Bom dia, querida!
Hoje, Dia dos Namorados, 12 de junho de um ano estranho,
onde abraçar e beijar é proibido, resolvi tirar as teias dos meus dedos e te
escrever essa carta, como há muito não se faz. E decidi que será pública, para
que todos saibam meus sentimentos por você...
Não pude usar a velha máquina de escrever Olivetti que
herdei de papai (junto com uma coleção de discos riscados e fotos
envelhecidas). Ela está sem as teclas A, M, O, R, necessárias para expressar o
principal dos sentimentos de antigos enamorados. Por esse motivo, acabei usando
um velho computador desktop (ainda não tive dinheiro e nem me encanto por
notebooks), para escrever essa missiva (vou usar, de vez em quando, palavras
que forcem os mais jovens a procurarem o dicionário, ou melhor, o “tio
Google”...rs).
Gostaria de enviar a carta pelos Correios, mas até isso
ficou obsoleto em nossa era cibernética (dizem que não demora e deixará até de
existir nos nossos estranhos tempos). Além do mais, haveria problema para definir
o destinatário, afinal estás em todos os lugares e em lugar nenhum. Assim, vou
compartilhar minha carta na internet, movimentando um velho blog abandonado
onde já escrevi algumas coisinhas interessantes no passado (quem sabe assim
tomo vergonha e volto a produzir crônicas e artigos que muita gente gostou de
ler). De tal forma que esta será uma carta e-Namorada, para não fugir dos
padrões atuais.
Estou triste e sozinho, mas estou bem. Essa tal pandemia
(que no Brasil virou pandemônio) nos isolou, nos dividiu entre os que lutam pra
viver e os que vivem pra lutar. Luta e Luto andam juntos por aqui. Mas dizem
por aí, que “quando tudo passar, voltaremos à vida normal”. Tento acreditar
nisso, porém sempre fui cético, quase um niilista, apesar de tentar ser um
socialista utópico...
[Ah, ok... sem política... vamos falar de nós...]
By Glimboo |
Mas, enfim... Lembro-me do nosso velho tempo de paixões
platônicas. Você teve muitos rostos, muitos perfumes, muitas vozes, muitos
corpos sublimes (ou não). O meu olhar sempre foi o mesmo, passeando por suas
curvas malemolentes (ou não). Fiz poesias que reli várias vezes diante de um
espelho e depois jogava numa caixa de sapatos. Com o tempo, tive que mudar para
uma caixa de papelão que peguei num supermercado. Hoje, tenho dezenas de caixas-arquivo
que guardam estes e outros escritos e outras coisas que insisto em guardar (da
coleção de álbuns de figurinhas às declarações de imposto de renda...). Nas
caixas de poesias, há pedaços de você que formam uma etérea e eterna amada...
Mas me fale de você. Por onde anda? Europa? África? Ou
Pindamonhangaba??? Você é uma eterna viajante do tempo e do espaço. Viaja pelos
meus sonhos, pelos meus filmes. Já até contracenei com você enquanto degustava
pipoca amanteigada de micro-ondas (você sempre recusou, em nome da sua
silhueta...). Confesso que às vezes te busquei até em sites de relacionamento,
nas praças de alimentação dos shoppings, em mesquitas muçulmanas ou em cinemas
pornôs. Mas você sempre fugiu de mim. Só que eu nunca esqueci você.
By © Depositphotos.com / Mogil |
Se eu casei? Como, se nunca te encontrei? É sério! (Tô
brincando...rs) Você lembra que a única coisa com que concordamos era que casar
nem sempre é a consolidação do amor (às vezes, dizem, é a materialização do ódio!)
Por isso, nossa relação é tão profunda, profícua e proveitosa. Afinal, sequer
nos beijamos! Não por mero puritanismo, talvez por não conseguirmos efetivar
isso... (tipo aquele beijo do Ghost! Kkkk)
Olha, acho que já vou ter que ir fechando essa epístola
(juventude fica “pistola” comigo...rs: Vão pro Google...kkkk). Não convém
escrever muito. Pessoal detesta textão. Estamos em tempos de Twitter, onde só
se permite umas cento e poucas letras (Saramago disse uma vez que “De degrau em
degrau, vamos descendo até o grunhido”).
Queria terminar dizendo que EU TE AMO, como nunca deixei de
amar. Talvez de um jeito estranho, meio tímido ou acanhado. Meio abobalhado (o
amor nos abestalha...). E até te dedico um pequeno poema, para que nunca me esqueças:
Etéreo amor
By Muhammed Salah |
Onde estiver, me dê sua mão
Não para botar um anel
Nem pra assinar papel
Muito menos prometer o céu...
Me dê sua mão, onde estiver
Para me fazer cafuné
Me oferecer café
Ou mesmo uma oração de fé
Se você não estiver
Em lugar algum
Em lugar nenhum
Em lugar-comum
Sopre-me uma nota de Ravel
Um perfume de Channel
Ou um grande carretel
Pra que empine aquela pipa
Que carregou nossos sonhos
Pela pétala da tulipa
Fugindo dos tempos medonhos
Nosso amor é algo sereno
Fluido e transparente
Eterno, etéreo, urgente...
Mas o que sempre nos uniu foi o sentimento de amor pela
humanidade. Aquela coisa altruísta que nos fazia caminhar nas nuvens para fazer
chover as lágrimas dos anos. Num eterno feitiço do tempo, onde retornávamos
sempre para o mesmo dia em que nos conhecemos, naquele berçário, naquele
aquário, naquele redário, ou até num petshop, ou na lanchonete, ou no sinal
vermelho, ou no velório, ou lendo um vade mecum...
Operários (1933), de Tarsila Amaral |
Meu eterno amor, seja como for, estaremos sempre juntos numa
canção dos Beatles, do Dallaras ou do Legião Urbana. Num verso de Whitman, de
Rimbaud ou de Leminski. Num filme do Fellini, do Kurosawa ou do Tarantino. Num
mantra do Tibet, nas contas de um komboskini ou numa novena de São Borromeu.
Seja na Grécia, no Japão ou em Itapipoca. Seremos sempre etéreos em nossa
secular paixão.
Feliz Dia dos e-Namorados!
Pasárgada, 12 de junho de 2020.
4 comentários:
Parabéns Jota! Sempre surpreendente nos seus textos. Movimente esse blog para o bem dos que gostam das letras.
Parabéns. Grande poeta, Ninos.
Muito bom, Ninos.
E que boa notícia a retomada do blog!
🤩
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