terça-feira, 29 de agosto de 2006

Manual para eleitores incautos (III) (*)

Uma indigesta sopa de letrinhas e de números (3ª Parte)
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Finalizando o histórico dos partidos, iniciado nas duas últimas edições deste Perípatos:
O Partido Popular Socialista (PPS) foi fundado em 19.03.1992, com o número 23, e sobre as ruínas do antigo PCB – Partido Comunista Brasileiro, fundado 70 anos antes. Aproveitando os ares de redemocratização do leste europeu, pós-queda do Muro de Berlim, surge um novo partido que tenta manter a filosofia socialista, mas sem os velhos jargões utópicos. Aproxima-se do socialismo real europeu, que predomina em países como Espanha e França. Aos poucos os PPS adquire hábitos mais ao centro, e namora com a social democracia, não diferindo o discurso do PSDB, do qual inclusive tem sido um grande aliado.
O PP – Partido Progressista, com o número 11, foi o antigo “maior partido da América Latina”, braço da Ditadura. Depois de diversas “cirurgias políticas” e de perder grandes lideranças como Sarney e ACM para o PFL que não aceitavam o domínio do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, denominou-se PPR e PPB até chegar ao minúsculo PP, fundado em 16.11.1995, mas ainda mantém a mesma cara malufista, embora esteja envolvido em novos escândalos financeiros como o do Mensalão e das Sanguessugas. É um partido à direita, mas que tenta sobreviver à sombra de quem está no poder (inclusive o PT, que já foi seu arqui-inimigo).
Tirando os 11 partidos citados até agora, os demais são considerados “nanicos”, de pequena expressão nacional, e que tendem a desaparecer ou se fundir a partir do próximo ano. Mas alguns tem características marcantes.
O PV – Partido Verde, que tem com um de seus eternos líderes o jornalista e ex-guerrilheiro Fernando Gabeira, por exemplo, é fundado em 30.09.1993, sob o número 43, a partir do crescente movimento ambientalista brasileiro pós-Eco/92, o grande evento realizado em nosso país em que o debate ecológico entrou em cena. Foi um passo para criar aqui, um partido de tendência ecológica aos moldes europeus, mas seu ideário fica muito distante da vanguarda ambientalista da Europa e hoje não passa de mais uma legenda de aluguel.
O PRONA – Partido da Reedificação da Ordem Nacional, com o número 56, por outro lado, é de tendência ultranacionalista e só existe em função de seu presidente e eterno candidato á presidência Enéas Carneiro, que representa a ultra-direita brasileiro. Como líder messiânico e defensor da bomba atômica, o médico acreano foi um fenômeno de comunicação e abalou as estruturas políticas, conseguindo em poucos segundos de TV impor seu bordão e seu partido. Eleito deputado federal em 2002, cometeu a façanha de “arrastar” com seus votos outros deputados inexpressivos. Mas acometido de câncer, desistiu da campanha para a Presidência este ano o que deve fechar o ciclo de um partido baseado em um único tirano (na velha concepção romana, diga-se...).
Na seara de partidos esquerdistas radicais destacam-se o PSOL, o PCB, o PSTU e o PCO.
O PSOL – Partido Socialismo e Liberdade, (número 50) fundado em 15/09 do ano passado, quando ex-lideranças do PT foram expulsas por não aceitar os novos rumos do partido em direção ao centro. A maior líder desse grupo é a senadora alagoana Heloísa Helena, que arregimentou vários deputados que se afinavam ao seu discurso e que representavam algumas alas de ultra-esquerda dentro do PT. Disputa sua primeira eleição, tentando se impor como uma nova alternativa de esquerda, mas seu discurso é tão arcaico quanto o dos demais partidos nanicos de esquerda, fósseis de um marxismo utópico e irresponsável.
Antes disso, o PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (16) e o PCO – Partido da Causa Operária (29), também haviam saído das entranhas do PT onde atuavam como tendências mais “xiitas”. Por outro lado, o PCB – Partido Comunista Brasileiro, formado por integrantes do antigo “Partidão” (que se transformou no PPS), se reagruparam e reeditaram a antiga legenda. Os quatro partidos mantém o mesmo discurso maniqueísta de esquerda marxista, leninista, trotskista, stalisnista, maoísta, enfim, rebeldes sem causa que ainda acreditam que uma revolução armada pode tirar “a burguesia e os imperialistas do poder”. Seu maior foco são os estudantes e os sindicatos.
Existe ainda a corrente política do “cristianismo demagógico”, que também é forte na Europa e tenta ser representada no Brasil por dois partidos: o PSC – Partido Socialista Cristão (20) e o PSDC – Partido Social Democrata Cristão (17), quase sem expressão.
Na área “trabalhista” (do PTB e do PDT), surgiram o PT do B (Partido Trabalhista do Brasil – 70), o PTN (Partido Trabalhista Nacional – 19) e o PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – 28).
Outras siglas ainda mais inexpressivas são o PMN (Partido da Mobilização Nacional – 33), de tendência nacionalista; o PRP (Partido Republicano Progressista – 44), o PHS (Partido Humanista da Solidariedade – 31), o PAN (Partido dos Aposentados da Nação – 26), o PSL (Partido Social Liberal – 17) e o mais recente PRB (Partido Republicano Brasileiro – 10), este fundado por bispos da Igreja Universal depois que alguns deputados de sua bancada evangélica se envolveram nos dois últimos escândalos nacionais. A figura mais ilustre deste partido é o atual vice-presidente do Brasil, José Alencar, que compõe mais uma vez a chapa de Lula.
Sirva-se dessa sopa de letrinhas, mas não se engasgue...
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(*) Artigo inserido em minha coluna Perípatos, publicada semanalmente no Diário do Tapajós, encarte regional do jornal Diário do Pará, que circula em Santarém e oeste do Pará.
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Um pequeno esclarecimento: O artigo postado aqui neste espaço recebe a mesma numeração ordinal do jornal. O artigo anterior, apesar de ter sido postado como um só, acabou sendo desmembrado em dois por falta de espaço no jornal de duas semanas atrás.

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Manual para eleitores incautos (I)(*)

Uma indigesta sopa de letrinhas e de números

Se a gente sair perguntando pelas ruas para saber quem está empolgado para votar nas eleições deste ano, provavelmente o resultado será uma acachapante reprovação a todo processo eleitoral e principalmente aos políticos, que nos brindam diariamente com os mais diversos escândalos de corrupção. A desonestidade do político brasileiro há muito já não é a exceção e sim a regra. A obrigação de votar em alguns deles já causa um certo asco em parte dessa população, o que leva muita gente a pensar em anular seu voto.
A corrupção que assola o sistema sempre existiu. O que mudou foi a quantidade de pessoas que percebeu que o sistema facilita essa corrupção, principalmente pelos exemplos de impunidade nos últimos anos. Mas é bom lembrar que o período ditatorial e, principalmente o nível educacional e cultural do país, destruíram qualquer sentimento patriótico ou de cidadania em grande parte da população (principalmente na banda podre). Entretanto, o próprio sistema vem tentando se aperfeiçoar, se reciclar. Há cada escândalo, novos mecanismos são criados para tentar evitar que as ratazanas continuem roendo o dinheiro do povo.
Mas apesar disso, ainda não inventaram um sistema político mais confiável do que a democracia representativa. Por isso, não é se ausentando do processo que estaremos protestando, mostrando nossa indignação. Na verdade, todo o quadro político que se apresenta nos dias de hoje, só reforça a tese de que o voto é a grande arma do cidadão, e que por mais que seja mais fácil um camelo passar no buraco da agulha ou encontrar essa mesma agulha num palheiro do que existir um político honesto, ainda é possível encontrar alguns espécimes raros dessa classe por aí.
Afinal, os políticos não nasceram do nada. Eles são pessoas como nós, são amigos, vizinhos, parentes ou líderes de algum movimento que um dia resolveram entrar num caminho, que para alguns é sem volta. Alguns ficaram por entender a política como sacerdócio, outros por acharem que é o melhor negócio! Só com o nosso voto, podemos mudar alguma coisa.
Faço política desde a adolescência participando de movimentos populares, sindicatos e até mesmo da vida partidária. Optei por ser um socialista, um esquerdista, mas hoje vejo que as antigas bandeiras transformaram-se em utopias engendradas para o regalo de poucos, por isso professo um “quase niilismo”. Não que tenha desistido de minhas utopias. Guardei-as no fundo de algum baú, e quem sabe um dia volte a desfraldá-las.
Daí, resolvi apresentar, à partir deste Perípatos, durante o período eleitoral uma série de sete artigos com dicas para os eleitores incautos, juntando informações que colhi na internet em minhas férias e da minha experiência de quase 30 anos de militância nesta área, seja como participante de movimentos, seja como marqueteiro político ou seja como um eterno escrevinhador-jornalista... Não sei se vai ajudar, mas piorar o quadro é impossível.
Começo hoje pela “sopa de letrinhas e de números” que compõe nosso cenário partidário nacional, tentando contar um pouco da história dos partidos políticos existentes no Brasil e no Pará.
O historiador Voltaire Schilling diz que “oficialmente, os partidos políticos já existem no Brasil há mais de cento e sessenta anos. Nenhum deles, porém, dos bem mais de duzentos que surgiram nesse tempo todo, durou muito. Não existem partidos centenários no país, como é comum, por exemplo, nos Estados Unidos, onde democratas (desde 1790) e republicanos (desde 1837) alternam-se no poder. E o motivo disso, dessa precariedade partidária, da falta de enraizamento histórico dos programas nas camadas sociais é a inconstância da vida política brasileira” (Site Educaterra). Os primeiros partidos, diz ele ainda, surgiram exatamente em 1837, ainda no Segundo Reinado e representavam os conservadores (Saquaremas) e os liberais (Luzias).
Atualmente, estão registrados junto ao TSE – Tribunal Superior Eleitoral, responsável pela organização eleitoral no Brasil, 29 agremiações partidárias que formam uma grande “sopa de letrinhas e de números”. Do histórico PMDB ao novíssimo PSOL, são 25 anos de uma história de pluripartidarismo iniciada durante o último governo militar após o processo de abertura política do presidente João Figueiredo que trouxe de volta ao Brasil diversos exilados políticos. Eles representam tendências ideológicas da ultradireita à ultra esquerda, mas é quase um consenso de que não precisaríamos mais que dez partidos para isso, o que significa que a grande maioria não passa de legendas de aluguel, utilizadas para fins eleitoreiros e esquemas de corrupção. No artigo de hoje, vou falar de alguns deles, retornando ao tema na próxima semana:
O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), foi fundado em 30.06.1981 e ganhou o número 15 como representação básica de seus candidatos. Nasceu sob as bases do histórico MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido que representava a oposição ao regime militar implantado no Brasil entre 1964/1984, e se consolidou com a eleição (ainda de forma indireta) do primeiro presidente civil pós-Ditadura (Tancredo Neves, que morreu antes de assumir). Conhecido como “guarda-chuva das esquerdas” durante a Ditadura, o PMDB passou a ser uma colcha de retalhos formada hoje em sua maioria por políticos de centro, oligarquias regionais e muitos oportunistas de plantão. É ainda o partido com a maior representação em todo país, organizado em todos os municípios e comandando a maioria deles. Desde o fim do regime militar, vive à sombra do Poder compondo ou ajudando a derrubar os presidentes eleitos neste período democrático. Quando não elege os líderes regionais, coopta, ou seja, atrai esses líderes usando a pressão de suas bancadas legislativas. Santarém já assistiu, em sua recente história política, pelo menos dois casos de prefeitos eleitos por outras siglas que no meio do mandato acabaram cedendo à essa pressão. No Pará, tem um de seus maiores líderes nacionais, o deputado federal Jader Barbalho.
O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que adota o número 14, ressurgiu em 03.11.1981 tentando resgatar a imagem de seu maior líder, o ditador Getúlio Vargas. Foi exatamente a sobrinha-neta dele, a falecida deputada Ivete Vargas que refundou o populismo trabalhista, transformado numa legenda recheada de líderes empresariais que tem defendido a participação política mais constante da iniciativa privada na vida pública. É um dos partidos que sempre esteve envolvido em escândalos nacionais, a maioria deles com as digitais do já cassado deputado Roberto Jefferson.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT), utiliza o número 12 e surgiu uma semana depois do PTB, quando o então ex-exilado Leonel Brizolla perdeu aquela sigla para a deputada Ivete Vargas. Remanescente do getulismo, Brizolla queria ser um novo caudilho nacional e fundou o PDT com um viés socialista, diferente do trabalhismo getulista. Até sua morte, o PDT era um partido com a cara do Brizolla. Hoje, meio sem identidade, tenta sobreviver na selva de siglas e encontrar um novo referencial ideológico.
O Partido dos Trabalhadores (PT) foi a maior surpresa no cenário pós-Ditadura. Adotando o número 13, foi fundado em 11.02.1982, tendo como base o crescente movimento sindical brasileiro, foco da resistência popular à Ditadura. Com um líder carismático, o ex-metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil e um discurso que evoluiu da ultra-esquerda ao centro , chegou ao poder mas sofreu um grande revés em seu principal patrimônio: a credibilidade. Envolvido no Escândalo do Mensalão, perdeu o charme de partido da honestidade e periga sair das urnas com um formato cada vez mais ao centro, enterrando de vez a bandeira socialista que defendeu em outras eras. É o partido da atual prefeita de Santarém, Maria do Carmo.
O Partido da Frente Liberal (PFL), que tem o número 25, foi fundado em 11.09.1986 defendendo a doutrina do liberalismo econômico. Seus principais líderes eram remanescentes do partido de sustentação do regime militar, o antigo PDS, e haviam se rebelado contra o malufismo que dominou a antiga sigla, quando o ex-governador Paulo Maluf usou de seus métodos aliciadores para tentar chegar à presidência da República. O PFL representa hoje um dos setores mais reacionários e conservadores da política nacional, mas não tem tido poder suficiente para se impor no cenário nacional, o que o leva a depender de outras forças partidárias, ora o PMDB, ora o PSDB. A representação do adesismo peefelista é a figura do cacique baiano Antonio Carlos Magalhães (ACM).
O Partido Liberal (PL) foi criado em 25.02.1988 com as mesmas características do PFL, mas com maior representação empresarial. Nasceu defendendo a reforma tributária e o fim da intervenção econômica do governo. Pautado nos ideais liberais do falecido deputado carioca Álvaro Valle, defendia uma maior seleção de seus quadros, inclusive com um “vestibular para os candidatos”, mas foi derrotado pelo pragmatismo e acabou invadido por líderes religiosos evangélicos, até se envolver nos dois últimos grandes escândalos nacionais (Mensalão e Sanguessugas). Há muito se fala em sua fusão com o PFL e como deve sair menor após as eleições, não é difícil que isso se concretize, muito embora hoje ele esteja mais a serviço do PT, inclusive em Santarém.
O Partido Comunista do Brasil (PC do B), número 65, surgiu oficialmente em 23.06.1988, mas já existia há décadas. Nascido de uma divergência do antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro), viveu na clandestinidade durante a Ditadura e consolidou-se nas ruas dos centros urbanos através de ações armadas espetaculares como o seqüestro de um embaixador americano. Hoje é um partido-satélite do PT e se posiciona cada vez mais à centro-esquerda. Até o momento não teve o nome de nenhum de seus líderes envolvido em grandes escândalos nacionais. O presidente da Câmara Federal, deputado Aldo Rebelo, é o seu maior líder.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB), foi refundado em 01.07.1988, já que também havia existido antes do getulismo. Tem sido a sombra do PT desde a primeira disputa nacional em 1989, quando ainda era liderado pelo ex-governador pernambucano Miguel Arraes. Nos últimos anos rendeu-se ao pragmatismo partidário e começou a aceitar lideranças regionais que de socialistas não tem nada, como Ciro Gomes, empresário e político cearense que saiu passou pelo antigo PDS, pelo PSDB e pelo PPS, já como ministro de Lula. O PSB também foi envolvido no escândalo das Sanguessugas e no Pará seu maior líder, o ex-senador Ademir Andrade, responde a um intricado processo de suposta corrupção na CDP (Companhia das Docas do Pará) que estava sob seu comando (escândalo pelo qual chegou a ser preso).
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com o número 45, é outro partido surgido após a promulgação da última Constituição Brasileira. Em 24.08.1989, antigos líderes peemedebistas com tradição de centro esquerda, como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Mário Covas, divergem do pragmatismo peemedebista e criam um partido que pretende trazer para o Brasil o socialismo democrático, que na época imperava na Europa e era apontado como uma solução menos traumática que o socialismo utópico petista. Na primeira eleição a presidência, com Mário Covas, o partido não tem boa performance e se alia ao PT no 2º turno contra Fernando Collor. Mais tarde, alia-se ao liberalismo do PFL e consolida sua liderança nacional em dois mandatos de FHC (1994/2002), tendo como principal trunfo a estabilização monetária e a criação do Real. Seu discurso fica cada vez mais liberal, o que o afasta do socialismo democrático europeu e o aproxima do liberalismo conservador da ex-dama de ferro da Inglaterra, Margareth Thatcher. Com a ascensão do PT ao poder, assume um discurso ainda mais raivoso e direitista. No Pará, como em São Paulo, o partido sobrevive no poder há 12 anos e tenta se perpetuar através de seu maior líder regional, Almir Gabriel, que em 1989 foi vice de Covas.
Na próxima semana falo dos outros 20 partidos, em sua maioria nanicos e sem expressão nacional. A “sopa de letrinhas e de números” prossegue...
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(*) Artigo inserido em minha coluna Perípatos, publicada semanalmente no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará. Este artigo estará, excepcionalmente, amanhã no DT, que não circulou hoje por problema técnicos.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

O “patriotismo” brasileiro: entre patriotices e patriotadas(*)

Terminada a ressaca da Copa da Alemanha, quando muitos brasileiros exercitaram a velha patriotada quadrienal – e que foi interrompida pelas “meias jogadas” do Roberto Carlos e da “selecinha” de Parreira – eis que já começam a rufar novos tambores “patrióticos” em algumas escolas, prometendo atazanar nossos ouvidos até o dia sete de setembro, estendendo-se até o festival de bandas no estádio municipal.
Porque será que nosso “patriotismo” tem que ser tão barulhento e sazonal e não um orgulho que se reflita em ações do dia-a-dia pelo país que dizemos amar? Talvez seja preciso redefinirmos nosso conceito de Pátria: afinal, somos ou não somos todos filhos da Pátria?
O sentimento patriótico não deveria se resumir ao simples ato de vestir o verde-amarelo nos anos da Copa do Mundo. Nossa bandeira tem um círculo que não simboliza necessariamente a bola de futebol, porém, a excelência futebolística brasileira acabou cunhando a célebre metáfora “pátria de chuteiras”, que detona todo o arcabouço de patriotadas da patuléia em busca do tal “sentimento pátrio”, incentivado pelos “pátriocinadores” midiáticos que nos incitam a mudar o visual da vestimenta à ornamentação das ruas. E se a seleção for bem, orgulhosos, cantaremos o hino na rua, mas se os “R´s galvãobuênicos” não funcionarem (como aconteceu na última Copa), haja xingamento impatriótico...
Agora, vem aí nossa escorchante Semana da Pátria, onde voltamos a exercitar patriotices disfarçadas em “desfiles cívicos” e obrigamos nossas crianças e jovens a marchar debaixo de sol ou chuva, ajudando-os desde cedo a associar sentimento patriótico com desfile marcial. Como dizia Vandré, “nos quartéis nos ensinam antigas lições, de morrer pela Pátria ou viver sem razão”. A festejada independência do Brasil da coroa portuguesa foi transformada em data cívica de comemoração da “pátria-mãe liberta” e vem sendo comemorada há 184 anos sempre com pompa marcial, obrigando estudantes (no alto de sua rebeldia juvenil e pouco sabedores do que significa todo esse mis-en-cène) a marcharem feito soldados “cabeça-de-papel”.
Lembro-me quando criança que detestava marchar no “Dia da Raça”(que eu nem entendia o porquê da data) e uma das piores fotos que tirei era exatamente em pose marcial, no meio de alguma rua do centro de Belém, canelas finas em calça boca-de-sino e olhar aparvalhado com sorriso de Mônica! Sentimento tétrico, nada patriótico! No dia sete de setembro assistia ao desfile do Dia da Pátria, do 24° andar do edifício Manuel Pinto da Silva, onde morava, e confesso que vibrava com bandeirinhas verdes de papel na mão, entusiasmado com o nosso potencial bélico desfilando em plena presidente Vargas. Mesmo assim, não entendia aquele tal sentimento patriótico brasileiro que me forçava a desfilar como soldado!
Isso sem contar que por conviver em meio à comunidade helênica belenense que morava naquele prédio, festejava também minha outra data cívica (que ocorreu praticamente na mesma época da do Brasil), quando os gregos se libertaram de 300 anos de dominação do Império Otomano (atual Turquia). As comemorações gregas, em outubro, eram sempre mais festivas que as brasileiras (talvez porque naquela época vivêssemos sob um regime militar, que minha pouca idade conseguia perceber) e o orgulho grego me parecia maior que o brasileiro da semana da Independência.
Pude ver de perto a Semana da Pátria grega, quando vivi em Salônica (norte da Grécia), entre 1988/1991. A indefectível parada militar também se fazia presente, mas era coisa só de militares e não de estudantes. O sentimento patriótico era mais visível, o ano inteiro, afinal a independência do país foi conquistada com sangue numa guerra trissecular onde muitos morreram. Talvez aí resida a grande diferença da nossa “independência”, que foi apenas declarada por D. Pedro I (“antes que um aventureiro lhe lançasse as mãos”, como aconselhara seu pai, D. João VI) e não conquistada nas ruas pelo povo.
Mas voltando à parada marcial, pergunte se algum dos estudantes obrigados a marchar, se sente mais patriota? E nossos ouvidos, nas semanas que antecedem os desfiles? O grande “barato” nas escolas é participar da banda marcial. Quem consegue ser selecionado, ganha status de herói. Se não for na banda, pelo menos como destaque de pelotão, porta-bandeira ou quem sabe uma aluna fazendo balizas em plena avenida. Esse quadro não lembra um pouco o desfile de uma escola de samba? Ou seja, os jovens acabam desfilando mais pela vaidade ou pela vontade de dar espetáculo, ou no mínimo de fazer bonito em nome da escola. Sentimento patriótico? PN.
Para completar o show, tem ainda as grandes disputas de bandas marciais, com suas evoluções e uniformes de gala. Prêmios e garbo juvenil. Tudo no melhor estilo “competição esportiva”. Com direito até de representar a cidade em algum evento interestadual ou nacional (a mídia do Governo do Estado chega a exaltar uma escola de Belém que ganhou um concurso nacional). Sentimento patriótico? PN.
Que não me entendam os patrulhadores de plantão, como um exacerbado defensor de um furor patriótico. Para mim, sentimento patriótico rima com cidadania. E cidadania se conquista com atitudes, a partir de parâmetros educacionais que nosso país infelizmente exila de nosso cotidiano. E é exatamente como exilado, que podemos sentir um patriotismo que aflora de nossas mentes. Quando estamos longe, bate aquela saudade de um país divinamente lindo, pacífico e ao mesmo tempo cruel, com as atrocidades que emergem da desorganização urbana e das injustiça sociais. Como ser patriota num país em que a corrupção se entranha da mais recôndita prefeitura do interior às esferas de poder do Planalto Central?
Sim. É possível ser patriota, acreditar que ainda existe um país a construir, apesar da lama. A pátria que queremos não está nos desfiles do sete de setembro e nem na alegria desvairada do período da Copa do Mundo.
Cabe ao poeta, em seu exílio de embaixador, cantar a Pátria que ninamos em nossos sonhos:
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Pátria Minha
.
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
.
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
.
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
.
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
.
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
”Liberta que serás também”
E repito!
.
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
”Pátria minha, saudades de quem te ama...
.
(Vinicius de Moraes)
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada nesta terça-feira, 08.08.2006, no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

Vale a pena ler de novo (I)

Preparando uma nova fase para este blog, resolvi criar de vez em quando, links para textos já publicados aqui e que acho que poderiam ser relidos e rediscutidos pelos amigos que acompanham minhas palavras.
Começo postando o texto Paralelos em Paris, postado em 18 de julho de 2005 e que tratava de um sempre ídolo e um ex-ídolo meus, em situações paralelas: Chico Buarque e Lula.
A crise petista estava apenas começando, mas o meu desencanto já havia chegado ao fim, pelo menos em relação ao ex-ídolo Lula. Chico tem afirmado que apesar de tudo, ainda vai votar em Lula. Não sei se conseguirei. Pelo menos no primeiro turno poderei votar de outro jeito...

Redivisão territorial - a missão

Num trabalho de fôlego, o jornalista paraense Val-André Mutran (foto), radicado em Brasília, inseriu desde domingo em seu blog dezenas de textos sobre o processo de criação de novas unidades federativas no Brasil, entre elas o Estado do Tapajós.
O jornalista, de Marabá, é um dos entusiastas da criação do Estado do Carajás, e tem debatido o tema junto comigo no Blog do Juvêncio, nosso amigo comum, publicitário, de Belém, que é contrário à divisão do Pará, como já assumiu publicamente em outros debates que fizemos no ano passado, no Blog do Jeso.
Vale a pena ler os comentários do nosso último embate.
Os textos postados por Val-André são longos e cansativos, mas vale a pena serem lidos (ou pelo menos guardados) por quem se interessa pelo tema.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Exercitando meu sentimento “provincimetropolitano” (*)

As luzes que vejo agora pela janela já não são na mesma quantidade das que deixei uma hora atrás. A escuridão da noite que a pequena janela também me proporciona e o cansaço de outras noites mal dormidas, não conseguem arrefecer o êxtase da chegada. A pulsação está mais forte, pois sinto que cheguei em casa e nem o velho medo de viajar em avião me tira esta certeza. O último solavanco da aterrissagem encerra mais um calvário aéreo que sou obrigado a fazer de tempos em tempos.
Carregar uma verdadeira mala sem alça me faz lembrar que fui obrigado a isso por trazer de volta todo o excesso de peso de 15 dias de férias na cidade em que nasci, mas ao arrastar a dita mala pela pista do aeroporto avisto o acanhado terminal de passageiros da cidade em que renasci. Sei que agora realmente estou chegando em casa e naquele lugar começo a exercitar meu eterno sentimento “provincimetropolitano”, de quem divide o coração e a mente por duas realidades distintas entre as cidades que são meu principal corredor de vida nesta imensa Amazônia.
Há menos de uma hora saí de um aeroporto suntuoso, internacional, no qual não piso na pista por onde taxiam os aviões, e sim por corredores de modernidade que não sei se um dia terei o prazer de ver no aeroporto que acabo de chegar. Mas as distâncias entre a Belém/metrópole e a Santarém/província, são maiores que uma hora de vôo.
A balbúrdia no saguão de desembarque, a pequena esteira rolante, os carrinhos que se entrelaçam e a saída tumultuada onde os mesmos taxistas de sempre disputam o exíguo espaço com parentes afoitos e o atabalhoado vigilante que sequer confere as etiquetas das malas, além dos carros saindo em disparada na pista “cariada” que separam o aeroporto da cidade em 15 minutos de martírio, não me deixam nenhuma dúvida: voltei à minha linda província!
O sentimento “provincimetropolitano” continua a fluir enquanto trafego naquela avenida que poderia espantar qualquer turista ao descer do aeroporto. Afinal, se a primeira impressão é a que fica o que dirá o desavisado turista que enfrenta a primeira das maltratadas vias desta cidade?
Mas no meu caso, o sentimento é tão confuso quanta a mistura das palavras contidas no neologismo que criei para descrevê-lo. Santarém, acredito, convive com essa mesma realidade. Afinal, como explicar essa sensação de vivermos numa cidade de eternas esperanças em se tornar uma metrópole, capital de um estado que não sai do papel (a não ser em época de campanha eleitoral), mas que parece não conseguir se desvencilhar de sua condição de província? E até que ponto isto é bom ou é mau?
A escuridão da noite, aliada à falta de iluminação pública, não me deixa ver pela janela do carro as margens da avenida Fernando Guilhon. Mas conheço a imagem de cor e sei que os terrenos com mato cercado e as áreas baldias com jeito de empreendimentos falidos, aliados à extensa fileira de casebres mal-cuidados não são o melhor cartão de visitas de quem chega. Pior ainda quando nos defrontamos com o monstrengo inacabado que chamam de viaduto...
Me vêm à mente imagens de uma cidade que se não é o primor de organização, tem pelo menos uma infra-estrutura urbana um pouco mais civilizada quando se sai do aeroporto. Pelo menos até onde a vista alcança, pois Val-de-cans também tem seus dias de Santarenzinho...
Lá também tem viaduto e túnel inacabado, Mas o asfalto até que trafega na maioria das ruas e os buracos ainda não são tão evidentes como aqui, afinal, cada prefeito que passa faz um recapeamento que consegue tirar essa impressão. Aqui, só as famigeradas operações tapa-buraco que transformam nossas ruas em tapetes de “ocarub”, como dizia um professor no meu curso de letras da UFPa. ao interpretar de forma concretista o anagrama que o buraco tapado representa, ou seja, um buraco ao contrário... Ponto para a metrópole.
Enquanto viajo em direção à minha casa, tento fazer uma viagem mental para comparar a metrópole e a província. As diferenças nem são colossais, mas visivelmente se sobrepõe uma sobre as outras. Enquanto a metrópole é feita de muralhas de concreto que brotam nos bairros, onde cada vez mais gente vê a cidade do alto, aqui não mais que três espigões reinam imponentes em pontos eqüidistantes da cidade. Ponto para a província.
A vida noturna em Belém é bem mais rica, com bares, restaurantes e cinemas, e também mais perigosa. Aqui, a noite cultural pode se resumir a uma fita de DVD (cinema já não há, lembram?) em casa ou os mesmos bares e restaurantes de sempre. Lá espetáculos teatrais, shows musicais. Aqui, quando muito, o salvado Pixinguinha num auditório cheio de goteiras (enquanto divago dentro do carro, ouço a informação de que a Banda Calypso está na cidade... Alívio, me sinto mais próximo da metrópole...). Ponto para Belém.
Apesar da falta de opções culturais, Santarém tem ainda o privilégio de uma enorme janela para o rio, vista da nossa bela orla fluvial, coisa que Belém talvez nunca consiga ter, a não ser de forma envidraçada, na estação das Docas. Ponto para Santarém.
Quanto á área comercial, pode-se dizer que o marasmo e a desordem da Lameira Bittencourt (Santarém) não deixa a desejar ao que ocorre na João Alfredo (Belém). A diferença está nos shoppings-centers, verdadeiros templos de consumo, onde reina a assepsia e a segurança. Ilhas de conforto para quem busca gastar seus míseros trocados. Ponto para a metrópole.
Lembrei que no aeroporto de Belém, assisti a mais uma reportagem do Fantástico sobre a nossa redentora Alter-do-Chão, um paraíso que apesar da falta de infra-estrutura turística e que tenta criar uma atração cultural copiada de Parintins como nova fonte de renda, ainda é mais belo que Salinas e Mosqueiro juntas. Nesse caso pode haver controvérsias, se a preferência for água de mar em vez de água do rio. Empate.
Depois de deixarmos outro passageiro em sua residência, passamos pelo nosso principal corredor de tráfego no centro da cidade, a famosa Ruy Barbosa, agora vazia e trafegável. Me teletransporto à avenida presidente Vargas, em Belém, que tantas vezes andei desde criança e que nestes 15 dias tantas vezes voltei a percorrer, de carro, de ônibus ou pior, a pé. É a visão do inferno! O gargalo que desemboca na praça da república é pior cartão postal da cidade, com carros e pedestres disputando cada espaço, numa alucinante confusão que parece não ter fim. Ponto para Santarém?
Relembro que esse mesmo caos já começa a se reproduzir na Ruy Barbosa, em escala menor é claro, mas é aí que reside o eterno dilema “provincimetroplitano”: até que ponto os avanços do progresso podem ser sinal de felicidade? Como imaginar que uma cidade como Santarém, tão bela quanto foi a Belém do passado, vai sofrer com as conseqüências de uma explosão demográfica anunciada, estrangulando-se por vias sem acesso, sem iluminação, com buracos e com futuros assaltos em cada esquina? Este pode ser o ônus da prosperidade econômica, mas a visão do caos de uma cidade ainda mais mal planejada que Belém, me assusta. O carro chega, entro em casa e meus seis cachorros me recebem com o rabo abanando. O que importa mesmo, é que finalmente cheguei em casa...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada em 01.08.2006 no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará