos e filhos perpetuando o nome, um dos orgulhos helênicos. Mas porque, apesar de tudo, manteve a essência dos ensinamentos do velho grego turrão, que ainda hoje quer puxar (literalmente) nossas orelhas...

10 de julho de 2013. Dez e vinte da manhã.

Saio da Chácara de minha irmã e sigo pela estrada. Ainda tenho um TCC de pós-graduação pra terminar. Preciso revisar o livro de poesias que agora vou lançar (acertei tudo com o Cristóvam Sena, do ICBS). Mais um loucura minha. [No final, por problemas de última hora, o livro foi adiado mais uma vez]

“Queria ter tua idade, para poder dizer o que penso”. A frase do velho grego ecoa em minha mente. Ele disse muita coisa pelas mãos. Com seu faro de pequeno comerciante, deixou sua marca na cidade que adotou como sua.  E do alto de seus rompantes de arrogância, misturados ao velho sorriso cativante, um dia me disse: “Houve um tempo em que tu eras o filho do seu Ninos, o homem do lanche mais gostoso da cidade. Hoje me orgulho quando alguém me pergunta se sou o pai do Jota Ninos”. Os Ninos são metidos a bestas.

Mesmo depois de me dizer essa frase de me deixar todo gabola, não duvidou em me ordenar que partisse para a Grécia, antes que eu “amanhecesse com a boca cheia de formiga”, como lhe diziam os telefonemas ameaçadores da época em que adorava polemizar com poderosos locais, pela Rádio Rural. “Prefiro um filho vivo sem fama, do que um filho morto famoso”, decretou. E mais uma vez definiu meus rumos, já nos altos de meus 25 anos!

Três anos de autoexílio (1988/1991), em sua terra natal, para evitar que minha boca expressasse o que eu pensava. Três anos de amadurecimento, numa Grécia de encantos, onde pude respirar das lendas de outrora e até tentar por juízo na cabeça socialista de sempre. [A Grécia de hoje, nem de perto lembra ao menos a Grécia que eu conheci. Muito menos a Grécia de meu pai ou a das lendas mitológicas]

Eu, na Grécia de meu pai, aos 25 anos.

Amadureci tanto que, após ter retornado ao meu “Santo Harém” (como chamava ironicamente a cidade, em alguns artigos de jornal, à época), um colega jornalista disse que eu havia me “despolemizado” (rs)! Afinal, um ex-militante petista fazer assessoria de marketing para um prefeito do antigo PFL (hoje, DEM) era o fim da picada!

10 de julho de 2013. Dez e vinte e cinco da manhã.

O carro vai mais lento, pois a PRF é logo ali. Nada de pensar em lendas gregas agora. Passada a barreira, começo a fazer um retrospecto do que vivi depois de retornar da Grécia.

A carreira jornalística chegava ao limite do tolerável no inicio do século XXI, mas o acúmulo de conhecimentos foi suficiente para entrar, através de concurso público no Poder Judiciário, onde já atuo por dez anos como analista judiciário (“babá” de processos carcomidos pelo tempo), sem deixar de lado a carreira de jornalismo e atuando num setor onde a comunicação se faz presente: o Tribunal do Júri.

No final de 2009, vivi a experiência de voltar a ser solteiro depois de 17 anos com uma família, quatro filhos, duas netas, cinco cachorros... E aos poucos, voltei a reescrever poesias guardadas em velhos sacos de papel. Voltei a comprar algumas brigas pelos blogs da vida. Voltei a polemizar, até me filiando ao PCdoB, pelo qual sonhei em organizar um grupo para mudar o status quo local, mas fracassei. Até um plebiscito pela criação de um novo estado, enfrentei. E fracassei. E me envolvi num sem-número de atividades como ativista cultural, ambientalista, pesquisador de história e voltei até a ser sindicalista! E em muitas coisas fracassei. Enquanto isso o açúcar se acumulava no sangue, até eu ser agarrado pelo mal do século: o diabetes. E tenho tentado me curar, mas tenho fracassado. Puxão de orelha do velho Ninos.

Aos 50 anos, chego ao terrível dilema de continuar querendo “dizer o que penso”. Seja em um programa de rádio, seja nas redes sociais, seja neste pobre blog, que de vez em quando abandono. Não existe fracasso quando se quer dizer liberdade. Talvez seja uma questão de ponderar que já não tenho o vigor da juventude para abraçar tantas causas. Então o primeiro passo talvez seja me desvencilhar da maioria das atividades e tentar a tal “vida saudável”. Depois do TCC de Especialização, quem sabe um mestrado e/ou doutorado? Quem sabe um livro dois, livros? Quem sabe um filho, uma árvore?..

10 de julho de 2013. Meio dia. De volta a Santarém. Tempo de lembrar o que tenho feito recentemente, para chegar aos 50 anos.

De um ano pra cá encontrei uma nova razão para continuar “dizendo o que penso”. Um novo amor, que não me cobra a juventude (plena, que já não tenho), e sim a experiência de que precisamos para os novos tempos em que muita gente vai às ruas “dizer o que pensa”.

Eu (com cara de babaca) com minha nova razão de viver, Ana Charlene.

O que importa, nestas primeiras horas do meu meio século, é que eu não queira a eternidade por um punhado de areia nas mãos, nem tampouco sonhar em virar uma cigarra...

13 de julho de 2013. Um pouco mais da meia-noite. Termino o texto e revigoro o blog. O recado do seu Ninos está aí.

EU DIGO O QUE PENSO: FELIZ ANIVERSÁRIO, SEU BABACA!