domingo, 4 de setembro de 2005

Dossiê PT – estórias que não gostaria de contar

Capítulo II – Decifra-me ou te devoro (parte 2)

Na última parte de meu “Dossiê PT” falava dos bastidores da primeira eleição para a escolha do primeiro Diretório Municipal do partido. (Leia AQUI o capítulo anterior)

Enquanto o padre Edilberto Sena, assessorado de perto por seu então pupilo Dinaldo Pedroso (que anos mais tarde viria a ser meu cunhado), filiava pessoas em todos os bairros, a “Corrente” se reunia para discutir se valia a pena entrar no PT. Recebeu convite para entrar no partido, mas pediu “um tempo”. Enquanto isso, Edilberto filiava...

Quando a “Corrente” finalmente decidiu entrar no PT, definiu que poria todo o seu peso espalhando milhares de fichas de filiação no planalto, na várzea, no Tapajós e no Arapiuns. Disse “sim” aos “edilbertistas”, mas com uma condição: “Nós vamos dirigir o partido”.

Mário Feitosa, sindicalista ligado aos tecelões reagiu de pronto: não era justo que os correntistas quisessem assumir o partido, depois de todo o esforço que seu pessoal já havia feito. Edilberto e seus pupilos rejeitaram a proposta. A “Corrente” não abriu mão de ter seu maior líder, Geraldo Pastana, à frente do PT. Do outro lado, Mário Feitosa era o candidato do grupo de Edilberto. Sem acordo, decidiram disputar no voto.

No dia da eleição, cada qual usou dos meios que tinha para levar seus filiados. Estava instalado um clima de guerra, mas os “correntistas” tinham um poderio bem maior. Em pouco tempo já haviam conseguido maior número de filiados. O trabalho das delegacias sindicais foi intenso. Mas havia um problema: a estrutura para bancar a vinda de tanta gente do interior para participar da Convenção Municipal. Do outro lado, praticamente 100% dos filiados dos Feitosa e dos Sena era de trabalhadores da cidade.

Mesmo assim, a “Corrente” usou de todo os recursos que pôde dispor. Provavelmente, com grande suporte financeiro da Fase (Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional, mentora dos “correntistas”). O resultado foi um plenário da Câmara Municipal (onde hoje é a Semed) lotado. As duas facções em pé-de-guerra. Difícil saber quem ganharia.

Mas aconteceu a catástrofe (para os “correntistas”): o barco que vinha com uns 25 filiados da região do Tapajós, comandados pelo frei Ranulfo Peloso, pregou no meio do caminho. A convenção terminava às cinco da tarde. Não fui testemunha disso, mas pelo que me contaram, os “companheiros” corriam da sala para a cozinha e viam o tempo se esgotar... Não havia uma precisão, mas tudo indicava que os votos não seriam suficientes.

E não foram: pela diferença de apenas 6 votos (!), Edilberto Sena & cia. impuseram a primeira derrota à arrogância “correntista”. A festa foi grande e Mário Feitosa tornou-se o primeiro presidente do Diretório Municipal do PT. Dos 21 cargos do Diretório, a turma de Edilberto ficou com a esmagadora maioria: 15, sobrando as seis restantes para a “Corrente”.

Arrasados, os companheiros foram para uma grande avaliação (da qual não participei), mas só ouvia rumores de que Antonio Vieira, o grande guru do movimento jogava toda a culpa em Ranulfo Peloso, dizendo que ele teria sido displicente ao fretar um barco com o mínimo de antecedência. Os filiados do Tapajós só chegaram no outro dia após a votação... A vitória da “Corrente” se acabou no meio do rio...

Mas o poder de recuperação da “Corrente” era muito grande. Passado o desânimo, veio a estratégia da retomada. Decidiu-se fazer do PT a grande ferramenta de luta e atazanar os dirigente do partido. Criaria-se um “PT paralelo”, após a fundação de diversos núcleos de base. Seria o chamado “internúcleos” (de que falarei em breve).

Como já disse no primeiro capítulo, o primeiro núcleo de base do PT em Santarém foi o da Interventoria, que tinha como coordenador o professor Orlando Gamboa (hoje, assessor da Semed para o Planalto). Junto a ele, pessoas como a valorosa Teca (Tereza Corrêa, irmã do jornalista Miltinho) e “seu” Teles, um pedreiro que ajudou a construir as bases do partido naquele bairro.

O nascimento da resistência da “Corrente” na Interventoria tinha um sentido simbólico: o bairro, que até hoje não tem esse nome como oficial, sempre foi um centro de lideranças cristãs e de militantes contra qualquer tipo de opressão (o nome Interventoria é justamente uma alusão à época em que Santarém teve interventor). Mas a intervenção “correntista” no processo de construção do PT em Santarém, traria bons frutos e ao mesmo tempo recrudesceria uma visão torpe baseada no stalinismo de Vieira, que contaminou todo o movimento popular de Santarém.

Eu estava lá, na fundação do primeiro núcleo, mas como cheguei ali? No próximo capítulo volto um pouco no tempo, mostrando o que considero a “pré-história” do PT em Santarém.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Ninos,

Quero te parabenizar pelo blog. Está muito bom. Agora sim, atualizado diariamente, fica gostoso de ler.
Mas quero te parabenizar mesmo é pelo "Dossiê PT", um marco para a história política santarena.Quando você mostra as entranhas do PT e sua verdadeira trajetória, está dando oportunidade para a atual e futuras gerações saberem como se construiu o outrora combativo partido dos trabalhadores na região. Espero que o meu amigo e sempre atento Cistóvam Sena consiga reunir e um dia publicar esses e outros registros da política santarena.
Tem sido gostoso ler os comentários do Juvêncio, pessoa que aprendi admirar pelo seu profissionalismo, educação e competência. Foi legal também perceber que o Juvêncio tem forte ligação com Santarém e que as duas campanhas que ele veio fazer na cidade, serviram para deixar amizades e respeito entre as pessoas que conviveram com ele, ou que estiveram, como foi o teu caso, em "trincheiras" opostas.
Sucesso!

Vânia Maia.