sexta-feira, 30 de março de 2007

Requentando um texto, sem gravata (*)

É sempre assim: quando estou me inspirando para escrever alguma coisa (que eu acho ser) bem legal, surge algum dos mil compromissos de final de semana e eu acabo deixando a produção do texto para a última hora. Na redação do Diário, os editores já não me agüentam mais. Vivo ultrapassando o dead line (a chamada “linha da morte” no jornalismo, o último prazo para um texto chegar na redação e ser inserido na publicação).
Nas últimas semanas tem sido sempre assim. Primeiro me liga a editora: E aí, tá pronto? – Quase - digo eu descaradamente, sem ao menos ter ligado o computador. Meia hora depois, o marido da editora, num tom um pouco mais gaúcho: Ô tchê! Esse texto sai ou não sai? – Tá saindo... – Minto de novo do alto de minhas bombachas, enquanto decido ligar o computador. O jornal já está fechando, mas por consideração a este pseudo-escritor todos esperam. Último recurso: a secretária, que foi deixada de plantão, já meio sonolenta me liga de novo uma hora depois do último telefonema: - Tá pronto? – Tô enviando! – digo eu cinicamente, enquanto o texto ainda está no meio da primeira lauda (geralmente são duas). Por fim, um recado do diagramador pelo Messenger: !@#$%¨&*? (impublicável). - Tá chegando! - retorno a mensagem.
Olho no relógio, hora de ir pra aula e o texto flui finalmente... O resultado nem sempre é ruim e até recebo alguns elogios. Sorte minha, pois senão já estaria na rua...
Esta semana, mais uma vez estou impossibilitado de escrever. Estou “na onça”, preparando uma viagem para serviços do TJE em Jacareacanga. Não terei tempo de mandar um novo texto, então o jeito é buscar um texto recente, publicado na Gazeta quando ainda estava em Belém (outubro de 2004). Com permissão dos Carneiros e dos Encarnação, vai aí um texto requentado (e revisado) em situação de emergência:
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O retorno de um neo-engravatado
Por mais de quarenta anos evitei me entregar à ela. Sempre achei ridículo ter que pendurar aquele pedaço de pano na camisa.
Por duas vezes em toda a minha vida me vi obrigado a usá-la em ocasiões solenes: num casamento de um amigo na Grécia (sim, foi lá que ela me desvirginou!) e na graduação de minha esposa. Na minha cabeça, mico total. Era como se todos me olhassem e dissessem “olha o babaca de gravata!”. Jurava que evitaria usá-la. Inda mais com o indefectível paletó. Caos total!
Além de sempre ser um desleixado visualmente (meu negócio é bermuda e sandália de dedo), a gravata e o paletó sempre me deram a impressão da soberba, da austeridade, da morbidez. Mas vestir e gostar é só começar...
Há quem ache ridículo usar suspensório, já eu acho charmoso. Assim como aqueles bonés anos 40 que também costumo usar nos fins de semana. Minha intriga com roupas formais começou com as camisas de mangas compridas, mas aos poucos perdi o medo. Paletó, até hoje, nem pensar. E a maldita gravata, um tabu!
Talvez o trauma esteja num velho álbum de fotografias da família: quando garoto, fui obrigado pelo meu pai a usar uma gravata borboleta (de seda) para ir a um casamento. A foto registrou um moleque pançudo, de óculos fundo-de-garrafa e cabelinho gomalinado com aquele caminho de cobra lateral e os dentes de coelho de fazer inveja à Mônica! Tétrico!!! Imaginem o trauma no pequeno Jotinha!
Quando fui chamado para assumir uma vaga de escrivão pelo TJE, pensei seriamente em desistir só em pensar que teria de me “empaletosar”. Resolvi me sacrificar e sussurrei com os meus botões: “adeus, acho que não vou mais vê-los, amiguinhos, pois estarão sempre cobertos por aquela coisa”.
Passei quase um ano e ninguém cobrava o tal acessório. Me fingia de morto, até ser baixada uma portaria definindo que a partir deste ano (2004) todos deveriam se vestir “condignamente”, com camisas de manga compridas e...gravata! É aí que reside a grande questão que me atormenta: um homem só é “condigno” quando usa gravata ou outro tipo de roupa formal? Quantos engravatados pelo mundo afora não honram as gravatas que usam?
Mas enfim, manda quem pode, obedece quem tem Juiz...
E eis que pela primeira vez, adquiri uma gravata. Foi um momento solene. Comprei a primeira, uma cor cinza, lúgubre. Na hora de usar me sentia colocando a cabeça num cadafalso. Engoli em seco e fui em frente... Aí veio o dilema: e o tal do nó de gravata? Como farei eu, pobre analfabeto “gravatal”?
Já se vão dez meses de convívio com a famigerada. Sempre pedindo auxílio aos colegas mais experientes: “faz um nó pra mim?”. Ou aos advogados nos corredores: “dá uma ajudinha, doutor?”. Por falar nisso, elevei meu status assim que comecei a usar a tal gravata: pessoas simples chegam ao cartório e me chamam de “doutor” (só se for do “boi”...). Como resolvi ingressar num curso de Direito e seguir carreira nessa área, disse a mim mesmo: “se não tem jeito, relaxa e ...”
Há um mês saiu a tão esperada portaria autorizando minha permuta com uma colega do Fórum de Santarém. Tomei então uma decisão: “preciso conquistar minha independência ‘gravatística’!”.
Naveguei na internet em busca dos melhores nós de gravata. Dei mais nós em minha cabeça. Implorei que me ensinassem. Vi, revi, mas não conseguia nenhum resultado. Resolvi comprar gravatas com nó feito. Boa solução, mas ficou a sensação da impotência e do fracasso. Pô, será que sou tão incapaz que não possa dominar uma coisa tão insignificante?
Nas pesquisas descobri que a gravata poderia ter sido criada pelos gregos! Vergonha! Um grego tapajônico apanhando de uma gravata! “Uma gravata bem atada é o primeiro passo sério na vida”, ensina o célebre escritor britânico Oscar Wilde, o que me levou a decidir que eu precisava dar esse passo sério de qualquer maneira agora que rompi a barreira dos 40!
Treinos e mais treinos. Gravatas e mais gravatas. Eu, espelho e gravata: amigos inseparáveis. Nós, ridículos. Ridículos nós. Manual na mão. Tenta de novo. Ridículous man!
Comecemos pelo “Four-in hand knot” (o popular nó simples): a gravata colocada no pescoço, uma volta da ponta maior por trás da menor, mais uma volta, entra por cima, enfia no anel, e.... vous alla, cherriè! Que legal, consegui! Justo no meu último dia de trabalho no Fórum de Ananindeua!
Empolgado, resolvo arriscar outros tipos de nós: o “Half-Windsor knot” (nó duplo) e o Full-Windsor knot” (nó triplo), o mais difícil. Finalmente consigo dar este último, e vou ao trabalho como se houvesse acabado de inventar moda... Agora já posso reverenciar meu antepassado que criou esta “maravilha”...
Aos poucos já estou me afeiçoando à gravata, que segundo os estudiosos “resume a elegância e o espírito do homem que a veste”. Afinal todos mudam um dia de opinião. Se até o PT mudou, porque eu não?
Semana que vem estarei em Santarém, com minha(s) gravata(s), assumindo a escrivania da 7ª Vara Civil (Juizado da Infância e Juventude). Mas espero que a burocracia que ela representa não contamine o meu texto jornalístico. Como deveria ter dito o grande Che: “Hay que endurecerse la gravata, pero sin perder la palabra, jamas”...
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O tempo passa e as coisas mudam: já não estudo Direito (e sim Jornalismo) e não trabalho na 7ª Vara Cível (e sim na 6ª Vara Penal).
E já não uso mais a famigerada gravata. No Fórum de Santarém, desde que cheguei no final de 2004, ainda passei uns meses com ela, mas descobri que não havia tal obrigação por aqui. Um certo advogado e jornalista que me ouvia dizer desta água não beberei, vivia pegando no meu pé! Tirar a gravata foi tão difícil como aprender a colocá-la. Hoje só me restam as mangas compridas, que aliás, de vez em quando se encurtam “ao arrepio da lei”.
O retorno do desengravatado (até à próxima portaria...)!
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal "Perípatos", publicada em 13.03.2007 no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

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