terça-feira, 19 de dezembro de 2006

A luta (inglória) contra o regime da dieta (*)

Tudo começou quando vi aquela teta de mamãe. Sorvi o leite como se fora o néctar dos deuses. Uma teta não me bastava. Secava as duas diariamente e muito cedo ela teve que me desmamar para não morrer de inanição! Caiu em si de que parira um pequeno glutão.
Vejo minhas fotos de menino e não acredito nessa história que me contam, afinal sempre pareci mais magérrimo do que gostaria de ser. É bem verdade que já trazia uma protuberância abdominal que fazia de meu perfil uma espécie de “chapéu em pé, com a aba enterrada no chão”. O famoso “menino do buchão”. Mas à medida que crescia, resolvi distribuir minhas gorduras horizontal e verticalmente, sempre à base de alimentação da “melhor” qualidade (hot-dogs, x-qualquer coisa, pizzas, doces, macarronadas, pão, pizzas, x-qualquertudo, chocolate, pizzas, pizzas e pizzas).
Enfim, todo tipo de quitute, acepipe, guloseima que surgia era devidamente devorado. O crescimento horizontal do meu ser não acompanhou o crescimento vertical. Hoje tenho o que se chama de uma quase obesidade mórbida. Nos exames com os médicos, sou logo detonado na entrada: “Quer morrer?”, pergunta o médico quando vê que meus triglicerídios estão mais altos que as ações da Petrobrás na bolsa.
Ainda tenho um coração que pulsa bem, mas tudo indica que os caminhos a ele vão ficando mais entupidos. Sei que não posso tomar refrigerantes. Mas antes de desistir deles, sento numa lanchonete e penso sobre o assunto sorvendo uma garrafa de 600 e um bom sanduba...
Tenho dito por aí que minha atitude não é tão irresponsável e sim, ecológica! Afinal, se um dia vou morrer, porque não alimentar minhas carnes e oferecer mais húmus à terra que me acolherá? Quem sabe um cientista, no futuro, acabe descobrindo uma nova fruta suculenta nascida de um pomar próximo de minha cova, com proteínas como nunca se viu? Reivindico desde já que se chame, cientificamente, de ninus suculentus, ou com o nome popular de Ninosola (tipo acerola, carambola, graviola...)!
Mas deixando de lado estas divagações narcísicas, que tentam esconder um problema de fato, escrevo na verdade este artigo porque o final do ano está aí, e como sempre, as tentações alimentares se multiplicam. Haja panetones, perus, chesters, lasanhas e muito refrigerante! E como sempre aquela promessa que nunca se cumpre: no primeiro dia do ano, começo uma rígida dieta! (Hahahaha!!) Essa é a maior mentira do mundo.
Tenho consciência (pesada) de que nada faço para diminuir meu apetite exacerbado. E quanto mais tenso fico, mais glutão me torno. Não que eu queira chegar a ser esbelto como uma sílfide. Mas perder uns quilinhos proporcionaria menos cobranças ou olhares indiscretos e preconceituosos dos ditadores da dieta. As duas últimas gerações seguiram o padrão de corpos esbeltos e sarados (muito embora, pouco desprovidos de cérebros...). Como comportar mais de 100 quilos em menos de 1,70 de altura? Entretanto, como abrir mão daquela lasanha ou do pão nosso de cada dia (com manteiga, queijo e presunto)?
O grande problema é quando se vai renovar o armário. Recentemente, durante uma viagem à Belém, resolvi investir comprando novas roupas. Entro na loja, e um sorridente vendedor me mostra os atalhos entre “araras” cheias de calças e camisas. Escolho aquele que eu gosto e aí vem a fatídica pergunta: “Qual o tamanho?” Falo baixinho, pra ninguém ouvir, mas o vendedor não entende. “Qual o tamanho, senhor?”. Repito envergonhado, já com outros clientes ao meu redor, esticando as orelhas para ouvir. O vendedor não compreende e suplica desesperado: “Fale mais alto, por favor, seu tamanho!”. Irritado e possesso dou um grito “EXTRAAAAA LAAAARGOOOO!” Momentos de tensão. O garotão ao lado, atônito, deixa cair aquela bermuda de surfista magricela, um senhor mais a frente pára de experimentar a calça de malha justa. Viro a cabeça e sinto como se estivesse num paredão. Todos tentam disfarçar uma gargalhada segurando a boca com a mão. O vendedor arrasado logo me despreza, apontando para a loja em frente onde se lê: “Temos tamanhos gigantes”.
Me recuso a comprar nestas lojas. Não quero acreditar que esteja tão balofo. Saio indignado e ao dobrar na esquina ouço um cacarejar explosivo de clientes ensandecidos. Naquele momento penso em criar um grupo terrorista para acabar com a ditadura da magreza. Seria uma ramificação da “Al Qaeda” (quem sabe a “Al Caída”, como minha barriga...). E eu seria a encarnação mais gorda do Osama bin Laden (ou melhor, Osama bem Larguem...).
Porque tanta discriminação aos gordos? Num ônibus, uma borboleta discriminatória que quando não prende a barriga, prende os glúteos. Sem contar que os assentos dos ônibus, tal qual dos aviões, é feito só para corpos de Gisele Bündchen e não para um “bunda cheia”...
A minha maior alegria é quando encontro algumas figuras conhecidas com uma pança dez vezes maior que a minha. Aí sinto que ainda sou um homem magro. Mas me solidarizo com os companheiros. Precisamos nos unir e criar o PORCO – Partido dos Obesos Radicais Contra a Opressão! Abaixo o regime e viva o gordo, como já dizia nosso MAIOR representante, JÔ Soares!
Não que eu queira continuar engordando, mas não precisa haver tanta discriminação com a nossa raça... Prometo que tentarei não engordar mais. Mas só depois das festas do fim de ano... Afinal, 2007 tem tudo pra ser um ano magérrimo, como o próprio número sete o é. Já em 2008, tudo pode ser bem mais redondo como os zeros e oito...
Feliz panetone e um próspero chester pra todo mundo!
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, edição regional do jornal Diário do Pará.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Cuidado, vem aí teu inimigo oculto!

(Desabafos natalinos)
“Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...”
Fim de ano é sempre uma festa! Parece que as agruras de um ano inteiro se dissipam, e de repente descobrimos que somos filhos de um mesmo pai e que ainda resta uma esperança para o mundo! De repente, o tal “espírito natalino” baixa em nós e deixamos de lado o “espírito de porco” que incorporamos por mais de 300 dias... “Feliz Natal e Próspero Ano Novo!” Mensagens se escancaram sem nada de subliminar, pois o que importa é a esperança. Até o último dia do ano, lutaremos para provar que no ano que vem tudo será diferente. Não importa que depois do Reveillon tudo volte ao normal...
“Esse ano quero paz no meu coração, quem quiser ter um amigo, que me dê a mão...”
As festas de fim de ano já começam pelas luzes na cidade. Os postes iluminados, as fachadas iluminadas, as árvores iluminadas. Fim de ano é a própria era do iluminismo! Tudo indica que, no final das contas, sempre há uma luz no fim do túnel (mesmo que a conta de luz fique mais cara). Não importa se seu time foi rebaixado no campeonato. Ano que vem ele será campeão da quinta divisão! Não importa se seu candidato não foi eleito. Os outros se incumbirão de cumprir as promessas que ficaram no meio do caminho. Não importa se seu salário não aumentou. Ano que vem ele aumenta ( o trabalho, também). Os antigos gregos já diziam: o que há de ser, será... Em meio a tantas esperanças, porque guardar rancor e escrever um artigo tão irônico?... Vamos, é Natal! É alegria! Pás, aos homens de boa vontade, para tirar esse entulho do nosso caminho!
“Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faz...”
E como esquecer das confraternizações? Ontem, com os colegas de trabalho. Troca de presentes. Amigo oculto, inimigo invisível, presente secreto. “Meu amigo é...” Abraços, sorrisos, revelações. “Ó que cueca bonita, obrigado!”
Hoje é a confraternização do grupo de amigos. Churrasco, cerveja, amigo secreto, inimigo oculto, presente invisível. “Minha amiga é...” Beijinhos, olhares, frustrações. “Ó, esse era o lenço que faltava na minha coleção!”.
Amanhã, confraternização com a família. Irmã secreta, primo invisível, tia inimiga, avô oculto, presentes, presentes. “O meu amigo é...” Abraços efusivos no primo que eu detesto. A tia gorda, que não vejo há anos, depois de me dar aquele mesmo par de meias do ano passado, ainda sussurra em meu ouvido: “Quando vai casar, garotão?” Sorriso amarelo. A vontade é de mostrar a aliança no dedo e a foto dos seis filhos na carteira, mas engulo mais uma empadinha e deixo pra lá.
“Oi, lembra de mim?” Puxa, como não lembrar da prima Vera! Ela agora está um Verão.... Mas logo um “armário” se aproxima de mim. “Esse é meu marido”, diz ela candidamente. Sinto o ar fugir dos pulmões com o abraço do monstro. “Aê, primão!” Sobrevivo e engulo mais Cola, pois preciso unir as costelas espatifadas...
“Filho, adivinha o que comprei pra você?”. Faço de conta que não sei que é uma gravata cor de abóbora, igual a tantas que me deu nos últimos oito anos e digo, ternamente, ao vovô: “Um io-iô”! “Maiô?”, pergunta ele. “IO-IÔ!”, grito eu já quase perdendo a paciência com sua surdez. “Seu bobo, não é um maiô! Isso é coisa de mulher! Comprei foi uma gravata para o seu trabalho!”, revela o velhinho rindo com a dentadura saltitante. “Adorei, vô!”, digo falsamente. “NUNCA IMAGINEI QUE GANHARIA ISSO DO SENHOR”, ironizo gritando em seu ouvido. “Não meu neto, não foi no PENHOR, foi aquele empréstimo consignado mesmo!”. Desisto. Escapo do bom velhinho com a gravata na mão prestes a me enforcar...
“Noite feliz, noite feliz”...
Me deparo mais uma vez com a clássica cena da família em torno da mesa, cantando uma daquelas músicas de Natal que todas as lojas usam para vender cuecas, lenços, meias e gravatas para os amigos secretos, ocultos e invisíveis. Lembro que houve época em que me emocionava com tudo isso. Eu era criança e aguardava a noite de Natal com muita ansiedade. Só que o “bom velhinho” nunca me atendeu totalmente. Se pedia uma Ferrari miniatura com controle remoto, ganhava um fusquinha movido à corda. No lugar da motoneta elétrica, um patinete. O Playstation virou uma caixa de Divertirama com 20 jogos diferentes.
Agora vejo este quadro que lembra a Última Ceia onde todo mundo bebe e sorri. Não consigo decifrar o Código de Da Vinci e nem a frustração por presentes que não ganhei. Mas algo me engasga e tenho vontade de vomitar. Será que eu sou o único que não consegue se contagiar com a falsa alegria de todos os anos?
Seja no trabalho, no grupo de amigos, na família, todo mundo segue o mesmo ritual que contagia a civilização ocidental há séculos: reverenciar o nascimento de um menino chamado Jesus e principalmente, idolatrar um velho ridículo vestido de vermelho carregando um saco do tamanho do mundo!
É verdade que não existe personagem mais fascinante de nossa história que esse tal de Jesus, mas infelizmente, acho que continuamos colocando-o na mesma cruz todos os anos. Fágner já dizia nos seus tempos de universitário: “Uma vez por ano no Natal eles compram meus lindos cabelos e pensam que me conhecem, mas só me entristecem”... Nos iludimos que uma simples festa e a troca de presentes (muitos deles comprados nas promoções “dos pegue-pagues do mundo”, como diria o velho Raul Seixas) nos aproximem de um deus que muitos de nós acredita existir...
“Hoje é um novo dia, de um novo tempo(...)”
Depois do Natal, a contagem regressiva por um novo ano. Virão mais 365 dias assistindo aos mesmos noticiários sobre violência e corrupção. Continuarei não falando com o vizinho da casa ao lado. Prometerei perder 30 quilos, mas não deixarei de me empanturrar de carboidratos e outras guloseimas. Serei afável com os clientes da firma, que eu gostaria de pendurar num poste. Acreditarei que a prefeitura tapará o buraco da minha rua. E chegarei ao final do ano pronto para mais uma rodada de amigos secretos/ocultos/invisíveis com os mesmos presentes de sempre... Poderei suspirar: “Eu era infeliz, e como sabia...”
Apesar das amarguras, só me resta desejar a todos um Feliz Ano Velho!...
(P.S.: quem ainda quiser me dar um presente invisível/secreto/oculto, só falta uma cueca azul, um lenço amarelo e uma meia vermelha em minha coleção. A gravata pode ser cor de abóbora mesmo...)
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, edição regional do jornal Diário do Pará.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

A incrível história do homem-chip (*)

Estou sem celular há quase um mês desde o primeiro assalto à mão armada que sofri. Como não estava em meu planos financeiros ter que comprar um novo celular e tendo outras prioridades, vou adiando esse investimento ad eternum. Essa situação tem me causado um certo constrangimento, afinal o domínio da tecnologia nos dias de hoje, mesmo para os padrões amazônicos, é avassaladora e não estar “conectado” com o mundo através de um mísero chip passa a ser um atestado de incompetência. “Como você pode ficar sem celular?” ou “Ainda não tens internet em casa?”, são algumas das cobranças que recebo diariamente de alguns colegas ao constatarem minha inapetência tecnológica.
Na verdade, eu mesmo sinto a falta do suporte tecnológico em minha vida nas 24 horas do dia, afinal desde que aprendi a lidar com o computador usando o antigo sistema operacional MS-DOS e o editor PC-COM (isso nos idos de 90) nunca mais fui o mesmo. Hoje em dia não percebo o passar das horas à frente de um monitor, seja para escrever um artigo como esse, seja para consultas no trabalho, seja para “flutuar” na internet.
Essa minha paixão tecno-edipiano-platônico-voyeurista me acompanha desde a mais tenra idade quando mantive um “tórrido romance” com Zenith, uma televisão de 21 polegadas que foi minha babá digital nos idos de 1970. Ela praticamente me alfabetizou ao introduzir-me no mundo encantado de programas infantis (na época, mais inteligentes) como Vila Sésamo e a primeira versão do Sítio do Pica-pau Amarelo. Zenith era uma mulata rechonchuda cheia de válvulas. Sei disso porque um dia, aos 10 anos, resolvi “consertá-la” sozinho. Só não sei porque depois que fechei a tampa, muitas válvulas sobraram e ela nunca mais quis funcionar... E nem porque levei uma homérica surra do meu pai depois disso!
Já nos meus primeiros anos de Santarém (a partir de 1978) ocorreu um importante hiato de tecnologia em minha vida. Foi quando aprendi a nadar no rio Tapajós, jogar bola no asfalto e praticar militância nos bairros da periferia. Parecia que existia um mundo além da tela da televisão que eu não conhecia em Belém. Aboli a tecnologia radicalmente. Foi dessa época minha decisão de jogar o velho Seiko-cebolão do braço (aprendi com um velho amigo comunista que “usar relógio é ser escravo das horas”).
Havia me divorciado da televisão, apesar de, de vez em quando, manter uma relação fugidia com a velha telinha. Mas como precisava “aprender um ofício” para trabalhar, fui parar na velha escolinha de datilografia da professora Joana D´arc e comecei a paquerar aquelas máquinas, que ficavam “cheias de dedos” comigo. Não fui um aluno aplicado, e o pior: meu primeiro emprego acabou sendo atrás de um balcão vendendo parafusos e andando de bicicleta para fazer cobranças, o que me levou a não treinar o pouco que havia aprendido. Hoje não passo de um “dedógrafo”.
Quando ingressei no jornalismo como repórter da Rádio Rural, em 1984, minha paixão com a tecnologia se renovava. Voltei a me relacionar com as máquinas, por dever de ofício. Me apaixonei por uma Olivetti Lettera 32, minha companheira diária. Isso, sem contar com todas as parafernálias do estúdio (microfones, gravadores e rádios, todas de marcas estrangeiras), além do inseparável comunicador BTP Motorola para os famosos flashes ao vivo. Voltava a respirar tecnologia!
Mas voltando ao relato inicial, creio que nestes tempos hodiernos (adoro dessa palavra) viver sem tecnologia parece um absurdo. Dia desses, assistindo um documentário no Discovery Channel, fiquei impressionado com o avanço da nanotecnologia e sua importância para o homem do futuro. A matéria mostrava experiências com cápsulas contendo um pequeno chip que, introduzidas no corpo humano por via oral, poderão facilitar uma verdadeira viagem no interior do corpo humano para rastreamento e cura de determinadas doenças, algo como o que já havia visto num antigo filme de ficção científica, “Viagem Fantástica” (de 1966, com Arthur Kennedy e com o remake mais pro lado da comédia, “Viagem Insólita” de 1987, com Dennis Quaid e Meg Ryan), onde um submarino miniaturizado penetrava na corrente sangüínea de um cientista com a missão de alcançar seu cérebro e dissolver um coágulo que ameaçava sua vida!
Fico imaginando que não deve demorar muito para que produções ficcionistas do cinema e da TV se tornem realidade. Quando garoto, era fissurado pelo “Homem de Seis Bilhões de Dólares”, uma série da TV sobre um astronauta que perdia partes de seu corpo numa viagem ao espaço, sendo estas substituídas por mecanismos que o tornaram um quase-andróide. Creio que essa idéia inspirou também, o famoso “Robocop, o policial do futuro” dos anos 1980.
Quem sabe eu poderia ser cobaia de uma experiência como essa? Imaginem a notícia dada por um destes tablóides sensacionalistas:
A incrível história do homem-chip.
Um jornalista depois de assaltado perde seu celular. Dias depois seu computador pifa e, desconectado do mundo não atualiza seu Blog, seu Orkut, seu Flog, nem tampouco lê ou recebe e-mails.! O homem passa a ser ridicularizado por todos, que o apedrejam com celulares quebrados, controles remotos com defeito e máquinas digitais já sem uso (“Joga bytes na Geni”, eles cantam). Humilhado, o homem vive ao relento, dormindo entre monitores queimados e teclados já sem uso. Alimenta-se de mouses e pilhas sem bateria. Vaga pelas ruas da cidade implorando uma esmola: - Um cartão telefônico, pelo amor de Deus!
Um revolucionário padre, dirigente da ONG Finda - Frente de Inclusão Digital da Amazônia, recruta o indigente e o leva a um laboratório onde será usado para uma experiência única: tornar-se o homem-chip para liderar o MST – Movimento dos Sem-Tecnologia!
No lugar dos olhos e da boca, uma webcam 350k pixels USB com microfone embutido; As orelhas viram potentes caixinhas de som 5.1, surround; os cabelos são mini-antenas; e no cérebro um potente chip de silício com capacidade para dezenas de Wektabytes de memória RAM! Com toda essa potência, ele passa a insuflar as massas e organizar assentamentos tecnológicos, invadindo estações de TV e provedores de internet. Celulares serão expropriados da burguesia. Televisores virarão reféns dos “indigitalizados”. O caos tecnológico será instalado e...
Voltando à realidade, tal qual o homem-peixe, o homem-chip ainda não existe. Mas quem sabe um dia se materialize? Até lá, terei que me contentar em ser apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no bolso, como diria o velho sábio Belchior.
Alguém me empresta um cartão telefônico, ai?
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Água!!!!


O jornalista Milton Corrêa (foto), o popular Miltinho, editor do programa Rota 5 (TV Ponta Negra) e colunista de O Impacto, parece que acordou enfesado com a falta d´água em nossa cidade e resolveu "soltar os cachorros" para cima da Cosanpa e da passividade do povo diante desta tragédia urbana que Santarém vive há 30 anos!
Como acadêmico do curso de Jornalismo do Iespes, Miltinho escreveu um artigo irado lá no blog da turma. Vale a pena conferir, clicando AQUI.
E se você quiser recordar o que eu já falei sobre o tema há um ano atrás aqui no blog, clique AQUI.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

O mestre do fogo e senhor dos quintais (*)

Há mudanças que vem para o bem, outras não. Mudar de casa pode significar não tão-somente mudar de ares, como também de hábitos. No meu caso, especificamente, cada mudança de endereço que tenho feito nos últimos 15 anos (desde que formei uma família) significou um alento de página virada. Há momentos em que para recordar um determinado fato basta associar à casa que morei à época do fato (“O filho caçula nasceu na Aldeia ou na Prainha?” e “Qual era a nossa casa quando a filha mais velha passou no vestibular?” ou ainda, “Onde assistimos aquele jogo em que o Roberto Carlos arrumou a meia e deixou o francês meter um gol?”).
Mas se existe uma coisa nesse negócio de mudar de endereço que é estressante, é a própria mudança. O dia da mudança: o caminhão velho, o colchão velho à amostra, o cachorro estressado que não pára de latir, o carregador que despenca com o guarda-roupa, o cachorro estressado correndo atrás do carregador, o motora querendo apressar a mudança para pegar outro carreto (e se possível, evitar que consigamos transportar tudo de uma vez), a filha que vê a caixa de esmaltes cair na calçada, aquela cueca que não devia ficar à mostra, o cachorro estressado mordendo o próprio dono, os vizinhos olhando o pandemônio, o carregador derrubando mais um armário, o fio do telefone que insiste em se enroscar no armário mal arrumado, o carregador cantando a empregada enquanto o fogão despenca da carroceria, o cachorro estressado correndo atrás do vizinho, o filho caçula deixando a caixa de cd’s se espalhar na rua, o carregador usando Neruda como suporte do armário mal encaixado, o cachorro fugindo para a rua vizinha com os filhos atrás...
Visão do inferno! A chegada ao novo endereço é sempre acompanhada por olhos atentos. Os novos vizinhos julgam quem chega pelo que desce do caminhão. Caixa de livros: será que ele é juiz, promotor advogado ou professor? E a mulher, será que vai bater papo com a gente sobre a novela das oito ou não colocará o nariz fora da porta? E os filhos? Serão anjinhos ou demônios? Cachorros? Seis? Não é possível! Será que eles têm muitos bens para guardar? Computador? Serão intelectuais, ou gostam só de sites pornô na internet? E o que é aquele colchão todo esfarrapado, gente?
Passado o susto inicial, alojam-se os móveis, arrumam-se os livros, o sofá, a televisão, uma pizza e o resto fica para amanhã... Primeiro fim de semana na casa nova é sempre a mesma coisa: rearrumar tudo quase do mesmo jeito que estava na casa anterior, apesar de nos sentirmos totalmente renovados com o novo espaço...
Na última mudança que fizemos, acerca de duas semanas, resolvi cooperar um pouco mais com a ordenação do espaço do que o normal. Tomei conta do quintal e ajudei os filhos a capinar e queimar o mato. Trabalho duríssimo para um pseudo intelectual sedentário que mal afasta o traseiro de um computador. Meu cotidiano é marcado pelo cansaço mental e pelo acúmulo de calorias pelo corpo mal ajambrado. Assim, capinar um quintal é uma tarefa parecida aos Doze Trabalhos de Hércules.
Primeiro, “penteio” o mato com um ancinho. Junto montes de folhas secas, carrego pedaços de madeira e formo monturos. O filho caçula acompanha. O mais velho, com terçado, explora a ala oriental do grande quintal derrubando touceiras de flores já mortas e seus espinhos vivos. Formigas-de-fogo disputam o mesmo espaço conosco. Nosso novo latifúndio nos faz sentir num ínfimo pedaço de floresta amazônica no coração urbano da cidade.
A tarde vai terminando. O monturo de restos de quintal já se avoluma no centro. Os meninos esperam a ordem do “senhor dos quintais” para tacar fogo. As labaredas logo surgem e o fascínio toma conta de nós. Esse artigo nasceu neste momento. Enquanto as chamas crepitavam e transformavam em cinzas o que ficou depositado no chão do quintal, nossos olhos se iluminavam e de repente, continuávamos aumentando o monturo, assim que ele baixava.
Sobre as cinzas mais folhas e gravetos, pedaços de madeiras. Novas chamas, faíscas, fumaça. O poder do fogo inebria. Os meninos se cansam da brincadeira, mas o menino que existe em mim não consegue parar. Freneticamente continuo alimentando aquele fogo que parecer surgir de dentro de mim.
O corpo cansado encontra forças para se arrastar por entre os mais de trinta metros de quintal em busca de gravetos e folhas. E se há algum matinho que ainda não viu ancinho, lá estou eu arrancando ervas daninhas, restos de troncos. Como se estivesse petrificado pelo poder do fogo, me recuso em deixá-lo apagar.
Me sinto o próprio “mestre do fogo”. Um Hades tupiniquim que não ouve quando a família chama para degustar mais uma pizza. A noite caiu, mas o fogo não. Se depender do “mestre do fogo e senhor dos quintais”, não!
Os olhos lacrimejam, os braços fatigados continuam a arrastar o ancinho. A pá já não levanta as folhas com o mesmo poder, mas o fogo continua impulsionando meu ser. Porque será que o fogo tem esse poder de arrancar de um pacífico cidadão a vontade de queimar pobres folhinhas mortas? Seria eu uma reencarnação de um inquisidor Torquemada, olhando aqueles hereges gravetos farfalharem ao contato combustível e tornarem-se cinzas que o leve vento carrega?
Nem me importo com os vizinhos, que já devem estar incomodados com os rolos de fumaça penetrando suas janelas. Boas vindas estas! Meu lado Nero não deixa folha sobre folha no quintal. Ao final, exausto, olho minha “obra”: um quintal limpo e preparado para receber meu seis cachorros!
À noite durmo e tenho pesadelos: gravetos ensandecidos com o rabo em chamas me perseguem. Vizinhos riem e ao invés de água jogam gasolina sobre mim. Escorrego no quintal e resvalo por um buraco que me leva ao formigueiro. Sou recebido por formigas-de-fogo que me aplaudem. Me sinto o novo senhor do fogo, estendo as mão e me jogam uma tocha que me queima!
Acordo em pé na cama com a lâmpada quente na mão. O cachorro late e avisa que é hora de voltar ao cartório. Já não sou senhor dos quintais. No máximo senhor da burocracia. Que vontade de tocar fogo naqueles malditos papéis...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Agradecimentos

Agradeço aos elogios e à solidariedade de todos que leram o artigo anterior.
Todos os comentários que recebi, seja no blog, seja por e-mail, estão na caixinha de comentários abaixo do texto, com os devidos agradecimentos. Vale a pena ler alguns... E quem quiser pode continuar comentando, que eu responderei lá mesmo...
Posso dizer que para um "ex-virgem" em assaltos, tive um bom acompanhamento psicológico...

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Reflexões de um neo-assaltado beijando o asfalto

Sempre me gabei de nunca ter sido assaltado em toda a minha vida, fosse no Brasil ou no exterior por onde andei. Na verdade sentia uma ponta de inveja dos colegas que me relatavam os assaltos sofridos e tentava esbanjar um ar de superioridade diante de minha “virgindade” no assunto. Isso acabou me fazendo sentir até discriminado em certas rodas e me levou a imaginar o que pensavam de mim os que já haviam passado por essa experiência (“você não é digno de conviver em nosso meio, seu... “desassaltado”!).

Por conta disso, vivia imaginando qual seria minha atitude diante de um assalto à mão armada. Daria uma de galã hollywoodiano e sairia dando sopapos no “meliante”? Dialogaria com ele e o convenceria a deixar sua vida marginal? Ou apenas me borraria de medo e suplicaria pela minha vida, tentando convencê-lo de que quatro bocas me esperavam famintas em casa? Toda minha dúvida existencial sobre o tema caiu por terra, literalmente, quando fui obrigado a deitar no chão por um assaltante armado na noite da última segunda-feira (06/11/06).

Como todas as noites, sai da faculdade onde estudo e me dirigi ao cyber-café (aliás, porque se chamam cyber-cafés se nem café têm para vender?) mais próximo para atualizar um de meus blogs na internet. Nesta noite, tinha a parceria de um dos colegas de turma, Joyciano Marinho, que como eu era também neófito na condição de assaltado. Após visitarmos o blog da nossa turma de jornalismo, descemos pela mesma rua escura que tantas vezes passei, em direção à minha casa. O papo acadêmico fluía entre abobrinhas da sala de aula e a divagação sobre os problemas do mundo. Eis que surge em nossa frente a realidade nua e crua, da qual só conhecíamos através de relatos ou de filmes.

O assaltante, um garoto de pouco mais de 20 anos, poderia ser meu filho ou irmão de Joyciano. Do alto de sua figura magérrima, o rompante de senhor de nossas vidas com uma arma na mão: “Mermão, vamu deitando no chão e passando a carteira se não passo bala!”. Estáticos, fomos aos poucos entendendo que acabávamos de entrar nas estatísticas de vítimas de assalto. Pensei comigo: vibro por não ser mais “diferente” dos meus colegas assaltados e abraço o ladrão por me proporcionar este momento ímpar ou simplesmente desmaio? Nem me lembrava das opções anteriores. Minhas pernas bambas não permitiam esboçar qualquer reação hollywoodiana. Mal consegui envergá-las para me ajoelhar. Mãos na cabeça, prostramo-nos no frio asfalto da rua deserta e mal iluminada. Literalmente, beijamos o asfalto. A sensação era narcotizante. As palavras do garoto, soltando impropérios soavam longe. Me lembrei de um dos únicos porres que tomei na vida quando adolescente: enquanto levava um pito, minha cabeça parecia os carrilhões de Nazaré no dia do Círio em Belém.

“Tira a camisa, mermão, mas num olha pra mim”, vociferava nosso algoz. Arrancamos as camisas pólo suadas e sujas de terra e jogamos em sua direção. “Camisa é melhor no mato”, filosofa nosso pivete ensandecido, antes de arremessá-las em direção ao muro que margeia a calçada maltratada, tomada por arbustos. “Cês também, pro mato e sem olhar pra mim”, sentencia nosso feitor da meia-noite. “Num sou daqui e tô fazendo uma “limpa” na área, mermão!”, explica ele.

Sentimo-nos io-iôs nas mãos do assaltante. Continuamos calmos, apesar de, passado o susto inicial, já alimentarmos um certo ódio e uma vontade louca de atacá-lo. Mas entre nós dois e ele há uma arma apontada, reinando soberana e doida para fumegar ao menor vacilo. Prostrados, agora no mato, ouvimos o garoto sofregamente buscando dinheiro nos porta-cédulas. Encontra dois míseros reais que eu ainda carregava no final da noite e os surrupia. De repente, encontra algo que lhe chama a atenção: um porta-documentos com brasão da República, usado geralmente por funcionários públicos da área de segurança. A cor vermelha do couro parece acender no assaltante o ódio de Aris, o Deus da Guerra na mitologia grega, ao gritar de forma sarcástica e meio tatibitate: “O que temos aqui? Um PM! Já “puxei” cadeia e tenho raiva de PM. Acho que hoje vou matar PM”. Pela primeira vez, sentindo o perigo rondando minha cabeça, falo com firmeza em direção ao assaltante dizendo que não sou da PM e sim funcionário da Justiça. Caio em mim, ao pensar que o dito cujo não deveria diferenciar um do outro. “Cala a boca! Eu atiro!”, grita ele.

Me calo com as mãos na cabeça. O sangue parece querer explodir minha cabeça antes da bala que acho estar a caminho. Tento pensar nos filhos que tenho, no livro que não escrevi e na árvore que ainda não plantei. Talvez seja tarde para todos os arrependimentos. Quão pequeno sou naquele momento! Minha vida pouco vale diante da sanha de um menino criado nas ruas, adotado por traficantes, marginal de uma sociedade hipócrita. De nada me adianta filosofar. A morte parece certa.
“Bora, mermão, pega as bolsa e joga os celular, rápido!” O assaltante me desperta, clemente, dando-me mais uma chance de viver minha miserável vida. Basta eu me livrar do pequeno aparelho que trago na bolsa e que para ele pode representar um alívio em forma de drogas a serem trocadas em qualquer boca-de-fumo das redondezas. Rapidamente tiro o celular e jogo, sem levantar a cabeça. Meu colega, renitente, acaba cedendo e também joga o seu. Não vejo o semblante de Joyciano mas imagino seu rosto, sempre compenetrado em sala de aula lendo Aristóteles ou Nietzche, fazendo um esforço para entender tudo aquilo. Antes de sermos abordados, me falava de projetos ambientais sustentáveis para melhor a vida dos nativos da região e evitar injustiças sociais.

Foram-se os celulares, ficaram os ouvidos e bocas. Um último recado de nosso verdugo ao tucupi: “Tô saindo, mas vou ficar de olho em vocês. Se levantarem a cabeça, ficam sem ela”. Poesia marginal?

Os minutos em que ficamos parados naquele mato, sem camisa e sem celulares, pareciam eternos. Nenhum de nós tinha coragem de olhar para cima. Talvez quiséssemos dormir ali mesmo e acordar achando que tudo não passou de um pesadelo. Levantamos e caminhamos como dois perdidos numa noite suja, rumo à Seccional de Polícia a um quilometro dali. Tentamos entender cada um dos segundos de agonia e o que poderíamos ter feito. Cada um de nós com um sentimento de ódio mesclado ao alívio de sentir a cabeça no lugar. Concluímos que não fazer nada, fez a diferença entre a vida e a morte.

Minha relação com o submundo do crime, até hoje, sempre foi de caráter profissional ou voluntário, seja como repórter policial no início de minha carreira jornalística, seja como escrivão judicial atualmente, acumulando com a função social de membro do Conselho da Comunidade. Nunca cara-à-cara, na condição de vítima. Antes visitava presos nas delegacias. Hoje percorro corredores da penitenciária de Cucurunã conversando com caras amontoados em celas fétidas que vêem em mim sua única esperança de contato com o mundo lá fora. Talvez esse menino já tenha estado numa dessas celas. Se não esteve, quem sabe um dia estará, e eu o ouvirei, tirando dúvidas sobre seu processo.

A noite continua. Outros assaltos ainda acontecerão. Gente há de morrer e sobreviver. Essa é a lei da selva capitalista. A nós, resta acreditar que nossa hora ainda não chegou...

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Em defesa de Odair

O empresario Olavo Neves comenta a nota anterior:
Amigo Ninos,
Tenho acompanhado com grande apreensão inúmeras cobranças disparadas ao atual Vice-Governador sobre seu posicionamento acerca da questão Estado do Tapajós.
Ora, creio que Odair já deu inúmeras provas de seu comprometimento com a causa, e cobrança deste assunto é contraproducente no momento, pois tal anseio de nossa região é rejeição certa na grande parte do Estado (pelo menos por enquanto!).
Precisamos aprender a trabalhar estrategicamente. Colocar o atual Vice-Governador em saia justa seguramente será extremamente danoso para sua imagem e conseqüentemente para nossa região; e como resultado o distanciamento ainda maior da realização de nosso grande sonho.
Lembremos que Odair é Vice-Governador do Estado e, como tal, seu compromisso é para com todo Pará.
Vamos ser inteligentes e negociar nossos interesses de forma adequada, pois acredito piamente no comprometimento de Odair com nossa Santarém e Região.
Já diz um provérbio chinês: - “Duas mãos devem estar mais ocupadas que uma língua”.
Forte Abraço!
Olavo das Neves
Comentario: concordo plenamente com Olavo e em nenhum momento pensei em colocar Odair em saia justa. Muito pelo contrario. Acho que ele tem muito a contribuir com a luta da posicao em que esta, sem precisar se expor demais. De qualquer forma obrigado por comentar, o blog ja estava com saudade de sua presenca...

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

O dia seguinte à democracia multicolorida que invadiu as ruas da cidade

A frieza dos números dos candidatos aliada à complexidade de siglas com letras que nada nos dizem, fazem do processo eleitoral brasileiro, há cada dois anos, um emaranhado de promessas com rostos que conhecemos de outros carnavais. O palanque eletrônico, das rádios e TV’s, nos apresenta homens produzidos a partir de idéias mirabolantes ou não, que tentam traçar um destino que sequer temos certeza se queremos para a nossa cidade ou nosso país.
Este ano, mais uma vez enfrentamos este processo que começa sempre um pouco antes das férias de julho, em convenções partidárias onde inimigos de ontem podem ser aliados de amanhã e vice-versa, desembocando no dia da eleição que em alguns casos tem até repeteco (o tal do 2° turno), como ocorreu domingo em todo o Brasil na eleição presidencial e em especial nos 10 estados (incluído o Pará) que escolheram governadores.
A democracia é necessária e está além dos palanques. Nasce nas ruas, onde a liberdade de expressão é multicor. Militantes pagos ou não, tentam nos convencer com a fusão de cores entre amarelo, vermelho e outras predominantes das ideologias existentes, que cada proposta é melhor que a outra. Mas o que importa mesmo é o dia seguinte à apuração das urnas.
Fiz um perípatos pela cidade antes e depois da apuração no domingo. Reencontrei velhos amigos conduzindo bandeiras nunca dantes levantadas e outros que ainda agarram-se às mesmas idéias de todo o sempre. A razão é pura emoção e não importa a cor das ideologias. Não importam os vencedores ou os supostos derrotados porque – abusando do lugar-comum – todos são vitoriosos.
Às cores partidárias juntam-se os números das pesquisas, os comentários de quem tenta entender tudo, os resultados que podem até surpreender. O sorriso e o desespero da militância são coloridos.
Deixando de lado a divagação em prosa poética, falemos dos resultados concretos: o vermelho do PT se sobrepôs ao amarelo do PSDB que já vinha se desbotando ao longo dos últimos 12 anos no Pará, mesma situação já verificada em nível nacional e municipal em eleições anteriores. Esse novo predomínio “encarnado” cria uma sensação favorável ao futuro de Santarém, algo que já vem sendo chamado de “alinhamento cósmico de estrelas petistas”, no caso, o presidente reeleito Luis Inácio Lula da Silva, a governadora eleita Ana Júlia Carepa e a prefeita de Santarém Maria do Carmo que tenta se livrar de um mórbido ocaso.
Além de Ana Júlia no governo estadual, Santarém e a região Oeste do Pará terão um legítimo representante ao lado do gabinete da governadora, seu vice, o santareno Odair Corrêa. Sua eleição é ainda mais emblemática por conta do que ele representou em todos estes anos, participando da organização de um dos vários comitês surgidos por aqui para discutir o projeto de emancipação política da região, com a criação do tão sonhado Estado do Tapajós. Mas que ninguém se iluda que esse discurso permeie os atos de Odair após a posse. Ao jurar sob a Constituição do Pará ele e a governadora (como qualquer um que se eleja a esse cargo), assumem o compromisso pela indissolubilidade do Estado do Pará.
A verdadeira contribuição dos dois será impedir que as políticas do Estado se concentrem apenas na capital como nos governos anteriores, deixando que as regiões culturalmente distintas entre si tenham a possibilidade de discutir o processo de redivisão ou reorganização das unidades federativas da Amazônia, iniciado ainda no Brasil-Império quando a grande Província do Grão Pará e Maranhão transformou-se em pelo menos três Estados: Amazonas, Pará e Maranhão.
A tarefa de mobilização em torno desta idéia ficará por conta dos deputados eleitos ainda no primeiro turno, que só no Oeste do Pará representam quase 25% da Assembléia Legislativa. Mas será que esta união ainda é possível diante do resultado desta eleição? As “bancadas separatistas” do Oeste e do Sul do Pará serão hegemônicas ou as cores partidárias voltarão a influenciar essa ideologia capenga?
O fato é que as cores nem sempre formam um belo arco-íris, que aliás sempre foi o sinal de que depois da tempestade vem a bonança.
É bom lembrar que logo após as eleições, onde a democracia multicolorida fez a festa, chegam dias que representam o lado negro da força: além da festa das bruxas (o Halloween da cultura ianque), nesta semana os dias de reflexão envolvem a lembrança dos mortos, o Dia de Finados, um feriado para homenagens póstumas que envolve nuvens sombrias a serem dissipadas...
Ou não...
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Esse texto deveria estar na edição de terça-feira (31/10) no Diário do Tapajós, mas por problemas técnicos no envio à Belém, a edição não circulou. Hoje, novamente ocorreu o mesmo problema e a edição também não circulou. Divulgo o texto aqui, para que não fique tão defasado. A coluna Perípatos que escrevo no jornal, volta terça-feira com outro tema.
Neste feriadão de Finados (02/11), estarei participando à partir das 08h00 da manhã do programa Mesa Redonda, da 94 FM, comandado pelo jornalista Sampaio Brelaz, que terá como tema o resultado do 2º turno das eleições. Além de mim, estarão presentes mais quatro convidados. O programa pode ser acompanhado pela internet, no site http://notapajos.globo.com/ através do link 94 FM ao vivo.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Em busca da “terapia do caos” (*)

Fazia algum tempo que eu não andava pelo centro da cidade num início de semana. Aproveitei, ontem, o ponto facultativo determinado pelo Tribunal de Justiça do Estado (do qual sou funcionário) à todas as comarcas do Pará, em razão do “Recírio de Nazaré” que tradicionalmente se realiza em Belém, e dei umas voltas a pé pela área central da cidade entre o velho Mercado Modelo e a praça São Sebastião.
Quase sempre quando ocorrem essas folgas inusitadas, aproveito para organizar processos em meu cartório ou arrumar minha casa. Na melhor das hipóteses, durmo até mais tarde e depois curto TV e Internet até voltar ao batente.
No cartório, minha rotina é viver arrumando pilhas de processos, relendo as histórias dos crimes e capitulação penal. Tento botar em ordem centenas de pastas de documentos, carimbos e relatórios. Da mesma forma, nos computadores (do trabalho e de casa) organizo milhares de textos, imagens, músicas e vídeos em pastas padronizadas. Em casa, na medida do possível, arrumo o que há muito está armazenado em caixas de minha “papeloteca” (um quarto com quinquilharias, livros, jornais, revistas e textos diversos, inclusive artigos e poesias que escrevi e que acumulo desde a adolescência!).
Apesar de detestar a burocracia – que é parte do meu cotidiano num cartório criminal – adoro colecionar papéis em suas mais variadas formas, de folderes publicitários à coleção de santinhos de candidatos (!), de jornais carcomidos pelo tempo a fotos desbotadas pela umidade. Minha mulher vive ameaçando tocar fogo em tudo, mas sabe que eu queimaria junto e acaba desistindo...
Esse cotidiano ainda não é perfeitamente arrumado, mas segue um padrão mínimo de organização. Só que a busca do perfeccionismo metódico deixa seqüelas na minha cabeça e de repente começo a me sentir um tanto “robótico”. As idéias fluem e vou tentando armazená-las na cabeça como se abrisse pastas e arquivos. As lembranças de fatos de um passado distante ou recente são acondicionados em uma memória virtual de neurônios, à espera de transformarem-se em textos que “imprimo” com primeira caneta que encontrar numa folha qualquer, isso quando não tenho um computador à minha frente.
Mas ontem resolvi sair em busca do que eu chamo de “terapia do caos”, ou seja, ver de perto a bagunça que impera no centro da cidade e respirar um pouco da confusão para contrabalançar o equilíbrio e a serenidade que tenho buscado freneticamente. Uma espécie de relax às avessas.
Fazer esse perípatos pelo nosso centro ainda não chega a ser perigoso como andar na área central de Belém, mais caótica que a nossa. Mesmo assim, em pouco mais de três horas tenho que driblar o trânsito na Rui Barbosa onde os ônibus e os moto-táxis disputam o mesmo espaço com pedestres; atravessar os corredores de redes estendidas e bolsas falsificadas do que um dia se chamou “Complexo Arquitetônico da Conceição”, que abrange as praças Monsenhor José Gregório (Matriz), da Bandeira (sem bandeira), do Relógio (sem relógio) e Bettendorf (ou será Paulo Rodrigues?), tudo isso transformado num verdadeiro camelódromo onde se compra de bijuteria (despu)dourada a aparelhos de DVD “made in Taiwan”; me acotovelar com pessoas apressadas, ser abordado por hippies e seus ornamentos ou enfrentar filas de uma lotérica onde todo mundo acalenta o mesmo sonho: ficar milionário e comprar uma ilha só pra si; ou ainda, massacrar os ouvidos com a propaganda volante ensurdecedora, que vende de tecidos a candidatos ao Governo ou conviver com a barulheira das caixas de som de igrejas evangélicas que disputam fiéis na Rui Barbosa (o Cineramma sucumbiu e acabou virando um templo!) ou os vendedores da Lameira Bittencourt, nossa rua central do comércio equivalente à João Alfredo da capital, que tentam nos arrastar aos berros para dentro de suas lojas.
É aí que me deparo com outra visão caótica, mas que tem um objetivo diferente: a rua central do comércio está tomada de tapumes e homens trabalhando freneticamente com marretas para quebrar o piso. É a obra municipal, menina dos olhos da prefeitura e dos comerciantes, que é tocada com vigor em meio a uma campanha política e às vésperas das festas de fim-de ano. Já vi a maquete do projeto chamado pela atual administração de Belocentro e se tudo for feito como está previsto, pode ser o começo do fim do caos. Perco minha “terapia”, mas ganho uma cidade mais decente.
O projeto é uma obra simples que qualquer administrador sério já deveria ter realizado. Mas, antes tarde do que nunca. Só que é preciso que se ressalte que não basta embelezar a rua principal do comércio, que do jeito que está lembra mais os corredores do mercado de Istambul (Turquia) em que já andei há 15 anos, onde comprar é quase um suplício. É preciso que o Belocentro se estenda até à Rui Barbosa, que se continuar do jeito que está pode vir a ser um clone da avenida Presidente Vargas, de Belém, um gargalo de gente e ferro fundido que mais parece a visão do inferno de Dante!
E não serão somente obras como a do Belocentro que poderão diminuir a sensação de caos que se vive em nossa área central. É preciso que seja implementada uma política de segurança constante, com um pouco de disciplina controlada pelos agentes de trânsito e da tão sonhada Guarda Municipal que até hoje não saiu do papel para organizar nossos logradouros públicos. Quem sabe após o conturbado Plano Diretor, possa-se vislumbrar tais mudanças.
Uma cidade como Santarém, que pretende ser capital, deveria começar mostrando que sua área central pode ser menos caótica e mais humana. Enquanto isso não acontece, vou de vez em quando por lá, nos próximos pontos facultativos, fazer minha “terapia do caos”. Mas, sinceramente, preferiria não ter essa opção...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada em 24.10.2006, no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Dez anos sem Kauré, um ano com Kauré (*)

11 de outubro de 2006, quarta-feira, véspera do feriado de Aparecida e do Dia das Crianças.
Um grupo de amigos se reúne em torno de algumas garrafas e pratos com doces, para comemorar a criança que há dentro de nós. Um misto de alegria e tristeza paira no ar, pois naquele momento rememoramos os 10 anos da perda de um artista local e grande amigo, ao mesmo tempo que concluímos o primeiro ano do ciclo cultural surgido em nome dessa lembrança.
Kauré é mais que uma lenda indígena amazônida em torno de um pássaro, também conhecido como Coleirinha ou Tem-tenzinho, que é considerado um símbolo de fortuna e felicidade doméstica representada por pedaços de seu ninho, transformado em talismã. Kauré, para aquele grupo de amigos reunidos há uma semana numa casa da Aldeia, é como uma fênix cultural que ressurge das cinzas de um passado recente e tenta se firmar como alternativa para arte e a cultura.
Kauré é um velho amigo que se foi há 10 anos depois de ser acometido de um câncer nas vias nasais e lutar desesperadamente pela vida. Era Manuel Maria Duarte, o popular Kauré, jovem ator que não pôde concluir alguns de seus sonhos, entre eles terminar o Curso de Ciências Sociais na UFPa. Fã de Renato Russo, coincidentemente morreu no mesmo dia do astro pop, este levado pela AIDS.
Dois anos depois daquela tragédia para muitos atores que acompanharam a trajetória de Kauré, um dos fundadores da ATAS – Associação do Teatro Amador de Santarém, o grupo de amigos a que me referi no início resolveu montar um novo grupo de teatro em Santarém. Alenilson Ribeiro, pedagogo, Márcia Corrêa, bancária, e as irmãs Nira e Nilce Pires, coreógrafa e atriz respectivamente, remanescentes que eram do já extinto Gruteja (Grupo de Teatro José de Anchieta), fundaram em 1998 o Grupo Teatral Kauré (GTK), em homenagem àquele velho amigo.
Minha relação com o grupo e com Kauré sempre foi próxima, ao ponto de me unir a eles no ano passado e decidirmos juntos dar um novo passo cultural: transformar o grupo de teatro amador em Instituto Cultural.
A fundação oficial, com votação de estatuto e eleição de diretoria, aconteceu num espaço mágico: o Centro Cultural João Fona, cedido pelo artista plástico e diretor da casa, Laurimar Leal, que também se filiou ao grupo como um dos fundadores. A solenidade, que teve como mestre de cerimônia e membro fundador do grupo o professor Anselmo Colares, foi presidida pelo também amigo do grupo, Roberto Vinholte (então coordenador municipal de cultura). Ele empossou a diretoria e anunciou os artistas que apresentaram shows em homenagem ao novo grupo cultural, entre estes os músicos João Otaviano Matos Neto e Zé Azevedo, nosso menestrel nordestino.
Das lembranças do menino Kauré, surgiu uma ONG cultural que comemorou, na mesma data de sua morte, o primeiro ano de vida, e que ainda engatinha tentando vencer barreiras burocráticas e financeiras para sobreviver. O nome do grupo é quilométrico e pomposo: Instituto Kauré de Pesquisa e Promoção do Patrimônio Artístico-Cultural da Amazônia (INKA), que se propõem investir nas 7 Artes Clássicas, através de projetos sociais de inclusão entre populações carentes.
Mas de onde surgiu esse apelido, que transformou-se no nosso talismã? Contam as pessoas que se relacionavam com a família de Kauré, que quando menino ele insistia em andar com um velho pipo de borracha na boca. Não havia quem conseguisse arrancar-lhe aquele passatempo. Dizem que se jogassem o pipo na rua ele ia buscar e botava na boca de novo. Aí, a velha sabedoria cabocla voltou a funcionar. A avó resolveu dar sumiço do pipo e para que este não abrisse o berreiro, dizia ao infante: “Foi Kauré que levou teu pipo, meu filho”. Sem entender o que vinha ser o tal Kauré, o menino, meio assustado, foi se conformando e acabou adotando o nome daquela entidade amazônica que levou seu passatempo favorito.
Essa história me lembra muito o enredo do melhor filme de todos os tempos (segundo os maiores experts do cinema mundial): Cidadão Kane. Lá, ao invés do pipo, o magnata constrói um império das comunicações e morre praticamente sozinho (depois de tornar-se um tirano), pronunciando uma palavra que ninguém consegue associar à nada em sua vida: Botão de Rosa (Rosebud, em inglês). Ao final fica-se sabendo que era o nome escrito numa prancha de snowboard (para esquiar na neve), que ele segurava quando foi separado da mãe e começou uma nova vida.
Mas voltando à nossa realidade, a equipe que hoje forma o Instituto Kauré (além dos já citados), conta ainda com alguns jovens do bairro da Aldeia e prepara um projeto baseado em oficinas artísticas a serem ministradas em bairros da periferia, onde se quer levar, aos poucos, o primeiro contato com jovens adolescentes com as chamadas 7 Artes Clássicas (Música, Poesia, Dança, Escultura, Pintura, Teatro e Cinema).
Na festa do 1º aniversário, além de lembrar do patrono do grupo, homenageamos um dos atores de teatro amador mais experientes de Santarém, e que atualmente se integrou ao nosso grupo: Ernandes Nascimento, que completou em 2006 25 anos de plena atividade nos diversos grupos teatrais do bairro da Aldeia. Ernandes foi contemplado com o diploma Amigo do Kauré, uma singela homenagem do Instituto Kauré que será entregue anualmente a personalidades culturais de nossa cidade, pelos serviços prestados à cultura e às nossas atividades. No encontro, decidimos também homenagear com o mesmo diploma o ex-coordenador de cultura Roberto Vinholte, o padre Boeing, que deixou a paróquia de São Raimundo e hoje trabalha em Alenquer (membro e advogado do Instituto) e o artista plástico Laurimar Leal. Os diplomas serão entregues aos homenageados pessoalmente pelo presidente do INKA Alenilson Ribeiro, sem nenhuma solenidade de pompa e apenas com o nosso reconhecimento público.
Podemos afirmar, sem dúvida, que em todos os encontros já realizados (e os que ainda virão), vemos sempre aquele menino do pipo andando entre nós, com o mesmo olhar e sorriso marotos e aquelas tiradas que faziam todos morrer de rir, principalmente quando afirmava de forma bandalha em alusão ao seu nome de batismo: “Minha arte tem dois sexos – uns dias sou Manuel, em outros sou Maria”.
Kauré, a estrela que brilha em nosso palco.
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(*) Artigo inserido (17.10) em minha coluna semanal Perípatos, publicada no Diário do Tapajós, suplemento regional do Diário do Pará.

Coragem ultramarina

Meu maltratado Blog, fica tão desolado por eu não conseguir atualizá-lo com mais freqüência. Mesmo assim, tenho alguns abnegados leitores, que insistem em visitar este espaço, aguardando o momento em que conseguirei me impor um pouco de disciplina e dedicar algum tempo a este pequeno espaço virtual de política e cultura.
Em pouco mais de 18 meses no ar, cerca de 7.800 acessos foram registrados e sei que há momentos em que estes acessos aumentam, quando atualizo e informo aos amigos por e-mail que tem novidades no blog. Como já disse outra vez, paciência. Um dia chego lá...
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E pra minha surpresa, recebi há alguns dias um comentário numa das caixinhas virtuais deste blog, da poetisa (ou poeta?) portuguesa, que conheci no Blog do Jeso. Publico o e-mail completo, um desabafo acompanhado de poesia:
Bom dia, Jota
Queria fazer aqui um comentário, sobre as manobras da Midia... Jeso no seu blog publicou parte apenas de um poema meu.... Terá sido manobra de Midia??? Aqui o envio na integra.
A Coragem de ser o primeiro...
Besouro/Carocha
Carapaça Tem
Em tocha
E lume também
Primeiro Bem
Junto sentado
No desconhecido Além
Coragem
De Ser o Primeiro
Neste Veleiro
Que não é de ninguém
Deixa a ilusão muito aquém
Mas diz a razão: Quem quer esta emoção perder?
Só o Primeiro
Com vontade de vencer
O livro da ilusão
Implementado no nosso viver.
Momentos não têm
Saber também não
Vivem na ilusão
Sem nada aprender
Tocar não pode
Mexer também não
Olhar? Nem ver !
Castigo!!!
Não fez o que eu queria não!....
Eis o refrão
Da constante
Canção
sem perdão.
Do tradicional viver
Desta Nação.
Café/carioca limão?
Não pode não!!!
Castigo sem perdão.
Vou ser o primeiro??
Acho que não...
Laranja/lima
Petisco que não rima
Cada um sem emoção
Que a Lua não pode
Querer o Luar não!
Chora que disco
Não H-ouve não!
É que essa menina
Sem Paz
È“Vitrola arranhada
Que não existe mais
E toca a canção
Mais animada
Desta Nação !!!!...”
A laranja veio
De terno coração
Não existe primeiro
Que queira acabar
Vossa ilusão!
CORAGEM
Vou ser o Primeiro!
Hum.....
Acho que não vou ser não....
JHelena Morujão
11/10/2006
Comentário: bonita poesia da Helena. Conheci um pedaço dela no Blog do Jeso. Perguntei a ele o que houve para o verso não sair inteiro e ter essa reação de Helena, e ele me disse que foi um mal entendido e que estaria se desculpando com ela. De qualquer forma, obrigado Helena "Lenny" Morujão pela poesia. CORAGEM!

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Comentários sobre o Fator HP

O artigo que escrevi um dia antes da eleições sobre os possíveis resultados já influindo no próximo pleito municipal, ganharam repercussão fora do blog e acabaram sendo reverberadas nos debates em que participei, quando analisei os resultados pela Rádio Rural, TV Tapajós e pela 94 FM.
Destaco e-mail recebido do advogado Deodoro Tavares, ex-lider local do PT, parabenizando-me pelo artigo e também do sociólogo Tibério Aloggio, na caixa de comentário do artigo.
Como o artigo foi linkado no Blog do Jeso, foi de lá que recebia melhor provocação de um leitor chamado Cyber Cidadão. A resposta só dei hoje, é pode ser lida lá mesmo.

Um ano de andanças jornalísticas e passeios filosóficos (*)

Volto a escrever nesta coluna depois de três semanas de afastamento, por motivos alheios à minha vontade, e me deparo com o meu calendário pessoal denunciando: já faz um ano que escrevo esta coluna!
O Perípatos estreou neste encarte do Diário do Tapajós no dia 03.10.2005, na primeira semana depois que deixei a editoria do jornal, assumida pela equipe da Agência Pódium, comandada pelo colega jornalista José Ibanês. Meus afazeres como Escrivão Judicial no Fórum de Santarém, tornavam meu tempo incompatível com a edição de um jornal, ainda que bi-semanal. Mas para não perder meu elo de ligação com o que mais gosto de fazer, me propus continuar vinculado ao jornal como colunista.
De lá para cá foram cerca de 50 artigos, sobre os mais diversos assuntos. Alguns mais lúdicos outros mais lógicos. Fui até cobrado por alguns assíduos leitores de manter um estilo menos formal. Espero poder retomar, a partir da próxima semana, o objetivo a que me propus no artigo de estréia, que seria a de “filosofar caminhando”, anotando o que vejo nesta cidade e abrindo para o debate.
Todos os artigos aqui publicados, foram inseridos em meu blog na internet, onde a troca de idéias tem se dado de forma mais instantânea. Repito abaixo o texto de estréia e depois comento:
“Um novo passeio filosófico
Começo aqui e agora um novo caminho jornalístico, nesta coluna de nome esquisito. Pra quem me conhece ou estudou um pouco de filosofia grega, deve saber que a palavra é de origem grega, como eu.
Ao retornar da Grécia, onde vivi entre 1988/1991, imaginei trilhar novos caminhos baseados nos ensinamentos filosóficos de meus ancestrais gregos, principalmente Aristóteles de quem me tornei fã. Estudei na universidade que leva seu nome, em Salônica, visitei as ruínas do castelo onde Alexandre, o grande, recebeu seus ensinamentos e sempre que ia para Atenas, não deixava de visitar a ladeira norte da Acrópolis, onde podia andar no antigo perípatos, o caminho coberto que fazia parte do Liceu, ginásio dedicado a Apolo Lykeios no qual o filósofo teria começado a ensinar sua doutrina.
Segundo consta nos apontamentos históricos, as aulas e discussões ocorriam naquele passeio coberto (em grego, perípatos), surgindo assim a filosofia peripatética de Aristóteles, baseada no diálogo com seus discípulos, enquanto caminhavam.
Aristóteles premiava o diálogo e a divulgação do conhecimento para a consecução do saber, ou seja, tudo que saía dos debates nas longas caminhadas era transformado em algo escrito. A leitura de outras obras embasava suas teorias, deixando de lado o empirismo de outros sábios, como Platão, seu mentor.
Vai daí a idéia que eu tinha em escrever sobre esta cidade, a partir de caminhadas, filosofando sobre esta “pérola abandonada”, meu Olimpo de observações. Não que eu possa chegar aos pés de um Aristóteles! Nem é essa a intenção. Na verdade, através do que eu possa escrever, seja feita uma homenagem ao método empregado pelo grande mestre.
Como não tenho um veículo próprio há muito tempo e precisava caminhar para queimar “algumas gordurinhas”, me propus a conhecer a cidade de ponta-a-ponta vendo os detalhes bons ou maus e fazendo juízo de valor. Sem discípulos, encontro as pessoas que me contam estórias e me dão opiniões. Elas não buscam um sábio, mas querem um porta-voz jornalista para suas ansiedades.
No meu perípatos do dia-a-dia encontrei o primeiro percalço: as calçadas de Santarém. Como andar numa cidade cujas calçadas são extensão das casas e cada pessoa a molda à sua imagem e semelhança? Cheguei a pelo menos uma conclusão: se a filosofia ocidental, predominantemente marcada pelos ensinamentos aristotélicos, dependesse do “perípatos da pérola”, já teria se acabado num tropeção... Triste vida de um filósofo dos trópicos...
Mas continuarei por aqui, no Diário do Tapajós, andando neste perípatos, ou melhor, driblando todos os empecilhos que possa imaginar nossa vã filosofia..”
Este Perípatos é feito de alma, na mais pura essência aristotélica.
Na definição aristotélica, a alma é todo princípio vital de qualquer organismo. No homem é também a força da Razão. É imortal, puro pensamento, inviolado pela realidade. É independente da memória. A alma é, portanto, enteléquia (“essência da alma”, em grego) primeira de um corpo natural e orgânico. A alma intelectiva, diz Aristóteles, parece ser uma espécie diferente de alma. Para melhor definir a alma, ele a dividiu em três tipos: alma vegetativa, alma sensitiva e a alma racional. A alma racional seria exclusiva do homem, a sensitiva, pertenceria também aos animais, e a vegetativa, comum a todos os seres vivos.
A criação nasce do impulso criativo e da ânsia pela expressão emocional. A arte imita a vida. O prazer intelectual é o bem maior que podemos alcançar.
Em sua Ética, Aristóteles pergunta: como o homem deve viver, do que precisa para uma boa vida? Qual é o seu bem supremo? A resposta é: a felicidade (eudaimonia). Ele cita três formas em que se crê no alcance da felicidade: uma vida de prazeres ou gozos, uma vida com honra, ou política, e uma vida como filósofo. Aristóteles descarta a honra como felicidade, pois esta não é uma coisa interior, mas sim uma coisa que é conferida à pessoa por terceiros. Toda ação tende para um fim. Temos virtude porque agimos corretamente. Nada deve ser em falta ou em excesso, tudo no meio termo, ou moderadamente. A amizade é um auxílio à felicidade, que só encontramos pura em nós e do conhecimento da nossa alma. Aristóteles fala do homem ideal, que não se preocupa em demasiado, mas dá a vida nas grandes crises. Não tem maldade, não gosta de falar, enfim é pouco vaidoso.
Na Ética a Nicômaco, Aristóteles fornece a seguinte relação de vicio e de virtude:
1) a mansidão é o ponto médio entre a iracúndia (irritação) e a impassibilidade;
2) a coragem é o ponto médio entre a temeridade e a covardia;
3) a verecúndia (vergonha) é o ponto médio entre a imprudência e a timidez;
4) a temperança é o ponto médio entre a intemperança e a insensibilidade;
5) a indignação é o ponto médio entre a inveja e o excesso oposto que não tem nome;
6) a justiça é o ponto médio entre o ganho e a perda;
7) a liberalidade é o ponto médio entre a prodigalidade e a avareza;
8) a veracidade é o ponto médio entre a pretensão e o auto-desprezo;
9) a amabilidade é o ponto médio entre a hostilidade e a adulação;
10) a seriedade é o ponto médio entre a complacência e a soberba;
11) a magnanimidade é o ponto médio entre a vaidade e a estreiteza da alma;
12) a magnificência é o ponto médio entre a suntuosidade e a mesquinharia.
Nessas ações, a virtude ética é a justa medida que a razão impõe a sentimentos, ações ou atitudes, que sem o devido controle, tendem para o excesso. A justiça é considerada por Aristóteles como a virtude ética mais importante.
Perípatos é tudo isso...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada na edição de hoje do Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

sábado, 30 de setembro de 2006

O fator HP e as eleições 2008

Quase um mês depois da últimas postagem, insiro neste blog, um artigo sobre eleições, um dia antes dos santarenos irem às urnas, com uma reflexão sobre o impacto dos resultados das urnas na correlação das forças políticas locais:


Como a economia, a política em Santarém tem vivido de ciclos nos últimos 20 anos, desde a retomada da democracia com o voto popular, quando os prefeitos voltaram a ser eleitos diretamente nas urnas. A alternância no Poder Municipal tem se dado através do confronto de grupos que consolidam uma trajetória baseada em figuras políticas carismáticas, quase sempre com um viés centralizador com todos os “ismos” nos píncaros (assistencialismo, nepotismo, populismo...).
Nada diferente de outros municípios ou mesmo de capitais, mas aqui, a mesmice é obstinada e a frustração é quase certa. A esperança acaba ficando adiada para o próximo ciclo.
No final do período em que Santarém foi Área de Segurança Nacional (1969/1984), começava o primeiro ciclo político de alternâncias no poder municipal entre dois líderes com essas características: de um lado Ronan Liberal, do outro Ronaldo Campos. O primeiro vinculado ao Regime Militar, o segundo à oposição de centro (com apoio de setores da esquerda). Foi o que eu costumo chamar de “Fase Ron-Ron”, que começou com o antagonismo entre os dois políticos e culminou com a união de forças para sobreviver contra novos grupos que surgiam no final da década de 1980.
Atualmente vivemos um novo ciclo envolvendo as famílias Maia (Lira Maia e parceiros) e Martins (Maria do Carmo, Everaldo e Carlos Martins, não necessariamente nesta ordem), que eu chamo de “fase Ma-Ma” e que poderá ter sua continuidade ou seu fim, já na próxima eleição municipal. Enquanto Lira Maia é um político de viés conservador e populista aos extremos, Maria tem um perfil de centro esquerda, mas com atitudes de direita orquestradas pelo todo-poderoso Everaldo, o irmão-esteio desta vertente. Entre os dois ciclos, registre-se a existência de um “governo de transição”, comandado por Ruy Corrêa (1993/1996), cujo grupo se alterna no apoio às duas famílias que disputam o poder municipal.
Mas porque falar de eleição municipal, quando estamos às portas de uma eleição estadual e federal? É porque do ponto de vista da disputa municipal, o 1º round da próxima eleição se dá exatamente entre os candidatos que disputam, neste domingo, os votos dos santarenos e independente do sucesso em conquistar uma vaga nos Legislativos Estadual e Federal, aproveitam essa “vitrine” para mostrar as armas que têm.
Como todo ciclo tem começo, meio e fim, sempre surge algo de novo que pode balançar as estruturas existentes, podendo criar um alternativa administrativa e política ou gerar apenas um novo ciclo. Este parece ser o papel reservado ao advogado tributarista Helenilson Pontes, o tal “Fator HP” de que fala o título deste artigo.
Na atual conjuntura, as urnas devem revelar à quantas anda o humor da população em relação à prefeita eleita em 2004, na qual se depositava a esperança de que não fosse apenas um ciclo. É notório que houve uma grande frustração com o Governo Cidade da Gente e o reflexo imediato pode ser uma votação não tão avassaladora, como se esperava, do caçula da família.
Dono de um caminhão de votos como vereador, o médico Carlos Martins despontou como liderança emergente, mas até agora não mostrou para o que veio no papel de líder do Governo no Legislativo Mirim e de quebra, acabou entrando nesta disputa por uma vaga na Assembléia Legislativa – segundo se especulou nos bastidores políticos – praticamente forçado (da mesma forma como a irmã, desde o início de sua carreira em 1996), fruto de um desejo de concentrar mais poderes do grande articulador da família, Everaldo Filho. Carlos Martins pode até conseguir se eleger, mas ao que tudo indica com grande dificuldade, diante da performance do governo da irmã. Sua eleição carrega o simbolismo de uma sobrevida ao governo municipal petista (ou “everaldista”) e, principalmente, pode vir a ser a tábua de salvação dos Martins, caso Maria decida não concorrer à reeleição em 2008 (hipótese muito comentada diante das pressões do Ministério Público contra seus promotores a se decidirem pela carreira no MP ou pela vida política).
Do outro lado, Lira Maia, que vinha acompanhando de camarote o Governo de Maria ladeira abaixo, é um municipalista convicto em sua trajetória política por não ter um perfil de estadista que sonha sair dos grotões para se tornar um líder regional, só como estratégia de arregimentação de forças para o cenário municipal. Pelo menos por enquanto.
Cria do ex-prefeito Ronaldo Campos, Lira Maia disputou sua primeira eleição em 1992, substituindo Ronaldo cuja candidatura foi cassada, e em 15 dias de campanha mostrou fôlego para crescer, conseguindo ainda um terceiro lugar entre quatro candidatos. Picado pela mosca azul da política, o agrônomo que havia mostrado as mesmas habilidades em programas populares à frente das secretarias de agricultura municipal e estadual na década 1980, regou seu pomar de votos, passou pela Assembléia Legislativa na onda “Estado do Tapajós” de 1994 e se aboletou no Poder Municipal, de onde só saiu por confiar em sua capacidade de eleger até poste. Se para seu parceiro em oito anos de governo municipal, Alexandre Von, a derrota tenha sido péssima (pelo menos do ponto de vista de submergir como nova liderança), para Maia foi um bálsamo. Hoje ele se prepara para colher os frutos de uma administração petista que, se não está eivada de vícios de corrupção é no mínimo inoperante (ao contrário da administração Maia em que tais binômios, ao que parece, se invertiam). Maia, é fato, deve conseguir uma avalanche de votos. Segundo estimativas otimistas no comando de sua campanha, abalizadas por pesquisas, terá cerca de metade dos votos só de Santarém! Talvez não se eleja por estar numa coligação difícil, mas a suplência já será de bom tamanho para as suas pretensões.
O problema de Maia nesse mar de tranqüilidade foi exatamente o surgimento do “Fator HP”, na figura do tributarista santareno que fez sucesso em banca advocatícia no sul maravilha e voltou para “trazer a boa nova” à sua estirpe nordestina. A colônia nordestina que há muito anseia ocupar o palácio municipal (não tinha uma liderança tão carismática desde o ex-deputado Júlio Walfredo), tem se contentado em ocupar metade do Legislativo Municipal e apresentar candidaturas a vice-prefeito que naufragaram (Hiron Machado, em 1985, com Ronan Liberal e José Olivar em 1992, com Bené Bicudo) “adotou” Maia como seu representante nos dois mandatos entre 1997/2004. Mas sua estrutura organizativa que inclui uma espécie de clube de Auto-ajuda pronto para socorrer qualquer nordestino que chegue para ser microempresário e um clube esportivo cujo líder (Nélio Aguiar) pode até conseguir uma vaga na Assembléia Legislativa, demonstra que está mais que na hora de chegar ao poder (antes dos sojeiros lancem mão, num futuro próximo). Helenilson, com perdão do trocadilho, pode ser essa ponte.
HP parece ser um “Alexandre Von melhorado” (tem o mesmo discurso ético e tecnicista que o ex-vice-prefeito tinha quando entrou na política, embora demonstre mais firmeza de ação assumindo a frente de seu partido, o PPS, diferente de Alexandre que deixou o PDT ao bel-prazer de Osmando Figueiredo, o articulador-mor da política local), e entrou de cabeça na campanha por uma vaga na Câmara Federal, mas sabe-se que mira a prefeitura em 2008. Talvez não se eleja nesse pleito, mas o simples fato de, enquanto candidato neófito, conquistar uma boa quantidade de votos e uma suplência na Câmara Federal, credencia-se a tentar assumir o comando do Palácio Municipal.
Maia e Pontes usam o mesmo palanque, o de Almir, que se vitorioso, terá também que se decidir quem apoiar na próxima eleição municipal. Apesar da reaproximação de Almir e Maia nesta campanha, há que duvide que o ex-governador queira ter o ex-prefeito novamente como seu interlocutor em Santarém e repetir uma relação tumultuada que lhe custou a execração pública dos santarenos. A derrota de Almir em Santarém é previsível e Maia não arriscou o pescoço para tentar reverter essa situação (aliás nenhum dos outros candidatos de Almir na região, ousou ir contra a vontade popular de execrar o ex-governador). Santarém pode ser decisiva para empurrar a eleição para o segundo turno, e aí Almir vai precisar ainda mais de Maia e Pontes (eleitos ou não).
Aos Martins, por enquanto só resta se agarrar na esperança de um segundo turno, torcendo por uma candidatura petista ao Governo do Estado (Ana Júlia) que lhes foi imposta pelo PT nacional. Para se ter uma idéia dos desprestígio dos Martins, é quase certo que o deputado Priante, candidato de Jáder Barbalho, consiga mais votos contra Almir dos santarenos (no 1º e no 2º turnos) do que a família Martins.
Como se vê, não é cedo para falar das eleições 2008. Maia e Martins vão se encontrar frente à frente, mas o “Fator HP” que se antecipa, pode mudar esse quadro que indicava até agora uma simples alternância entre os dois grupos dentro do ciclo existente.
Enquanto isso, outras lideranças locais como Antonio Rocha (o mais certo para se eleger), Ruy Corrêa (que sonha com uma vaga puxado por Jader), Osmando (candidatura mais parecida com balão de ensaio) e outros menos votados, por enquanto aparecem apenas como coadjuvantes deste espetáculo e aguardam o momento certo para se definirem. E dependendo do cacife eleitoral que obtiverem.
Uma coisa é certa: nenhum destes políticos quer repetir parcerias que não deram certo. Neste caso, podem optar pelo duvidoso e não pelo certo.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Manual para eleitores incautos (IV)(*)

O (in)quociente eleitoral
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Uma coisa não muda em todas as eleições que vem sendo realizadas nos últimos anos: a campanha pelo voto consciente.
O problema, entretanto, não está apenas no “consciente” do eleitor, e sim no (in)quociente eleitoral, principalmente quando se trata da eleição para os chamados “cargos proporcionais” (vereadores, deputados estaduais e federais).
Os resultados para os “cargos majoritários” (prefeitos, governadores e Presidente da República) são mais compreensíveis para qualquer eleitor: ganha quem tem mais voto, apesar da novidade do voto em dois turnos introduzida a partir de 1989. Aí, a diferença é que um candidato tem que ter metade mais um dos votos para ser eleito, e caso não consiga, disputa um segundo turno com o segundo mais votado.
Mas o que dizer da não-eleição de um vereador, deputado estadual ou federal, apesar deste ter tido mais votos que outros candidatos?
Isso se deve exatamente ao princípio da proporcionalidade indicado no artigo 84 do Código Eleitoral Brasileiro, como forma de privilegiar a força dos partidos como células representativas da sociedade e não o indivíduo que concorre a um cargo. Do contrário, não se precisaria de partidos e bastaria que qualquer cidadão se inscreve individualmente e defendesse suas propostas no horário eleitoral. Já imaginaram a zorra que seria? Todo mundo querendo ser candidato, sem ter compromisso com grupo nenhum.
Mas aí vem a pergunta: e afinal, isso não acaba acontecendo na prática? O problema é que a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro e o aprimoramento da consciência cidadã ainda em sua fase latente, fazem com que o princípio da proporcionalidade não passe de um princípio... O pior é que o candidato eleito com poucos votos, muda de partido, mas não devolve os votos que seriam da legenda...
Antes de ampliarmos essa reflexão, vamos tentar explicar o tal do Quociente Eleitoral (e Partidário), que confunde a cabeça de muitos eleitores.
Quociente ou cociente (muitos chamam de coeficiente, mas não é o termo correto), é um termo da Matemática que vem do Latim quociens e indica a “quantidade resultante da divisão de uma quantidade por outra”. O Quociente Eleitoral determina-se “dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo número de lugares a preencher, desprezando-se a fração, se igual ou inferior a meio ou arredondando-se para um, se superior” (Código Eleitoral, art. 106, caput). Já o Quociente Partidário determina-se para cada partido político ou coligação “dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração” (Código Eleitoral, art. 107).
Em resumo, o quociente partidário informa o número de candidatos proporcionais (vereadores, deputados federais ou estaduais) eleitos de cada partido ou coligação em conseqüência dos votos recebidos. Esses candidatos são eleitos por votação própria e são sempre a minoria. Os demais ‘pegam’ carona no somatório de votos recebidos pelo partido ou coligação e pela legenda.
O caso mais famoso aconteceu recentemente, nas eleições de 2002, quando, o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta (PSL), recebeu 83.415 votos e não foi eleito. Já um tal de Vanderlei Assis de Souza, com míseros 274 votos, garantiu uma vaga porque seu partido, o Prona (Partido da Reedificação da Ordem Nacional), obteve uma votação maior que o partido de Pitta, concentrada em apenas um candidato, o famoso “meu nome é” Enéas Carneiro. Os votos de Enéas serviram para que seu partido elegesse 5 deputados, mesmo que a votação nos outros 4, como de fato ocorreu, tenha sido baixa. Já o partido de Pitta conseguiu 0,3 cadeiras, ou seja, nenhum deputado eleito!
Para explicar melhor, acompanhe os passos da lógica aritmética na apuração dos votos (conta que é complicada e que às vezes confunde até mesmo os mesários de apuração): Primeiro define-se o votos válidos, obtidos a partir da diminuição dos votos em branco e dos votos nulos do número total de votantes na eleição. Por exemplo, num estado, o número de eleitores que votaram é de 1.000. Deste, 50 votaram nulo e 100 votaram em branco. Os votos válidos serão 850.
Feito isso, define-se o quociente eleitoral através da divisão dos votos válidos pelo número de lugares a preencher (cadeiras). Por exemplo, nesse mesmo estado, existem 10 cadeiras na Assembléia Legislativa. O Quociente Eleitoral será 85.
Aí, o próximo passo é definir o Quociente Partidário, que é obtido, dividindo-se o total de votos recebidos por cada partido ou coligação pelo Quociente Eleitoral. Seguindo o exemplo dado, digamos que neste hipotético estado, 03 (três) partidos disputaram a eleição, sendo que o partido A teve 450 votos, o partido B teve 255 e o partido C apenas 145 votos. A divisão das cadeiras será assim: Partido A, cinco cadeiras (450/85), Partido B, três cadeiras (255/85) e o Partido C, uma cadeira (145/85).
Por fim, vem a definição das vagas que sobraram. Aí, o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação, será dividido pelo número de lugares obtidos por ele mais um. Sendo que caberá ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher. Seguindo o nosso exemplo, vamos ver quem fica com a última cadeira, que não foi preenchida: o Partido A teve 450 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (5), é igual a 90, somado a 1 = 91. Já o Partido B teve 255 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (3) é igual a 85, somado a 1 = 86. Por fim, o Partido C com seus 145 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (1) é igual a 145, somado a 1 = 146. Assim, coube ao Partido C a última vaga.
Imagine-se que no Partido A houvessem 6 candidatos. Os cinco primeiros garantiram a vaga. O 4º ficou aguardando o cálculo das sobras. Ele teve, por exemplo, 25 votos, e o Partido C, que tinha apenas dois candidatos, elegeu o seu primeiro candidato com 144 votos, enquanto o segundo, que teve apenas 1 voto, ficou com a última vaga, por causa do critério da proporcionalidade...
Apesar de valer como princípio, o critério da proporcionalidade torna-se injusto por causa da infidelidade partidária a que todos os partidos estão sujeitos. Para o consultor jurídico da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, Eugênio Vasques, o desrespeito à Lei Orgânica dos Partidos Políticos é flagrante e torna-se inadmissível tolerar que um político eleito mude de partido logo após a posse, como se tivesse sido eleito pelo partido que o acolheu. “Se tivesse disputado a eleição pelo partido atual, não teria sido eleito, portanto, sendo ilegítima a sua mudança de partido”, diz ele, afirmando que essa lei prevê expressamente a perda automática do cargo em virtude da proporção partidária, em seu capítulo V, que trata da Fidelidade e da Disciplina Partidárias.
“Mas, por que os partidos políticos lesados pelo parlamentar infiel, que procura outra legenda após a eleição, não se utilizam do disposto pelo Art. 26 do LOPP , para puni-lo?”, pergunta ele e responde: “no nosso país os partidos promovem um verdadeiro 'jogo de compadres' , já que aquele parlamentar que rompeu com determinado partido, pode a vir integrar o seleto grupo de uma outra legenda partidária e vice e versa”. Daí surgem as “legendas de aluguel”, que disputam a preferência dos infiéis.
Daí a importância de uma reforma eleitoral para que o tal “princípio da proporcionalidade” seja a expressão da verdadeira democracia, com o fortalecimento dos partidos políticos, pois do contrário, estes resultados ferirão não somente o bom senso político e a ética, como também a vontade do eleitor.
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(*)Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada todas as terças-feiras no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Manual para eleitores incautos (III) (*)

Uma indigesta sopa de letrinhas e de números (3ª Parte)
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Finalizando o histórico dos partidos, iniciado nas duas últimas edições deste Perípatos:
O Partido Popular Socialista (PPS) foi fundado em 19.03.1992, com o número 23, e sobre as ruínas do antigo PCB – Partido Comunista Brasileiro, fundado 70 anos antes. Aproveitando os ares de redemocratização do leste europeu, pós-queda do Muro de Berlim, surge um novo partido que tenta manter a filosofia socialista, mas sem os velhos jargões utópicos. Aproxima-se do socialismo real europeu, que predomina em países como Espanha e França. Aos poucos os PPS adquire hábitos mais ao centro, e namora com a social democracia, não diferindo o discurso do PSDB, do qual inclusive tem sido um grande aliado.
O PP – Partido Progressista, com o número 11, foi o antigo “maior partido da América Latina”, braço da Ditadura. Depois de diversas “cirurgias políticas” e de perder grandes lideranças como Sarney e ACM para o PFL que não aceitavam o domínio do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, denominou-se PPR e PPB até chegar ao minúsculo PP, fundado em 16.11.1995, mas ainda mantém a mesma cara malufista, embora esteja envolvido em novos escândalos financeiros como o do Mensalão e das Sanguessugas. É um partido à direita, mas que tenta sobreviver à sombra de quem está no poder (inclusive o PT, que já foi seu arqui-inimigo).
Tirando os 11 partidos citados até agora, os demais são considerados “nanicos”, de pequena expressão nacional, e que tendem a desaparecer ou se fundir a partir do próximo ano. Mas alguns tem características marcantes.
O PV – Partido Verde, que tem com um de seus eternos líderes o jornalista e ex-guerrilheiro Fernando Gabeira, por exemplo, é fundado em 30.09.1993, sob o número 43, a partir do crescente movimento ambientalista brasileiro pós-Eco/92, o grande evento realizado em nosso país em que o debate ecológico entrou em cena. Foi um passo para criar aqui, um partido de tendência ecológica aos moldes europeus, mas seu ideário fica muito distante da vanguarda ambientalista da Europa e hoje não passa de mais uma legenda de aluguel.
O PRONA – Partido da Reedificação da Ordem Nacional, com o número 56, por outro lado, é de tendência ultranacionalista e só existe em função de seu presidente e eterno candidato á presidência Enéas Carneiro, que representa a ultra-direita brasileiro. Como líder messiânico e defensor da bomba atômica, o médico acreano foi um fenômeno de comunicação e abalou as estruturas políticas, conseguindo em poucos segundos de TV impor seu bordão e seu partido. Eleito deputado federal em 2002, cometeu a façanha de “arrastar” com seus votos outros deputados inexpressivos. Mas acometido de câncer, desistiu da campanha para a Presidência este ano o que deve fechar o ciclo de um partido baseado em um único tirano (na velha concepção romana, diga-se...).
Na seara de partidos esquerdistas radicais destacam-se o PSOL, o PCB, o PSTU e o PCO.
O PSOL – Partido Socialismo e Liberdade, (número 50) fundado em 15/09 do ano passado, quando ex-lideranças do PT foram expulsas por não aceitar os novos rumos do partido em direção ao centro. A maior líder desse grupo é a senadora alagoana Heloísa Helena, que arregimentou vários deputados que se afinavam ao seu discurso e que representavam algumas alas de ultra-esquerda dentro do PT. Disputa sua primeira eleição, tentando se impor como uma nova alternativa de esquerda, mas seu discurso é tão arcaico quanto o dos demais partidos nanicos de esquerda, fósseis de um marxismo utópico e irresponsável.
Antes disso, o PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (16) e o PCO – Partido da Causa Operária (29), também haviam saído das entranhas do PT onde atuavam como tendências mais “xiitas”. Por outro lado, o PCB – Partido Comunista Brasileiro, formado por integrantes do antigo “Partidão” (que se transformou no PPS), se reagruparam e reeditaram a antiga legenda. Os quatro partidos mantém o mesmo discurso maniqueísta de esquerda marxista, leninista, trotskista, stalisnista, maoísta, enfim, rebeldes sem causa que ainda acreditam que uma revolução armada pode tirar “a burguesia e os imperialistas do poder”. Seu maior foco são os estudantes e os sindicatos.
Existe ainda a corrente política do “cristianismo demagógico”, que também é forte na Europa e tenta ser representada no Brasil por dois partidos: o PSC – Partido Socialista Cristão (20) e o PSDC – Partido Social Democrata Cristão (17), quase sem expressão.
Na área “trabalhista” (do PTB e do PDT), surgiram o PT do B (Partido Trabalhista do Brasil – 70), o PTN (Partido Trabalhista Nacional – 19) e o PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – 28).
Outras siglas ainda mais inexpressivas são o PMN (Partido da Mobilização Nacional – 33), de tendência nacionalista; o PRP (Partido Republicano Progressista – 44), o PHS (Partido Humanista da Solidariedade – 31), o PAN (Partido dos Aposentados da Nação – 26), o PSL (Partido Social Liberal – 17) e o mais recente PRB (Partido Republicano Brasileiro – 10), este fundado por bispos da Igreja Universal depois que alguns deputados de sua bancada evangélica se envolveram nos dois últimos escândalos nacionais. A figura mais ilustre deste partido é o atual vice-presidente do Brasil, José Alencar, que compõe mais uma vez a chapa de Lula.
Sirva-se dessa sopa de letrinhas, mas não se engasgue...
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(*) Artigo inserido em minha coluna Perípatos, publicada semanalmente no Diário do Tapajós, encarte regional do jornal Diário do Pará, que circula em Santarém e oeste do Pará.
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Um pequeno esclarecimento: O artigo postado aqui neste espaço recebe a mesma numeração ordinal do jornal. O artigo anterior, apesar de ter sido postado como um só, acabou sendo desmembrado em dois por falta de espaço no jornal de duas semanas atrás.