Capítulo III – A “pré-história” do PT em Santarém (parte 1)
No primeiro capítulo eu já havia falado um pouco sobre o que eu chamo “pré-história” do PT em Santarém. O trabalho da igreja católica e a missão dos freis Pastana e Peloso, que fizeram a tal “opção pelos pobres”, lema da Teologia da Libertação. (Leia AQUI o capítulo anterior)
Mas o movimento inicial carecia de uma estratégia militar, que somente um treinado comunista preparado para implantar um movimento guerrilheiro poderia arquitetar. A primeira equipe da Fase (Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional), a ONG que começou a assessorar aquele grupo de trabalhadores rurais liderados por dois franciscanos, não tinha esse elemento e por isso a primeira investida para tomar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém (STR), foi frustrada. Isso ocorreu em 1977, e somente dois anos depois eles voltariam à carga, agora com um projeto mais bem acabado.
Foi quando a Fase enviou a segunda equipe, chefiada pelo intelectual pernambucano Antonio Vieira, misto de déspota e poeta. Um artista da palavra, das imagens. Um militar, nas ações. Posso afirmar categoricamente que SE VIEIRA NÃO TIVESSE VINDO A SANTARÉM, A HISTÓRIA DO MOVIMENTO SINDICAL E DO PT SERIA OUTRA! E desafio qualquer ex-companheiro (que possa estar lendo estas linhas com ódio de minhas revelações) a me provar o contrário!
A perspicácia e o poder de persuasão de Vieira beiravam a loucura. Perfeccionista ao máximo, detestava falhas e humilhava qualquer um que não atendesse suas ordens. Mas, descaradamente, no momento seguinte, com a candura de um menino, abrandava a voz e seduzia seu interlocutor, fazendo-o entender o porquê errou. Vi muitos companheiros suarem frio ao terem que relatar alguma tarefa para Vieira, com medo do esporro que viria. Eu mesmo tive uma experiência traumática com ele, que vou relatar em outro episódio.
Mas enfim, Vieira acreditava piamente que era preciso criar um novo foco revolucionário na Amazônia (inclusive armado) e em Santarém. Daí a necessidade de ocupar todos os espaços no movimento sindical e popular. Começaria-se pelo campo, onde já havia um foco de resistência. Criou-se então a tal “Corrente Sindical Lavradores Unidos”, com um cabedal de instrumentos de ideologização: cartilhas, cartazes, folderes e hinos, tudo produzido pela mente fértil do próprio Vieira.
Até hoje soa em minha cabeça o hino da Corrente Sindical, uma letra magnífica e uma música arrebatadora que enebriava a todos (qualquer dia desse divulgo a letra). Me lembra muito a cena do filme “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, em que o jovem Alex é torturado com música de Beethoven para deixar a delinqüência juvenil e torna-se a tal “laranja”. Nós, éramos forjados para a luta em nome de um ideal. A letra enfatizava que a terra “é sangue, que nos dá força para vencer” e coisas do gênero. Toda uma simbologia que foi sendo assimilada primeiro pelos líderes, depois por “lugares-tenentes”, de tal forma que a lavagem cerebral ganhava corpo...
Mas voltando à pré-história... Vieira, depois que sentiu o grupo da “Corrente Sindical” estruturado, trouxe uma discussão para o grupo que aqueles lavradores não conseguiam entender, inicialmente. Ele teria dito que era necessário juntar as forças do campo e da cidade se todos quisessem realmente um mundo de libertação. A “Corrente” deixava de ser apenas um grupo de lavradores para se tornar o quartel-general de um movimento maior.
Surge então Pedro Peloso. O irmão de frei Ranulfo, que já tinha ajudado em algumas tarefas durante a campanha de conquista do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Era um jovem audacioso, perspicaz e com uma grande capacidade de disciplina. Mostrou para Vieira maior desenvoltura que Ranulfo e Pastana, que como todo religioso, tinham certos bloqueios que a ideologia cristã lhes impunha. Vieira ficou impressionado, principalmente porque Pedro era mais pragmático e não levava desaforo pra casa. Talvez tenha visto nele uma espécie de clone seu, mais jovem. E foi assim que Pedro passou a ser a ponte do movimento rural com o embrião de uma organização mais urbana: ele foi entronizado na “Corrente Sindical” com status de “comandante”, passando a ser uma espécie de segunda pessoa de Vieira.
Mas isso não bastava. Era preciso formar novos grupos na cidade que fossem formadores de opinião, para disseminar a idéia nas periferias. Vieira acreditava que a tomada do poder nunca se daria com o movimento rural, afinal já havia a frustração das ligas camponesas, de Chico Julião, no nordeste. Pedro e Ranulfo foram incumbidos de formar um núcleo de formação de jovens de classe média, que seriam atraídos para uma proposta de “teatro engajado”. E aí que eu entro.
Mas o texto já está muito grande e o sono me impede de continuar. Em breve lanço a conclusão deste capítulo.
No primeiro capítulo eu já havia falado um pouco sobre o que eu chamo “pré-história” do PT em Santarém. O trabalho da igreja católica e a missão dos freis Pastana e Peloso, que fizeram a tal “opção pelos pobres”, lema da Teologia da Libertação. (Leia AQUI o capítulo anterior)
Mas o movimento inicial carecia de uma estratégia militar, que somente um treinado comunista preparado para implantar um movimento guerrilheiro poderia arquitetar. A primeira equipe da Fase (Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional), a ONG que começou a assessorar aquele grupo de trabalhadores rurais liderados por dois franciscanos, não tinha esse elemento e por isso a primeira investida para tomar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém (STR), foi frustrada. Isso ocorreu em 1977, e somente dois anos depois eles voltariam à carga, agora com um projeto mais bem acabado.
Foi quando a Fase enviou a segunda equipe, chefiada pelo intelectual pernambucano Antonio Vieira, misto de déspota e poeta. Um artista da palavra, das imagens. Um militar, nas ações. Posso afirmar categoricamente que SE VIEIRA NÃO TIVESSE VINDO A SANTARÉM, A HISTÓRIA DO MOVIMENTO SINDICAL E DO PT SERIA OUTRA! E desafio qualquer ex-companheiro (que possa estar lendo estas linhas com ódio de minhas revelações) a me provar o contrário!
A perspicácia e o poder de persuasão de Vieira beiravam a loucura. Perfeccionista ao máximo, detestava falhas e humilhava qualquer um que não atendesse suas ordens. Mas, descaradamente, no momento seguinte, com a candura de um menino, abrandava a voz e seduzia seu interlocutor, fazendo-o entender o porquê errou. Vi muitos companheiros suarem frio ao terem que relatar alguma tarefa para Vieira, com medo do esporro que viria. Eu mesmo tive uma experiência traumática com ele, que vou relatar em outro episódio.
Mas enfim, Vieira acreditava piamente que era preciso criar um novo foco revolucionário na Amazônia (inclusive armado) e em Santarém. Daí a necessidade de ocupar todos os espaços no movimento sindical e popular. Começaria-se pelo campo, onde já havia um foco de resistência. Criou-se então a tal “Corrente Sindical Lavradores Unidos”, com um cabedal de instrumentos de ideologização: cartilhas, cartazes, folderes e hinos, tudo produzido pela mente fértil do próprio Vieira.
Até hoje soa em minha cabeça o hino da Corrente Sindical, uma letra magnífica e uma música arrebatadora que enebriava a todos (qualquer dia desse divulgo a letra). Me lembra muito a cena do filme “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, em que o jovem Alex é torturado com música de Beethoven para deixar a delinqüência juvenil e torna-se a tal “laranja”. Nós, éramos forjados para a luta em nome de um ideal. A letra enfatizava que a terra “é sangue, que nos dá força para vencer” e coisas do gênero. Toda uma simbologia que foi sendo assimilada primeiro pelos líderes, depois por “lugares-tenentes”, de tal forma que a lavagem cerebral ganhava corpo...
Mas voltando à pré-história... Vieira, depois que sentiu o grupo da “Corrente Sindical” estruturado, trouxe uma discussão para o grupo que aqueles lavradores não conseguiam entender, inicialmente. Ele teria dito que era necessário juntar as forças do campo e da cidade se todos quisessem realmente um mundo de libertação. A “Corrente” deixava de ser apenas um grupo de lavradores para se tornar o quartel-general de um movimento maior.
Surge então Pedro Peloso. O irmão de frei Ranulfo, que já tinha ajudado em algumas tarefas durante a campanha de conquista do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Era um jovem audacioso, perspicaz e com uma grande capacidade de disciplina. Mostrou para Vieira maior desenvoltura que Ranulfo e Pastana, que como todo religioso, tinham certos bloqueios que a ideologia cristã lhes impunha. Vieira ficou impressionado, principalmente porque Pedro era mais pragmático e não levava desaforo pra casa. Talvez tenha visto nele uma espécie de clone seu, mais jovem. E foi assim que Pedro passou a ser a ponte do movimento rural com o embrião de uma organização mais urbana: ele foi entronizado na “Corrente Sindical” com status de “comandante”, passando a ser uma espécie de segunda pessoa de Vieira.
Mas isso não bastava. Era preciso formar novos grupos na cidade que fossem formadores de opinião, para disseminar a idéia nas periferias. Vieira acreditava que a tomada do poder nunca se daria com o movimento rural, afinal já havia a frustração das ligas camponesas, de Chico Julião, no nordeste. Pedro e Ranulfo foram incumbidos de formar um núcleo de formação de jovens de classe média, que seriam atraídos para uma proposta de “teatro engajado”. E aí que eu entro.
Mas o texto já está muito grande e o sono me impede de continuar. Em breve lanço a conclusão deste capítulo.
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