segunda-feira, 4 de abril de 2005

Cidade

Minha cidade
não cabe em si
de tanta idade

Não é feliz cidade
É apenas mais uma cidade
do lado debaixo do Equador,
eco de toda dor...

Como toda cidade,
é feita de homens
em quatro rodas,
em quatro paredes
e que vivem quatro estações:
- A estação da alegria;
- A estação da tristeza;
- A estação da alegria de não ter muita tristeza;
- E a estação da tristeza de não ter tanta alegria.

Apesar de tudo, minha cidade não é feia.
É apenas uma teia cheia de gente

Gente que corre de gente,
que mata gente ou indigente.
Gente pingente de coletivos
Gente que faz gente
(cada vez mais gente)
E não há jeito de
deter gente de gente ter.

Detergente não há, também.

Mas minha cidade não é suja.
Apenas entrega de lambuja
seu cais a gente sem nome,
que degusta o néctar
dos rios de Iara
com oferendas nada recicláveis...

Minha cidade sonha em ser grande como as grandes cidades
Sonha com grandes portos,
grandes mortos,
grandes estradas,
grandes escadas
rolantes
de comerciantes,
com sorriso no semblante

Minha cidade
se prepara para o futuro.
Homens planejam
o futuro de minha cidade.

Mas enquanto o futuro não chega,
uma outra cidade
dentro de minha cidade
parece ganhar vida própria.

Nesta cidade paralela
homens despejam desejos,
qual despojos de si mesmos,
em corpos inertes que cantam
sedentas árias
de sedentárias
mulheres de esquinas.
Meninas que trocam bonecas por bocas
e em cujos diários só existem noites, boates e boatos:
- De quem está com AIDS.
- De quem está com chatos.

Mas minha cidade não é chata.
É apenas mais uma cidade
do lado debaixo do Equador
eco de toda dor...

Enquanto minha cidade tiver poetas,
mesmo que não tão otimistas como eu,
será uma cidade-luz.

E quando minha cidade entrar no mapa... talvez eu vá pro mato!

Afinal, qual é a minha cidade?
Alguém sabe me dizer?

Talvez minha verdadeira cidade
seja aquela das crianças
cujos sorrisos se emolduram
em dentes cariados,
felizes em saber
que existe um futuro...

...porque não sabem o que este lhes reserva.

Augusto Teixeira

[Um de meus diversos pseudônimos usados em concursos de poesia. A poesia acima integrará a coletânea "21 dedos de prosa (e outros tantos de poesia), que estou preparando em conjunto com o ICBS - Instituto Cultural Boanerges Sena. Veja a nota neste blog "21 dedos"]

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