terça-feira, 19 de dezembro de 2006

A luta (inglória) contra o regime da dieta (*)

Tudo começou quando vi aquela teta de mamãe. Sorvi o leite como se fora o néctar dos deuses. Uma teta não me bastava. Secava as duas diariamente e muito cedo ela teve que me desmamar para não morrer de inanição! Caiu em si de que parira um pequeno glutão.
Vejo minhas fotos de menino e não acredito nessa história que me contam, afinal sempre pareci mais magérrimo do que gostaria de ser. É bem verdade que já trazia uma protuberância abdominal que fazia de meu perfil uma espécie de “chapéu em pé, com a aba enterrada no chão”. O famoso “menino do buchão”. Mas à medida que crescia, resolvi distribuir minhas gorduras horizontal e verticalmente, sempre à base de alimentação da “melhor” qualidade (hot-dogs, x-qualquer coisa, pizzas, doces, macarronadas, pão, pizzas, x-qualquertudo, chocolate, pizzas, pizzas e pizzas).
Enfim, todo tipo de quitute, acepipe, guloseima que surgia era devidamente devorado. O crescimento horizontal do meu ser não acompanhou o crescimento vertical. Hoje tenho o que se chama de uma quase obesidade mórbida. Nos exames com os médicos, sou logo detonado na entrada: “Quer morrer?”, pergunta o médico quando vê que meus triglicerídios estão mais altos que as ações da Petrobrás na bolsa.
Ainda tenho um coração que pulsa bem, mas tudo indica que os caminhos a ele vão ficando mais entupidos. Sei que não posso tomar refrigerantes. Mas antes de desistir deles, sento numa lanchonete e penso sobre o assunto sorvendo uma garrafa de 600 e um bom sanduba...
Tenho dito por aí que minha atitude não é tão irresponsável e sim, ecológica! Afinal, se um dia vou morrer, porque não alimentar minhas carnes e oferecer mais húmus à terra que me acolherá? Quem sabe um cientista, no futuro, acabe descobrindo uma nova fruta suculenta nascida de um pomar próximo de minha cova, com proteínas como nunca se viu? Reivindico desde já que se chame, cientificamente, de ninus suculentus, ou com o nome popular de Ninosola (tipo acerola, carambola, graviola...)!
Mas deixando de lado estas divagações narcísicas, que tentam esconder um problema de fato, escrevo na verdade este artigo porque o final do ano está aí, e como sempre, as tentações alimentares se multiplicam. Haja panetones, perus, chesters, lasanhas e muito refrigerante! E como sempre aquela promessa que nunca se cumpre: no primeiro dia do ano, começo uma rígida dieta! (Hahahaha!!) Essa é a maior mentira do mundo.
Tenho consciência (pesada) de que nada faço para diminuir meu apetite exacerbado. E quanto mais tenso fico, mais glutão me torno. Não que eu queira chegar a ser esbelto como uma sílfide. Mas perder uns quilinhos proporcionaria menos cobranças ou olhares indiscretos e preconceituosos dos ditadores da dieta. As duas últimas gerações seguiram o padrão de corpos esbeltos e sarados (muito embora, pouco desprovidos de cérebros...). Como comportar mais de 100 quilos em menos de 1,70 de altura? Entretanto, como abrir mão daquela lasanha ou do pão nosso de cada dia (com manteiga, queijo e presunto)?
O grande problema é quando se vai renovar o armário. Recentemente, durante uma viagem à Belém, resolvi investir comprando novas roupas. Entro na loja, e um sorridente vendedor me mostra os atalhos entre “araras” cheias de calças e camisas. Escolho aquele que eu gosto e aí vem a fatídica pergunta: “Qual o tamanho?” Falo baixinho, pra ninguém ouvir, mas o vendedor não entende. “Qual o tamanho, senhor?”. Repito envergonhado, já com outros clientes ao meu redor, esticando as orelhas para ouvir. O vendedor não compreende e suplica desesperado: “Fale mais alto, por favor, seu tamanho!”. Irritado e possesso dou um grito “EXTRAAAAA LAAAARGOOOO!” Momentos de tensão. O garotão ao lado, atônito, deixa cair aquela bermuda de surfista magricela, um senhor mais a frente pára de experimentar a calça de malha justa. Viro a cabeça e sinto como se estivesse num paredão. Todos tentam disfarçar uma gargalhada segurando a boca com a mão. O vendedor arrasado logo me despreza, apontando para a loja em frente onde se lê: “Temos tamanhos gigantes”.
Me recuso a comprar nestas lojas. Não quero acreditar que esteja tão balofo. Saio indignado e ao dobrar na esquina ouço um cacarejar explosivo de clientes ensandecidos. Naquele momento penso em criar um grupo terrorista para acabar com a ditadura da magreza. Seria uma ramificação da “Al Qaeda” (quem sabe a “Al Caída”, como minha barriga...). E eu seria a encarnação mais gorda do Osama bin Laden (ou melhor, Osama bem Larguem...).
Porque tanta discriminação aos gordos? Num ônibus, uma borboleta discriminatória que quando não prende a barriga, prende os glúteos. Sem contar que os assentos dos ônibus, tal qual dos aviões, é feito só para corpos de Gisele Bündchen e não para um “bunda cheia”...
A minha maior alegria é quando encontro algumas figuras conhecidas com uma pança dez vezes maior que a minha. Aí sinto que ainda sou um homem magro. Mas me solidarizo com os companheiros. Precisamos nos unir e criar o PORCO – Partido dos Obesos Radicais Contra a Opressão! Abaixo o regime e viva o gordo, como já dizia nosso MAIOR representante, JÔ Soares!
Não que eu queira continuar engordando, mas não precisa haver tanta discriminação com a nossa raça... Prometo que tentarei não engordar mais. Mas só depois das festas do fim de ano... Afinal, 2007 tem tudo pra ser um ano magérrimo, como o próprio número sete o é. Já em 2008, tudo pode ser bem mais redondo como os zeros e oito...
Feliz panetone e um próspero chester pra todo mundo!
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, edição regional do jornal Diário do Pará.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Cuidado, vem aí teu inimigo oculto!

(Desabafos natalinos)
“Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...”
Fim de ano é sempre uma festa! Parece que as agruras de um ano inteiro se dissipam, e de repente descobrimos que somos filhos de um mesmo pai e que ainda resta uma esperança para o mundo! De repente, o tal “espírito natalino” baixa em nós e deixamos de lado o “espírito de porco” que incorporamos por mais de 300 dias... “Feliz Natal e Próspero Ano Novo!” Mensagens se escancaram sem nada de subliminar, pois o que importa é a esperança. Até o último dia do ano, lutaremos para provar que no ano que vem tudo será diferente. Não importa que depois do Reveillon tudo volte ao normal...
“Esse ano quero paz no meu coração, quem quiser ter um amigo, que me dê a mão...”
As festas de fim de ano já começam pelas luzes na cidade. Os postes iluminados, as fachadas iluminadas, as árvores iluminadas. Fim de ano é a própria era do iluminismo! Tudo indica que, no final das contas, sempre há uma luz no fim do túnel (mesmo que a conta de luz fique mais cara). Não importa se seu time foi rebaixado no campeonato. Ano que vem ele será campeão da quinta divisão! Não importa se seu candidato não foi eleito. Os outros se incumbirão de cumprir as promessas que ficaram no meio do caminho. Não importa se seu salário não aumentou. Ano que vem ele aumenta ( o trabalho, também). Os antigos gregos já diziam: o que há de ser, será... Em meio a tantas esperanças, porque guardar rancor e escrever um artigo tão irônico?... Vamos, é Natal! É alegria! Pás, aos homens de boa vontade, para tirar esse entulho do nosso caminho!
“Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faz...”
E como esquecer das confraternizações? Ontem, com os colegas de trabalho. Troca de presentes. Amigo oculto, inimigo invisível, presente secreto. “Meu amigo é...” Abraços, sorrisos, revelações. “Ó que cueca bonita, obrigado!”
Hoje é a confraternização do grupo de amigos. Churrasco, cerveja, amigo secreto, inimigo oculto, presente invisível. “Minha amiga é...” Beijinhos, olhares, frustrações. “Ó, esse era o lenço que faltava na minha coleção!”.
Amanhã, confraternização com a família. Irmã secreta, primo invisível, tia inimiga, avô oculto, presentes, presentes. “O meu amigo é...” Abraços efusivos no primo que eu detesto. A tia gorda, que não vejo há anos, depois de me dar aquele mesmo par de meias do ano passado, ainda sussurra em meu ouvido: “Quando vai casar, garotão?” Sorriso amarelo. A vontade é de mostrar a aliança no dedo e a foto dos seis filhos na carteira, mas engulo mais uma empadinha e deixo pra lá.
“Oi, lembra de mim?” Puxa, como não lembrar da prima Vera! Ela agora está um Verão.... Mas logo um “armário” se aproxima de mim. “Esse é meu marido”, diz ela candidamente. Sinto o ar fugir dos pulmões com o abraço do monstro. “Aê, primão!” Sobrevivo e engulo mais Cola, pois preciso unir as costelas espatifadas...
“Filho, adivinha o que comprei pra você?”. Faço de conta que não sei que é uma gravata cor de abóbora, igual a tantas que me deu nos últimos oito anos e digo, ternamente, ao vovô: “Um io-iô”! “Maiô?”, pergunta ele. “IO-IÔ!”, grito eu já quase perdendo a paciência com sua surdez. “Seu bobo, não é um maiô! Isso é coisa de mulher! Comprei foi uma gravata para o seu trabalho!”, revela o velhinho rindo com a dentadura saltitante. “Adorei, vô!”, digo falsamente. “NUNCA IMAGINEI QUE GANHARIA ISSO DO SENHOR”, ironizo gritando em seu ouvido. “Não meu neto, não foi no PENHOR, foi aquele empréstimo consignado mesmo!”. Desisto. Escapo do bom velhinho com a gravata na mão prestes a me enforcar...
“Noite feliz, noite feliz”...
Me deparo mais uma vez com a clássica cena da família em torno da mesa, cantando uma daquelas músicas de Natal que todas as lojas usam para vender cuecas, lenços, meias e gravatas para os amigos secretos, ocultos e invisíveis. Lembro que houve época em que me emocionava com tudo isso. Eu era criança e aguardava a noite de Natal com muita ansiedade. Só que o “bom velhinho” nunca me atendeu totalmente. Se pedia uma Ferrari miniatura com controle remoto, ganhava um fusquinha movido à corda. No lugar da motoneta elétrica, um patinete. O Playstation virou uma caixa de Divertirama com 20 jogos diferentes.
Agora vejo este quadro que lembra a Última Ceia onde todo mundo bebe e sorri. Não consigo decifrar o Código de Da Vinci e nem a frustração por presentes que não ganhei. Mas algo me engasga e tenho vontade de vomitar. Será que eu sou o único que não consegue se contagiar com a falsa alegria de todos os anos?
Seja no trabalho, no grupo de amigos, na família, todo mundo segue o mesmo ritual que contagia a civilização ocidental há séculos: reverenciar o nascimento de um menino chamado Jesus e principalmente, idolatrar um velho ridículo vestido de vermelho carregando um saco do tamanho do mundo!
É verdade que não existe personagem mais fascinante de nossa história que esse tal de Jesus, mas infelizmente, acho que continuamos colocando-o na mesma cruz todos os anos. Fágner já dizia nos seus tempos de universitário: “Uma vez por ano no Natal eles compram meus lindos cabelos e pensam que me conhecem, mas só me entristecem”... Nos iludimos que uma simples festa e a troca de presentes (muitos deles comprados nas promoções “dos pegue-pagues do mundo”, como diria o velho Raul Seixas) nos aproximem de um deus que muitos de nós acredita existir...
“Hoje é um novo dia, de um novo tempo(...)”
Depois do Natal, a contagem regressiva por um novo ano. Virão mais 365 dias assistindo aos mesmos noticiários sobre violência e corrupção. Continuarei não falando com o vizinho da casa ao lado. Prometerei perder 30 quilos, mas não deixarei de me empanturrar de carboidratos e outras guloseimas. Serei afável com os clientes da firma, que eu gostaria de pendurar num poste. Acreditarei que a prefeitura tapará o buraco da minha rua. E chegarei ao final do ano pronto para mais uma rodada de amigos secretos/ocultos/invisíveis com os mesmos presentes de sempre... Poderei suspirar: “Eu era infeliz, e como sabia...”
Apesar das amarguras, só me resta desejar a todos um Feliz Ano Velho!...
(P.S.: quem ainda quiser me dar um presente invisível/secreto/oculto, só falta uma cueca azul, um lenço amarelo e uma meia vermelha em minha coleção. A gravata pode ser cor de abóbora mesmo...)
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, edição regional do jornal Diário do Pará.