terça-feira, 3 de abril de 2007

Cidadania se constrói nas ruas, em vigílias e manifestos(*)

Existe uma coisa poderosa que “anda nas bocas, anda nos becos” - como diria o poeta - e que vez por outra se revela um impetuoso tsunami capaz de mudar a história, aqui e alhures.
São aqueles seres que geralmente são chamados de “povo”, massa disforme, sem rosto, que costuma encher a boca de gente sem escrúpulos para definir ideais que quase sempre terminam em latas de lixo, mas que um dia se regurgita, se agita, expele sua ira e se esparrama pelas ruas feito lava vulcânica e lava a própria alma.
É aquela gente que sofre e que se resigna, mas que um dia se exaspera e já não espera e parte para uma luta, mesmo que desesperada, em ser mais do que massa de manobra, eleitor, telespectador...
Vez por outra essa gente descobre que a cidade é realmente deles, e não logomarca. É gente que faz um verdadeiro mutirão, puxirum, e não slogan de campanha.
É gente que descobre que cidadania não se forja e nem é uma corja que chega ao poder. É gente que não tem ideologias ou fantasias. Capitalismo, comunismos ou outros “ismos” ficam para trás, porque o mais importante é gritar, é explodir, conquistar a cidadania.
Povo é mais que multidão ensandecida. Povo é poder, quando quem está lá não sabe exercê-lo.
Há muito se debate a eficácia da democracia representativa. Eleger um representante pode ser o começo de uma mudança ou a manutenção de um mesmo caos. Seja nos aeroportos, nas ruas ou num hospital que não funciona. A democracia que esse povo busca, aos poucos passa a ser a participativa.
Democracia e cidadania são conceitos amplos e que podem ser usados apenas como joguetes de minorias. Mas quando aquela gente chamada de povo decide caminhar e cantar, as coisas andam.
Santarém, como qualquer cidade do mundo, vez por outra torna-se palco desse tipo de embate. O povo daqui sabe ser povo quando quer. Pode parecer que na maioria das vezes seja pacífico, beirando o passivo, mas basta uma fagulha, uma centelha, e a gente explode.
Nos últimos tempos vimos Santarém se tornar um quase-cenário de guerra entre grupos que se autodenominam desenvolvimentistas e outros que se acham ambientalistas. Neste caso, ainda há feridas abertas e não houve um clareamento sobre o certo ou o errado. Ou pelo menos o óbvio.
Mas há quase uma década, milhares de pessoas foram às ruas exasperadas por uma situação caótica e se uniram no alto de todos os “ismos” em busca de uma luz no fim do túnel. Literalmente. Era é um tempo de trevas e desculpas esfarrapadas culpando São Pedro pelo apagão de energia. O povo foi às ruas, mesmo com lideranças partidárias que tentavam tirar proveito da situação. Isso nunca faltará. Mas o objetivo era inconteste. Venha a luz do nosso reino. O governador de plantão, capitulou, e imediatamente iniciou as obras do tão sonhado Linhão de Tucuruí.
A saúde era outro problema antigo e que há muito aguardava uma posição. As urnas começaram a ameaçar os poderosos de plantão, e num toque de caixa, lá estava o prédio, construído e inaugurado nas coxas, em busca de preciosos votos para se manter no poder por mais tantos anos.

Maquete do Hospital Regional de Santarém

Mas o povo é impiedoso com quem mente e não se deixa enganar por “presentes de grego” (ops...): surra nas urnas e a esperança de que a lição ficou. Só que a realidade vem e nos mostra que a novela estava apenas começando... Nossa nova luta por cidadania, através de uma democracia participativa é para que aquele prédio não se transforme em mais um elefante branco.
Passados três meses, o hospital não funciona e de repente algumas entidades populares e empresariais lançam um manifesto que atinge o âmago das autoridades de plantão. Está dada a senha para uma nova batalha a ser travada nas ruas, pela nossa cidadania. A resposta do novo governo de que “a ativação do Hospital Regional do Oeste do Pará, no presente momento, representaria uma atitude irresponsável, pois o mesmo não atenderia às necessidades da população”, é no mínimo hipócrita.
Sabe-se que a construção do hospital foi feita a toque de caixa e com objetivos demagógicos de um governo em fim de feira, mas isso não justifica que o novo ocupante do posto não mantenha um canal de diálogo com a população e mostre que realmente tem interesse em fazê-lo funcionar!
Os comentários de bastidores indicam que por trás do hospital há uma disputa política entre o grupo que entrou com o grupo que saiu. Fala-se em cifras de milhões de um convênio espúrio, deixado pela administração passada para que esta assumisse o ônus. E de repente, a solução é matar pelo cansaço quem foi definido como gestor do hospital regional?
O povo, essa massa disforme que vaga em busca de respeito pelas ruas não conhece o grupo que foi escolhido para gerenciar o hospital e nem se interessa se são do PQP ou de outro partido.
Se existe algo de podre no reino da Dinamarca, que o Hamlet de plantão deixe as dúvidas de lado e passe à ação. Se o convênio não é bom para o Estado, porque não o desfizeram?
Se o hospital precisa de outros investimentos para funcionar sua estrutura porque não priorizam essa ação? O mínimo que se espera de um novo governo, é transparência. Paciência tem limites. Depois não entendem porque queremos ser um novo estado.
Vamos construir nossa cidadania nas ruas, com vigílias e manifestos. As autoridades de plantão um dia usaram desses meios e chegaram ao poder. Sabem o que é força do povo e têm que saber separar o joio do trigo. Não adianta sair por aí se escudando no velho jargão defensivo de que existam “más intenções de determinadas frentes políticas”.
Políticos mal intencionados e oportunistas sempre existirão. Fora ou dentro do poder.
Mas a rua é do povo cidadão. Vigilante. Sempre.

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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada em 03.04.2007 no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

12 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Parabéns, Jota.
É uma causa pública, não uma frente política como grosseiramente quer fazer crer a governadora.
Amanhã estarei aí para abraçar o HR, e também a você.
Abs

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Fui eu que retirei o comentário acima, eivado de erros de digitação...rs

Jota Ninos disse...

Falou Juva! Já soube que estará na cidade. Nos falamos por aí...

Anônimo disse...

Jota Ninos,

Parabéns pela felicidade da reflexão. Disseste tudo. Grande análise. Democracia só tem sentido com a ação do demos.

Jota Ninos disse...

Isso mesmo, ilustre ex-quase, e quem sabe futuro, deputado! M epermita o trocadilhho: há "pontes" que precisam ser transpostas para certas vitórias...

Aldrwin Hamad disse...

Na fé cega da política partidária o "demo" a que se referiu o dr. Helenilson acaba sendo exorcisado, dia após dia, ano após ano num ritual lento e gradual de destruição de suas entranhas, ora com repressão e tortura e posteriormente com uma ilusão hipnótica de que "deuses" cuidarão do corpo enquanto a alma duela com suas assombrações. Lutemos para deixar os demos livres.

Parabéns J pelo texto.
Sinto que estamos entrando numa nova era na cidade. Um momento onde as cabeças "destravadas" que esta terra gerou estão dando o retorno do investimento.
A sua compreensão que parece óbvia para alguns ainda é algo chocante e inexplicavelmente ofensivo para outros que insistem na farsa, na mentira e na ilusão alheia.

Textos como este teu ajudam a sociedade a interpretar e adquirir pontos de vista diferentes do que o Stablishment (eu li seu ultimo artigo and i do speak portuguese)prega.


Este é um daqueles momentos que não podemos deixar passar. É preciso apoio de todos os lados que enxergam a importância de eventos como estes contra as "forças ocultas" que por mais incrível que pareça vem, nesta hora, justamente de quem passou a vida toda sofrendo com falsas acusações e desvirtuação ideológica.

Que a culpabilidade pelas causas sejam punidas pela justiça, mas o que interessa agora é que vidas sejam salvas com a esrtutura existente.

Anônimo disse...

Jota.
Insuperável, fantástico ! Um abraço cidadão.
Erik L. Jennings Simões

Anônimo disse...

Jota,
estou convocando aliados para cruzarmos as pontes juntos, afinal não constitui tarefa fácil..Quem topa?...rsss..

Jota Ninos disse...

Com jovens revolucionários como os "internacionais" Hamad e Jennings, Helenilson, certamente chegaremos lá! (rsrsrs)

O primeiro passo da tropa de "estrangeiros" (inclusos aí o italiano Tibério e o grego Ninos) já foi dado hoje na sinela, porém belíssima manifestação pelo HRPO (a próxima luta é para mudar essa sigla chinfrim...rsrsr)

Anônimo disse...

Oi Amigo,

Desejo a vc muito sucesso, vc tem um grande potencial e que deve ser
explorado, e que bom ter um blog que reflete a tua conduta: Ética.

"Dizem que informaçao é poder,isso nao é verdade.
Ética é poder."

Bj


Raquel Santana

Anônimo disse...

"Povo é mais que multidão ensandecida. Povo é poder, quando quem está lá não sabe exercê-lo".
- Grande J, parece vinho, quanto mais velho melhor fica, será que são as aulas do velho mestre Dutra?

Dudu Dourado

Jota Ninos disse...

Obrigado, Raquel e Dudu. Sejam sempre bem-vindos a este humilde blog.