Ele é contido pelo irmão,
advogado, mas com o dedo em riste na minha direção parece soltar fogo pelas
narinas. Quer que eu seja preso. Não podia conceber que um “moleque” o chamasse
de corrupto, durante o maior programa de audiência, à época, na emissora de
maior penetração por todo o município de Santarém e região oeste do Pará!
O homem era José Ronaldo Campos
de Sousa, à época com 45 anos, prefeito municipal de Santarém, eleito um ano e
meio antes daquele episódio e considerado – até então – o maior líder da
oposição ao regime militar que havia transformado a cidade em Área de
Segurança Nacional, vinte anos antes.
Ronaldo Campos (foto recente, ao lado, do jornal O Impacto), como era
conhecido, foi o grande líder do PMDB, tendo sido vereador, deputado estadual e
deputado federal, antes de ocupar o maior cargo da cidade. Mas em pouco mais de
um ano de administração não havia conseguido provar sua competência, e o pior,
pairava sobre seu governo uma grave acusação de corrupção.
Eu, um jovem repórter de 23 anos,
vindo da militância de esquerda nos movimentos sociais, tinha uma carreira de
jornalista ainda incipiente com quase quatro anos de experiência. Meu crime? Incitei,
um dia antes – através de meu programa “Plantão da Cidade”, que ia ao ar no horário
do meio-dia pela Rádio Rural – que a população pressionasse os vereadores a não
votarem um anteprojeto de Lei do Executivo que previa a “doação” de uma imensa área
pública (no bairro da COHAB e que pertencia a um loteamento) a uma empresa que
pretendia instalar um posto de gasolina no local! Descobriu-se depois que a “doação”,
na verdade, seria uma troca daquela área por milhares de sacas de cimento
oferecidas pela empresa ao prefeito! Ao final do programa, no clima de empolgação por ser o único repórter a dar a notícia (os demais colegas foram pressionados por forças ocultas a silenciar) proferi a famosa frase num tom quase messiânico, que me custou o processo: "Eu ainda acredito no Poder Legislativo! Não quero amanhã, chegar aqui e voltar a chamar de corruptos os vereadores que entrarem na negociata do prefeito! Deixem que ele seja corrupto sozinho!"
Crise política repercute na
capital
O ato insano de Ronaldo Campos dentro
da Rádio Rural acabou saindo pela culatra. Sua popularidade já não era das
melhores. As promessas de campanha em 1985, quando venceu seu maior rival (até
então), o ex-prefeito Ronan Liberal, não se concretizaram. Vivia viajando, sob
a alegação de “busca de recursos”, mas sem sucesso. No meu programa, comecei a
chamá-lo de “prefeito-abelha” (aquele que quando não está voando, está fazendo cera,
como explicava no programa...). O chiste o deixava enfurecido, até porque já
era alvo de galhofas por onde passava. Mas isso pesava menos do que ser chamado
de corrupto!
O correspondente do jornal O
Liberal, o jornalista Manuel Dutra, reverberou o caso no diário da capital, que
à época gozava de grande prestígio. Até mesmo o editorial de O Liberal foi
solidário ao repórter perseguido. Na emissora, foi dado ao prefeito metade do
tempo do programa naquele dia, seguinte ao da denúncia, para se explicar. O
chefe de jornalismo da emissora, Dornélio Silva, achou por bem que eu me
retirasse do estúdio, e ele mesmo realizaria a entrevista. Do outro lado do
vidro, eu olhava Ronaldo enfurecido gesticulando contra mim e me achincalhando,
mas sem explicar sobre a acusação. No dia seguinte, até dom Thiago Ryan, bispo
emérito de Santarém, se solidarizou comigo no programa radiofônico “A Voz do Pastor! Dutra não só reverberou o caso, como cortou uma relação profissional que mantinha com Ronaldo Campos, além de ter intercedido para que eu tivesse um advogado de confiança, já que a grande maioria ou devia favores ou temia Ronaldo Campos. Desse gesto, surgiu uma sólida amizade entre nós e um respeito mútuo entre o mestre e seu futuro discípulo.
A derrota de Ronaldo Campos e o
inicio do processo contra mim
Na Câmara Municipal, neste mesmo
dia 13 de maio de 1987, a oposição (eram 6 vereadores de oposição contra 7 governistas)
se agigantou e com as galerias tomadas por populares, que atenderam ao chamado
do programa um dia antes, acabou por conseguir adiar a votação mais uma vez,
enquanto eu prestava depoimento na delegacia de polícia!
O delegado Alcir Martins Conde
(falecido há um ano), que há pouco havia assumido a delegacia, recebeu pressões
do Governo do Estado (o governador era Hélio Gueiros, do PMDB, já falecido) e
concluiu o inquérito em dois dias(!), me indiciando pelo crime de calúnia, injúria
e difamação, de acordo com a famigerada Lei de Imprensa (Lei 5.250/67, arts. 20,
21 e 22), como solicitou o advogado de Ronaldo.
O rápido inquérito policial foi
levado à Justiça e o Ministério Público, em apenas dois meses, apresentou denúncia
contra mim, transformando-o no processo 301/87, que tramitou na 4ª Vara
Criminal de Santarém.
Havia uma sanha em me tornar um
exemplo, como disse o delegado em seu relatório ao fim do inquérito: “(...) Isto
porque a continuar as acusações, seja desse ou de outro repórter, que só
maculam o bom nome dos denodados e probos homens da sociedade, todos nós
estaremos sujeitos a crimes desta espécie, por pessoas que acusam, e depois
cinicamente procuram esquivar-se jogando a responsabilidade para outras pessoas”.
Esse foi, provavelmente o primeiro processo contra um repórter em Santarém, até onde eu sei (quem souber de outro caso anterior, que me informe). Eu era vice-presidente da recém-fundada Associação dos Radialistas (hoje, Sindicato) e tive apoio da categoria. No dia de prestar depoimento na delegacia, meus colegas da Rádio Rural (à frente os jovens Ivaldo Fonseca, Minael Andrade e Erasmo Moura, além do meu chefe e então presidente do Sindicato dos Radialistas, Dornélio Silva), fizeram questão de me acompanhar na kombi da Rádio e de lá para onde eu fosse. Todos os repórteres acompanharam meu caso e deram destaque nos espaços em que puderam.
Todos temiam pela minha vida, já que Santarém vivia momentos de tensão com crimes de encomenda quase que diários, e a relação do prefeito com empresários suspeitos de participar desses eventos fazia com que todos se preocupassem comigo. Meu pai queria que eu fosse embora para a Grécia imediatamente, depois de receber diversos telefonemas anônimos que anunciavam que meus dias estavam contados! Eu decidi sair só um ano depois, passando três anos num auto-exílio em Salônica (Grécia), na casa de uma tia.
Esse foi, provavelmente o primeiro processo contra um repórter em Santarém, até onde eu sei (quem souber de outro caso anterior, que me informe). Eu era vice-presidente da recém-fundada Associação dos Radialistas (hoje, Sindicato) e tive apoio da categoria. No dia de prestar depoimento na delegacia, meus colegas da Rádio Rural (à frente os jovens Ivaldo Fonseca, Minael Andrade e Erasmo Moura, além do meu chefe e então presidente do Sindicato dos Radialistas, Dornélio Silva), fizeram questão de me acompanhar na kombi da Rádio e de lá para onde eu fosse. Todos os repórteres acompanharam meu caso e deram destaque nos espaços em que puderam.
Todos temiam pela minha vida, já que Santarém vivia momentos de tensão com crimes de encomenda quase que diários, e a relação do prefeito com empresários suspeitos de participar desses eventos fazia com que todos se preocupassem comigo. Meu pai queria que eu fosse embora para a Grécia imediatamente, depois de receber diversos telefonemas anônimos que anunciavam que meus dias estavam contados! Eu decidi sair só um ano depois, passando três anos num auto-exílio em Salônica (Grécia), na casa de uma tia.
Terminado o depoimento na
delegacia, fiz questão de ir ao prédio da Câmara naquele instante em que o projeto seria votado. Lembro que antes de entrar no prédio pensei em comprar um pedaço de esparadrapo para colar na boca e fazer um
protesto silencioso, mas os colegas me demoveram da ideia. Não era bom cutucar
ainda mais a onça com a vara curta... já tinha problemas demais. Chegar à Câmara
lotada e ser aplaudido por populares na entrada, foi o auge! Ali, descobri que
minha sina era ser repórter! Até uma Moção de Solidariedade foi aprovada por
parte dos vereadores!
Os personagens do episódio, ontem
e hoje
A representação do prefeito
Ronaldo Campos contra mim foi assinada pelo advogado José Ronaldo Dias Campos,
seu cunhado. O advogado que o continha na Rádio Rural era Ubirajara Bentes de
Sousa Filho, o Birinha. Ronaldo Campos não conseguiu efetivar a doação (até
porque a empresa desistiu, diante de tanto barulho) e construiu uma creche no
local, homenageando seu pai Ubirajara Bentes de Sousa.
Hoje sou amigo de Birinha e de Zé
Ronaldo. Com o ex-prefeito, que hoje é comentarista político do jornal O Impacto, continuo sem ter qualquer relacionamento social, apesar de já ter boa relação inclusive com um de seus filhos, o Juscelino Kubitschek, que também é blogueiro.
Na Câmara Municipal, a bancada de
oposição era composta pelos vereadores Édson Serique, Oswaldo de Andrade,
Faustino Sales e Godofredo Portela (já falecido), ambos do PDS (antigo Partido Democrático
Social, hoje PP – Partido Progressista), José Walfredo (já falecido) do PFL (antigo
Partido da Frente Liberal, hoje DEM/Democratas), além do vereador Aurélio Pinto,
do PMDB, que apesar de ser do mesmo partido do prefeito havia rompido com ele e
liderou as acusações sobre corrupção. Todos me apoiaram, inclusive durante o
processo movido na Justiça, onde foram testemunhas de defesa. Até hoje tenho um
grande apreço por todos e mantenho boas relações com os que ainda estão vivos
(com os mortos não tive qualquer problema até hoje, também...rsrs).
A bancada governista, toda do
PMDB, era composta dos vereadores Argemiro do Valle (presidente da Câmara),
Arnaldo Lopes, Cláudio Araújo Furtado, Santino Sirotheau, Raimundo Navarro e
outros dois que não me recordo no momento, também ficou dividida. O presidente
Argemiro do Valle chegou a dizer que tinham lhe oferecido proposta em dinheiro
para apoiar o projeto. Arnaldo Lopes e Cláudio Araújo não queriam votar, mas não
externavam publicamente suas posições, limitando-se a se retirar do plenário
quando da votação. Hoje tenho grande amizade com Cláudio Araújo (botafoguense
como eu), por trabalharmos quase que diariamente no Fórum, ele como advogado. Com
os demais nunca tive maiores problemas. Navarro até anunciou um ano antes do
episódio, que apresentaria um projeto concedendo-me Titulo de Cidadão
Santareno, mas eu pedi para não fazê-lo, pois o recusaria publicamente por questionar
a postura da Câmara e ele recuou.
O processo se arrastou na Justiça por anos. Passado o episódio, não houve mais pressão por sua conclusão e, pra minha sorte, acabou arquivado por extinção de punibilidade, ao alcançar a prescrição...
2 comentários:
Jota. Naquela época eu era gerente da rural. O Pedro Evaldir, do cartório do 2º Ofício, foi incumbido de transcrever a gravaçãoa da fita requisitada à rádio rural, mas não tinha meios de reproduzí-la. Eu disse que também não poderia ajudá-lo. Ele devolveu informando da impossibilidade técnica da transcrição (era fita grande de rolo em rotação lenta). E assim a prova mais contundente se tornou imprestável.
O comentário não foi assinado, mas se for quem diz, trata-se de Eduardo dos Anjos, que à época era gerente da Rádio Rural, e hoje, coincidentemente, é meu colega no Fórum, como Oficial de Justiça.
Tenho cópia do processo e sei que ele realmente foi retardado pela falta de reprodução. Mas duas fitas K-7 também fazim parte dos autos, e no final os funcionários do cartório, pelo que depreende dos autos, acabaram tendo que ouvir as fitas e transcrever os diálogos... Mas após isso, o processo continuou parado até prescrever...
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