sábado, 31 de março de 2007

Do you speak Português? versão 2.0 (*)

Houve uma época em que as crianças iam para o maternal ou jardim de infância na escola. Hoje, começam sua vida escolar pelo “baby class”. É assim que os pequenos brasileirinhos do futuro começam a aprender suas primeiras letras. Daí, um dia viram “teens”, assistem programas de televisão “educativos” como Xuxa, Malhação ou os clipes musicais da MTV e pronto: aprendem a língua portuguesa fácil, fácil...
Aí, se moram numa grande metrópole tomam um “break fast” ou um “coffee break” e vão a um “shopping center”. Depois de olhar as vitrines com as placas de “on sale”, “off price” e “off shore”, param num “fast food”, comem um “cheese egg burger” ou um simples “hot dog”. E o paizão, que acabou de voltar de uma viagem, passou pelo “check-in” de um aeroporto, fez um “check-up” no seu médico e tem carro moderno que foi comprado depois de um “test drive”. Provavelmente terá um “air bag” mesmo que seja uma “pick-up”. É o mesmo carro que passa num “drive-in” ou por um serviço de “drive-thru”.
Essas crianças vivem numa cidade atribulada onde “office-boys” disputam lugares nas filas do banco e de vez em quando ocorre um “black out”. Chegando em casa, as crianças que se tratam entre si de “brothers”, passam pelo “hall” de entrada, onde há um “playground”, brincam, cansam e vão pedir para a “baby sitter” comprar uma pizza pelo serviço “delivery” que um “motoboy” se encarregará de trazer, enquanto assistem a um clipe de uma banda “underground”. “All right”?
Se você entendeu os parágrafos iniciais deste artigo, parabéns! Você é um legítimo brasileiro, mesmo que não viva num ambiente de classe média como o que foi descrito! Com certeza to da noite você deve assistir ao seu programa “cultural” favorito: o “Big Brother”. É o mesmo programa que na Argentina é chamado de “El gran hermano” (que quer dizer a mesma coisa, só que na língua portenha). E enquanto você tem medo de pegar AIDS (sigla de Acquired Immune Deficiency Syndrome), os portugueses em Portugal têm medo de pegar uma SIDA (Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida) que é a mesma coisa! Como diria Renato Russo, “que país é este?”.

Colonizados pelos lusitanos de Cabral assumimos como língua pátria o português, que depois receberam influências das línguas tupis dos indígenas que já habitavam esse solo, e dos dialetos africanos dos escravos trazidos nos navios negreiros. Formamos uma língua que já é conhecida mundo afora como Língua Portuguesa Brasileira. Entretanto, não conseguimos nos livrar da colonização lingüística que continua em curso. No início do século XX, era “très chic” falar francês. Nossa cultura acabou assimilando uma centena de palavras daquele idioma e as “aportuguesou”, como garçom, abajur, entre outras. Em meados do século passado, vivemos uma nova invasão com as terminologias norte-americanas, principalmente com a chegada da música e dos costumes da juventude transviada. Mas nas duas últimas décadas parece que perdemos o controle dessa sutil invasão. E hoje assimilamos de forma natural os termos já citados no início deste artigo.
Não quero ser confundido com lingüistas conservadores que não admitem que a língua seja algo vivo e passível de transformações de acordo com a evolução. Mas uma coisa é evolução outra coisa é colonização. Acredito que se um país não consegue ter domínio sobre sua língua, uma das principais marcas de soberania nacional, estamos fadados a aceitar a imposição da ideologia ianque, ligada ao consumismo e à falta de princípios morais e éticos. Sem exagero, é dessa passividade que surge uma massa despolitizada que elege políticos corruptos e depois se lamuria dizendo que “este país não presta”.
O que se vê na mídia “nacional” é a proliferação dessa cultura inútil e o bloqueio de qualquer iniciativa que tente diminuir esse impacto. É o caso do Projeto de Lei 1676/99, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PC do B/SP) que tramita há oito anos na Câmara Federal.
O projeto prevê um combate contra os estrangeirismos em nossa língua, e apesar de ter apoio de alguns intelectuais, sofre uma campanha contrária de parte da elite brasileira que não quer ver extirpadas do nosso dia-a-dia os entulhos lingüísticos existentes. “A proposta foi elaborada a partir da observação da presença exagerada e desnecessária de palavras e expressões estrangeiras no nosso cotidiano. Devo ressaltar que o projeto não quer proibir o uso dos estrangeirismos, mas sim o abuso deles”, explica o próprio autor do projeto.
Como Rebelo, acredito que não se poderá impedir que em algumas áreas (inclusive o jornalismo onde milito nas horas vagas, quando me é cobrado pelo editor que cumpra meu “dead line”, que no nosso jargão é a “linha da morte” ou o prazo final para a entrega de uma reportagem...) se tenha tal purismo. A internet por exemplo, é um espaço livre onde a garotada se aprofunda num mundo sem fronteiras lingüísticas e acaba resvalando para uma linguagem que já conhecida como internetês. Mas isso é história para outro artigo...
O debate sobre o tema é importante e neste artigo apresento estas considerações iniciais para que sejam discutidas, principalmente, nas salas de aula.
Enquanto isso fica a provocação inicial: “Do you speak Português?”

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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal "Perípatos", publicada em 27.03.2007 no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.
P.S.: Este artigo é uma versão 2.0 do mesmo tema abordado com o mesmo título, nesta mesma coluna no ano passado, nesta mesma época, como você pode conferir clicando AQUI.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Requentando um texto, sem gravata (*)

É sempre assim: quando estou me inspirando para escrever alguma coisa (que eu acho ser) bem legal, surge algum dos mil compromissos de final de semana e eu acabo deixando a produção do texto para a última hora. Na redação do Diário, os editores já não me agüentam mais. Vivo ultrapassando o dead line (a chamada “linha da morte” no jornalismo, o último prazo para um texto chegar na redação e ser inserido na publicação).
Nas últimas semanas tem sido sempre assim. Primeiro me liga a editora: E aí, tá pronto? – Quase - digo eu descaradamente, sem ao menos ter ligado o computador. Meia hora depois, o marido da editora, num tom um pouco mais gaúcho: Ô tchê! Esse texto sai ou não sai? – Tá saindo... – Minto de novo do alto de minhas bombachas, enquanto decido ligar o computador. O jornal já está fechando, mas por consideração a este pseudo-escritor todos esperam. Último recurso: a secretária, que foi deixada de plantão, já meio sonolenta me liga de novo uma hora depois do último telefonema: - Tá pronto? – Tô enviando! – digo eu cinicamente, enquanto o texto ainda está no meio da primeira lauda (geralmente são duas). Por fim, um recado do diagramador pelo Messenger: !@#$%¨&*? (impublicável). - Tá chegando! - retorno a mensagem.
Olho no relógio, hora de ir pra aula e o texto flui finalmente... O resultado nem sempre é ruim e até recebo alguns elogios. Sorte minha, pois senão já estaria na rua...
Esta semana, mais uma vez estou impossibilitado de escrever. Estou “na onça”, preparando uma viagem para serviços do TJE em Jacareacanga. Não terei tempo de mandar um novo texto, então o jeito é buscar um texto recente, publicado na Gazeta quando ainda estava em Belém (outubro de 2004). Com permissão dos Carneiros e dos Encarnação, vai aí um texto requentado (e revisado) em situação de emergência:
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O retorno de um neo-engravatado
Por mais de quarenta anos evitei me entregar à ela. Sempre achei ridículo ter que pendurar aquele pedaço de pano na camisa.
Por duas vezes em toda a minha vida me vi obrigado a usá-la em ocasiões solenes: num casamento de um amigo na Grécia (sim, foi lá que ela me desvirginou!) e na graduação de minha esposa. Na minha cabeça, mico total. Era como se todos me olhassem e dissessem “olha o babaca de gravata!”. Jurava que evitaria usá-la. Inda mais com o indefectível paletó. Caos total!
Além de sempre ser um desleixado visualmente (meu negócio é bermuda e sandália de dedo), a gravata e o paletó sempre me deram a impressão da soberba, da austeridade, da morbidez. Mas vestir e gostar é só começar...
Há quem ache ridículo usar suspensório, já eu acho charmoso. Assim como aqueles bonés anos 40 que também costumo usar nos fins de semana. Minha intriga com roupas formais começou com as camisas de mangas compridas, mas aos poucos perdi o medo. Paletó, até hoje, nem pensar. E a maldita gravata, um tabu!
Talvez o trauma esteja num velho álbum de fotografias da família: quando garoto, fui obrigado pelo meu pai a usar uma gravata borboleta (de seda) para ir a um casamento. A foto registrou um moleque pançudo, de óculos fundo-de-garrafa e cabelinho gomalinado com aquele caminho de cobra lateral e os dentes de coelho de fazer inveja à Mônica! Tétrico!!! Imaginem o trauma no pequeno Jotinha!
Quando fui chamado para assumir uma vaga de escrivão pelo TJE, pensei seriamente em desistir só em pensar que teria de me “empaletosar”. Resolvi me sacrificar e sussurrei com os meus botões: “adeus, acho que não vou mais vê-los, amiguinhos, pois estarão sempre cobertos por aquela coisa”.
Passei quase um ano e ninguém cobrava o tal acessório. Me fingia de morto, até ser baixada uma portaria definindo que a partir deste ano (2004) todos deveriam se vestir “condignamente”, com camisas de manga compridas e...gravata! É aí que reside a grande questão que me atormenta: um homem só é “condigno” quando usa gravata ou outro tipo de roupa formal? Quantos engravatados pelo mundo afora não honram as gravatas que usam?
Mas enfim, manda quem pode, obedece quem tem Juiz...
E eis que pela primeira vez, adquiri uma gravata. Foi um momento solene. Comprei a primeira, uma cor cinza, lúgubre. Na hora de usar me sentia colocando a cabeça num cadafalso. Engoli em seco e fui em frente... Aí veio o dilema: e o tal do nó de gravata? Como farei eu, pobre analfabeto “gravatal”?
Já se vão dez meses de convívio com a famigerada. Sempre pedindo auxílio aos colegas mais experientes: “faz um nó pra mim?”. Ou aos advogados nos corredores: “dá uma ajudinha, doutor?”. Por falar nisso, elevei meu status assim que comecei a usar a tal gravata: pessoas simples chegam ao cartório e me chamam de “doutor” (só se for do “boi”...). Como resolvi ingressar num curso de Direito e seguir carreira nessa área, disse a mim mesmo: “se não tem jeito, relaxa e ...”
Há um mês saiu a tão esperada portaria autorizando minha permuta com uma colega do Fórum de Santarém. Tomei então uma decisão: “preciso conquistar minha independência ‘gravatística’!”.
Naveguei na internet em busca dos melhores nós de gravata. Dei mais nós em minha cabeça. Implorei que me ensinassem. Vi, revi, mas não conseguia nenhum resultado. Resolvi comprar gravatas com nó feito. Boa solução, mas ficou a sensação da impotência e do fracasso. Pô, será que sou tão incapaz que não possa dominar uma coisa tão insignificante?
Nas pesquisas descobri que a gravata poderia ter sido criada pelos gregos! Vergonha! Um grego tapajônico apanhando de uma gravata! “Uma gravata bem atada é o primeiro passo sério na vida”, ensina o célebre escritor britânico Oscar Wilde, o que me levou a decidir que eu precisava dar esse passo sério de qualquer maneira agora que rompi a barreira dos 40!
Treinos e mais treinos. Gravatas e mais gravatas. Eu, espelho e gravata: amigos inseparáveis. Nós, ridículos. Ridículos nós. Manual na mão. Tenta de novo. Ridículous man!
Comecemos pelo “Four-in hand knot” (o popular nó simples): a gravata colocada no pescoço, uma volta da ponta maior por trás da menor, mais uma volta, entra por cima, enfia no anel, e.... vous alla, cherriè! Que legal, consegui! Justo no meu último dia de trabalho no Fórum de Ananindeua!
Empolgado, resolvo arriscar outros tipos de nós: o “Half-Windsor knot” (nó duplo) e o Full-Windsor knot” (nó triplo), o mais difícil. Finalmente consigo dar este último, e vou ao trabalho como se houvesse acabado de inventar moda... Agora já posso reverenciar meu antepassado que criou esta “maravilha”...
Aos poucos já estou me afeiçoando à gravata, que segundo os estudiosos “resume a elegância e o espírito do homem que a veste”. Afinal todos mudam um dia de opinião. Se até o PT mudou, porque eu não?
Semana que vem estarei em Santarém, com minha(s) gravata(s), assumindo a escrivania da 7ª Vara Civil (Juizado da Infância e Juventude). Mas espero que a burocracia que ela representa não contamine o meu texto jornalístico. Como deveria ter dito o grande Che: “Hay que endurecerse la gravata, pero sin perder la palabra, jamas”...
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O tempo passa e as coisas mudam: já não estudo Direito (e sim Jornalismo) e não trabalho na 7ª Vara Cível (e sim na 6ª Vara Penal).
E já não uso mais a famigerada gravata. No Fórum de Santarém, desde que cheguei no final de 2004, ainda passei uns meses com ela, mas descobri que não havia tal obrigação por aqui. Um certo advogado e jornalista que me ouvia dizer desta água não beberei, vivia pegando no meu pé! Tirar a gravata foi tão difícil como aprender a colocá-la. Hoje só me restam as mangas compridas, que aliás, de vez em quando se encurtam “ao arrepio da lei”.
O retorno do desengravatado (até à próxima portaria...)!
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal "Perípatos", publicada em 13.03.2007 no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

terça-feira, 6 de março de 2007

Quero ser mulher na próxima encarnação! (*)

Quem começou a ler este artigo, provavelmente já deve ter pensado “Hum! Isso é coisa de homossexual enrustido!”. Ledo engano: o verdadeiro “macho” é aquele que sabe conviver com seu lado feminino e no meu caso, reconhecer que o mundo é das mulheres e que nós, homens, somos um nada sem elas.
Não é a primeira vez que escrevo sobre isso. Há uns 20 anos escrevi um texto nessa mesma linha no extinto “O Tapajós” e o resultado não poderia ser outro: fui extremamente ridicularizado por colegas do sexo masculino durante várias semanas. Muitos passaram até a duvidar de minha masculinidade! Em compensação recebi os mais calorosos elogios do sexo feminino (e de certa forma até tirei proveito disso...). Afinal, sempre acreditei que o homem que consegue liberar sua alma feminina é mais completo, e as mulheres reconhecem isso. Naquela época, apesar da ousadia, de certa forma me arrependi em ter escrito aquele texto. Tive que deixar a poeira baixar e retomar o tema agora. Não só porque os tempos mudaram, mas porque hoje não sou apenas um garoto fazendo um texto ousado e sim um homem maduro com preocupações mais extremas a serem refletidas neste século XXI.
O cinema está cheio de exemplos sobre essa disputa titã entre os sexos e a necessidade de se conhecer o outro lado (quem não assistiu, que assista o filme com Tony Ramos e Glória Pires, “E se eu fosse você”, ou Mel Gibson vivendo o estereótipo de machão que descobre a alma feminina em “Do que as mulheres gostam”).
E volto a este tema exatamente porque os paradigmas mudaram e a tolerância com temas que eram tabus é bem maior em nossa sociedade atual. Isso não significa que eu esteja imune de ser ridicularizado de novo, pois apesar da mudança de paradigmas ainda existem muitas pessoas por aí que não conseguem dar vazão às fantasias, e aí sim, serem pessoas enrustidas do tipo que “jogam pedras nas Genis” do nosso dia-a-dia, como diria Chico Buarque de Hollanda. Por falar no meu grande ídolo, ele é considerado o poeta que mais entendeu a alma feminina ao escrever canções na voz delas e cumprir um importante papel na desmistificação do mundo machista. No caso de Chico, lembro que li em um dos livros que tentaram interpretar este gênio a citação sobre a existência de um estudo desenvolvido por psicólogos, na década de 1960, de que a alma do artista é feminina, pois o processo de criação se assemelha à concepção de um filho: primeiro o artista “engravida” da idéia, depois esta passa por um período de “gestação”, até que se realize um “parto”, quando a idéia vem ao mundo em forma de um produto artístico-intelectual (in: "Amor, ódio e reparação", de Joan Riviére e Melanie Klein). Genial, não?
Che Guevara, o argentino que liderou a Revolução cubana ao lado de Fidel Castro, também é considerado um grande homem de alma feminina por ter dito a célebre frase: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás" (“Há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura”). Há algo mais revolucionário do que isso? A força da mulher está em toda a parte, pois até o nome da Amazônia, onde eu vivo, surgiu de uma lenda grega sobre as guerreiras Amazonas que certamente povoava a “alma feminina” do colonizador que se inspirou nelas para nomear o nosso majestoso rio!



O mote para escrever este artigo é igual àquele de 20 anos atrás: o Dia Internacional da Mulher, que será comemorado em todo o mundo (menos nos Estados Unidos) depois de amanhã. A data relembra o sacrifício de operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque, que fizeram uma grande greve em 8 de março de 1857. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada sendo que aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas. Somente 53 anos depois, durante uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que a data passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher", decisão esta oficializada em 1975, através de um decreto, pela ONU (Organização das Nações Unidas). Os Estados Unidos, como sempre, desrespeitando a ONU não comemoram nem esta data e nem o 1º de maio, que relembra um fato idêntico também ocorrido lá.
Mas não quero fazer homenagem às mulheres por este dia. Na verdade quero contestar esta data e dizer que o “Dia Internacional da Mulher” é todo dia. Fala-se também que nos dias de hoje as mulheres “conquistaram os espaços antes reservados somente aos homens”. Errado! Apenas ocuparam o que era seu de direito. Basta olhar em volta e ver que elas aos poucos tomam conta de tudo e nós, "pobres homens" somos relegados à nossa insignificância! O que seria de nós sem elas?
Pode parecer exagero fazer tais afirmações. O debate dicotômico e maniqueísta entre o “Sim” e o “Não”, tende a ser combatido pelo “Talvez”. O meio-termo aristotélico pode ser a busca do equilíbrio em todas as ações. Mas estou convencido que no nosso caso, o equilíbrio acontecerá quando elas realmente acabarem com a hegemonia dos homens nas atividades que precisam de maior sensibilidade. Ou quando, nós homens, admitirmos que precisamos externar essa sensibilidade em nossas ações para nos aproximarmos da alma feminina.
O incrível nessa história, é que precisamos ainda hoje ter leis para defender os direitos da mulher, como aquela que prevê punições mais severas para os idiotas que se sentem mais machos quando batem numa mulher. Bater em mulher é atentar contra sua própria alma.
Mas todas as rosas têm seus espinhos. Já é possível constatar em alguns setores da sociedade - principalmente na esfera do poder político – que muitas mulheres quando chegam no poder, ao invés de utilizarem-se da sensibilidade e da força natural que trazem do berço, acabam adquirindo os vícios masculinos da mentira e da corrupção e destroem a oportunidade de uma sociedade mais humana. Isso, por si só poderia ser o detonador de um debate para provar que a questão do gerenciamento e do poder não se limita á quantidade de hormônios femininos ou masculinos. Entretanto, do ponto de vista filosófico as mulheres ainda dão de dez a zero em nós, homens!
Por esse motivo, lancei este desafio a mim mesmo, no título deste artigo, dizendo que se houver outra encarnação gostaria de voltar na pele de uma mulher, e aproveitar toda essa sensibilidade para poder contribuir com as mudanças que o mundo precisa. Pode ser um pensamento radical e não significa que me arrependa de ser homem. Muito pelo contrário! O fato de ter consciência de que meu lado feminino dita muitas das decisões acertadas que tomo, já é o suficiente para me sentir pleno. Além do mais, se todos pensassem como eu e quisessem também voltar como mulher, o mundo seria sem graça, não é? Um “planeta Lesbos”, como aquela famosa ilha grega da mitologia seria um desperdício...
Parafraseando o “poetinha” Vinícius de Morais eu diria: Que os homens me perdoem, mas a mulher que existe dentro de nós, é fundamental!
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada nesta terça-feira (06.03.2007) no Diário do Tapajós, encarte regional do jornal Diário do Pará. O quadro retratado neste artigo é do pintor renascentista Sandro Botticelli (1445-1510), e retrata "O Nascimento de Afrodite", a Deusa do Amor na Mitologia Grega.

Um manifesto virtual em busca de uma reação real – parte II (*)

Ausente do espaço por conta de outros afazeres e pelo feriado de carnaval, dou continuidade à reflexão iniciada mês passado neste espaço sobre o manifesto virtual do jornalista santareno Manuel Dutra pela qualidade de vida em Santarém e que circula na internet. O manifesto toca em pelo menos dois problemas cruciais no que se refere à qualidade de vida em Santarém nos últimos anos: a necessidade de arborização da cidade e o fim da calamidade pública em que se transformou o trânsito, principalmente por causa da tragédia pública dos mutilados em acidentes de moto.
Como disse naquela ocasião, “coloco o espaço de minha coluna aqui no Diário do Tapajós, para trazer para o mundo ‘um pouco mais real’ da impressão em papel, onde pelo menos as palavras são ‘palpáveis’... E quem sabe conseguir outros adeptos para algumas das idéias e informações que circulam naquele blog”.
No artigo anterior dediquei maior parte das linhas ao tema do trânsito, mostrando o que se debateu até então. Hoje quero resgatar a questão da arborização e outros temas que fluíram até agora. Até porque, este tema pode ter uma maior participação do cidadão, independentemente das ações do Poder Público. Vale ressaltar que uma conquista neste item está prestes a se consolidar após o anúncio pela prefeitura municipal sobre a criação do Horto Municipal na área da Aeronáutica que foi repassada o município, nos bairros do Aeroporto Velho/Jardim Santarém. É bem verdade que a idéia sobre a utilização daquele local para um espaço desse tipo, era uma das condicionantes da Aeronáutica na negociação com a prefeitura desde outras gestões. Mas o fato da prefeita bancar a idéia reforça que as ações sugeridas no manifesto são urgentes e necessárias O alerta global contra o aquecimento, como se viu recentemente, já ecoa na cabeça dura de George Bush e faz parte dos debates dos poderosos de Davos (Suíça): eles estão com medo que aquecimento global atinja o traseiro de todos!
Voltando ao manifesto virtual de Dutra, tem sido interessante a contribuição do jovem designer industrial santareno, Aldrwin Hamad (foto), ao apresentar uma série de sugestões simples, demonstrando que existem cabeças arejadas pensando a cidade de forma mais prática, sem discursos proselitistas e demagógicos. Hamad enfatiza inicialmente, que seria necessário começar pela implantação de um sistema de drenagem e pavimentação das ruas em áreas mais elevadas da cidade, “evitando o acúmulo de detritos e areia nos pavimentos existentes das áreas de confluência dos fluxos pluviais”. Diz ainda que a utilização de pavimentação de concreto ao invés de pavimento flexível com asfalto, garante maior durabilidade, segurança e qualidade, além de contribuir em muito para redução do aquecimento. “Caso seja usado pavimento intertravado de concreto teremos ainda o benefício da redução da camada impermeabilizante que o asfalto cria”, finaliza ele.
Mas o ponto crucial das propostas do engenheiro, e que atingem o âmago das preocupações de Dutra, é a afirmação de que “os projetos de urbanização das vias públicas DEVEM conter como norma a arborização contínua com espécies adequadas e específicas para não interferir na queda de frutos nos veículos nem no desprendimento de muitas folhas para que venham obstruir as redes de escoamento pluvial”. Para ele, um estudo de especialistas poderia indicar que espécies seriam, contanto que em ruas mais estreitas seja obrigatório o plantio de árvores em áreas de calçadas entre o meio fio e o início da calçada de pedestres. [Aqui um parêntesis: eu acrescentaria à esta proposta de “árvores nas calçadas” a necessidade de, inicialmente termos calçadas! Quando comecei este Perípatos, a principal motivação era exatamente a falta de um “perípatos” como o da velha Atenas, para que se possa passear, filosofar e curtir a beleza da cidade. O que se tem hoje é apenas uma extensão das casas nas calçadas. Não há passeios públicos e o pedestre se vê obrigado e dividir o espaço do meio-fio com os tresloucados carros de nossa urbis. Fecha parêntesis.]
Hamad propõe ainda que em ruas mais largas e com canteiro central, devem haver, obrigatoriamente, “fileiras de árvores para sombra e não meramente decorativas como palmeiras imperiais ou açaí por exemplo, apesar de serem árvores lindas, não teriam a função de proporcionar um corredor de sombra”. Para ele, as espécies arbóreas seriam produzidas pelo próprio município (agora com o horto municipal). Ele chega a sugerir que tal plantio poderia utilizar “a mão-de-obra dos detentos da penitenciária agrícola” ou ainda dos ‘próprios alunos das escolas públicas”, como forma de criar um senso de responsabilidade a estes dois grupos.
Ele sugere também que se estude a viabilidade de uma medida que exija dos donos de terrenos baldios o plantio de árvores maiores, sem que fira o direito de propriedade. Talvez com um programa de incentivo fiscal na base de descontos no IPTU pra cada árvore plantada ou área sombreada, ou coisa parecida. Nesse ponto, eu teria uma discordância com o engenheiro. Acho que os terrenos baldios deveriam ter um tratamento mais incisivo, pois tem muita gente acumulando área apenas para fim de especulação e acabam criando um grande problema social, que se agrava quando os sem-teto resolvem invadir estas áreas. A cidade vive hoje o drama de milhares de famílias que poderiam ser despejadas da área do Maicá, por causa de uma suposta herança ou da pretensão de uma empresa em ocupar parte da área com um terminal graneleiro. Tudo isso começou de terrenos baldios e falta de uma política de gestão urbana. Houve uma época que um vereador (se não me engano, João Otaviano Mattos Neto) teria apresentado ou sugerido a apresentação de um projeto que obrigaria os donos de terrenos baldios a severas multas por não dar uma destinação aos seus terrenos.
As idéias de Hamad e de outros que assinaram o Manifesto de Dutra vão mais além do espaço que tenho aqui. Se você ainda não o leu o manifesto e nem o assinou, vale a pena entrar lá no blog do Jeso e acessar o link existente, para conhecer esta e outras propostas. E saiba também que Hamad e outros jovens preocupados com estas questões, já estão se reunindo para transformar em prática as preocupações elencadas no Manifesto de Dutra. Você pode contribuir também, fazendo a sua parte, mesmo que não queira participar diretamente do movimento. Basta plantar alguma árvore no seu quintal, na sua rua ou em qualquer lugar que tenha livre acesso.
Encerro minha contribuição neste espaço, e na próxima semana volto às crônicas humoradas e/ou filosóficas que caracterizam o Perípatos.
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada em 27.02.2007, no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.