Pensei em fazer uma reflexão sobre 2020 e logo percebi que poderia cair no lugar-comum que todo mundo vem usando em reportagens e artigos de opinião: o ano anormal, da pandemia do corona vírus, das mortes, dos heróis da linha de frente, da solidariedade mundial e da esperança com a vacina.
Sim, 2020 foi tudo isso e muito
mais. Mas, talvez, um aspecto que se sobressai por trás de todo este cenário seja
a intolerância, em todos os seus aspectos. E vai bem além das sábias palavras
do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) que afirmou que "vivemos
tempos líquidos: nada é para durar".
O ano de 2020 pode ser estudado,
no futuro, como a antessala entre a incoerência e o bom senso mundial (se é que
é possível, um dia, termos algum bom senso na humanidade...). Por isso,
imaginei fazer uma crônica sobre um “tempo sem memória”, que é como avalio que
seja o ano de 2020.
E porque “sem memória”? Parece um
contrassenso dizer que estejamos sem memória, num mundo de tantos avanços
tecnológicos em que a nanotecnologia avançou e um microchip pode conter zilhões
de dados para fazer com que surjam ações movidas por inteligência artificial em
um androide. A robotização do sistema nos levando a acreditar em teorias de
obras do cinema, como Matrix.
Mas é justamente este avanço que,
a exemplo do filme citado, precisa parar através do surgimento de um vírus que
abala a vida e a economia do mundo. Um vírus que assusta a grande maioria dos
líderes mundiais e os força a dar um – como dizem os profissionais de TI – “reboot
no sistema”, ou seja, desligar tudo e reiniciar pra ver se funciona.
Mas é bom recordar que juntamente
com os avanços tecnológicos surgiu a internet, que como uma grande rede mundial
de computadores revolucionou a forma de nos comunicarmos. Deu voz aos
invisíveis, democratizou as opiniões. Mas assim como vieram coisas boas desse
mundo, emergiu também a podridão que acabou inundando o mundo com mentiras e
boatos (as conhecidas fakenews), organizadas por cérebros malignos que se
utilizaram de um tal “algoritmo”, para influenciar eleições no mundo todo,
começando pela Inglaterra (o caso Brexit), passando pelos EUA (eleição de
Donald Trump) e chegando ao Brasil (eleição de Jair Bolsonaro).
Todo esse clima, aliado à
desesperança das populações e somado ao fanatismo religioso e o instinto
belicoso que estava enrustido nas pessoas, criou-se um quadro dantesco que nos
leva ao retrocesso da civilização. Consolida-se, assim, um “tempo sem memória”
que reedita em meio à pandemia reações contra a ciência com pessoas encontrando
eco para teorias como o terraplanismo ou as campanhas anti-vacinação, como as
que ocorreram há um século atrás, quando da pandemia da febre espanhola.
Mas afinal, o que é o tempo?
Mas o tempo continua sendo um
mistério... Na luta para controlarmos o tempo de nossa passagem pela Terra
chegamos à industrialização de remédios, do antibiótico às vacinas antivirais.
Inventamos a doença através da indução ao consumo desenfreado de alimentos que
não nos alimentam, para depois lutarmos contra doenças invisíveis, como a
diabetes (eu que o diga).
Recorrendo ainda à poesia, é bom
lembrar um dos grandes poetas paraenses, nascido em Santarém há um século (data
que passou em branco entre os santarenos), Ruy Barata, que nos encantou com a
estrofe de Pauapixuna: “O tempo tem tempo de tempo ser/O tempo tem tempo de
tempo dar/Ao tempo da noite que vai correr/O tempo do dia que vai chegar”.
Não sou um poeta do quilate de
Caetano ou Ruy, mas também faço alguns versinhos. Num deles, Contratempo, digo
que “O tempo não existe/O que existe é a motivação/representada pelos atos/que
se transformam em fatos” (a poesia completa pode ser encontrada no meu
Facebook, inclusive com um vídeo com bela interpretação de uma amiga atriz,
no link: encurtador.com.br/iAOQU).
O tempo pode estar no giro dos
ponteiros de um relógio ou no rasgar das páginas de um velho calendário. Pode
estar nas rugas que nascem em nossos rostos ou no esbranquiçar de nossos
cabelos. Por isso, o último dia do ano tem um quê de magia, que une vários
suspiros mundo afora, acreditando que a simples ultrapassagem do marco da
meia-noite nos transporta para um novo momento, e com ele a esperança de dias
melhores...
Foi assim, em dezembro de 2019. E
veio a realidade de 2020. Em meio à pandemia, perdemos amigos e parentes. Os
números foram sendo jogados nas telas da TV. E a memória do tempo foi
transformando nosso tempo em um tempo sem memória. Sem memória do que a
história já nos ensinou. Mas talvez a memória de tanta gente boa que se foi, possa nos ajudar a recuperar a memória da
sensatez e deixar de sermos enganados por falsos profetas do apocalipse.
E se existe uma frase poética que mais ilustre a necessidade imperiosa de tomarmos as rédeas do tempo para evitar que sejamos engolidos pela insensatez e insanidade de tiranos loucos, com certeza essa frase é do cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Que 2021 seja o nosso momento de fazer valer a memória dos velhos ensinamentos, e que nunca esqueçamos de 2020, pois como disse o filósofo, poeta e ensaísta espanhol George Santayana (1863-1952): “Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”.
Um comentário:
Cara, eu só acrescentaria o Jogo de Soquetes Tramontina é uma mão a roda, as demais eu concordo parceiro
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