Brasileiro gosta de carro, é o que dizem as propagandas por aí. E talvez seja verdade. Pelo menos da minha parte nunca tive objeção a essas máquinas. Mas minha relação com carros tem seus altos e baixos...
Lembro do primeiro carro da família, um Corcel de duas portas comprado no início dos anos 70. Foi nele que tomei algumas aulas de como... não dirigir.
Meu pai me botava no colo (era muito baixinho para pisar nos pedais) quando íamos para as praias fora de Belém (Marudá era a preferida) e me deixava segurar o volante na estrada. A intenção era que eu ganhasse confiança e pudesse ter senso de direção, no carro e na vida. Mas acho que até hoje meu senso de direção ainda é meio atabalhoado. Assim, depois de várias vezes em que escapei de arrancar algumas árvores pelo caminho fui proibido pela família, em votação unânime, de voltar a sentar no colo do papai-motorista.
Mas não escapei de acidentes automobilísticos, apesar de não estar no volante. Foram dois, sempre, na estrada entre Belém e as praias. Saí ileso nas duas vezes, mas vi algumas pessoas da família feridas. Pelo menos não aconteceu fatalidade maior. No último, o Corcel virou uma sanfona e eu fiquei preso nas ferragens, mas sem me machucar.
Talvez por isso, criei um certo complexo com carros por algum tempo. Aos 21, resolvi ter uma velha Mobyllette (aquela da minha estréia como repórter, que já contei aqui). Era o começo de minha paixão pelas duas rodas. Além dela tive duas Honda CG 125 e achei que não precisava de quatro rodas. Me bastavam os quatro olhos... Até que um dia caí de quatro por um velho fusquinha azul, anos 70, que acabei arrematando por uma bagatela.
Isso aconteceu quando resolvi ter uma família no início dos anos 90 e o fusquinha veio a calhar. O problema é que ele vivia mais tempo na oficina do que rodando por aí. Tinha um problema crônico que ninguém conseguia resolver: vivia pegando fogo, sozinho! Acho que ele tinha um complexo de Tocha Humana, aquele personagem do Quarteto Fantástico. “Tem que trocar a fiação”, me dizia o eletricista toda vez que eu levava para fazer um reparo. Como custava caro e eu não estava nadando em dinheiro, ia adiando o serviço à base de gambiarras.
Além do complexo flamejante, meu carrinho conviveu por um bom tempo com outro complexo que todo santareno tem ao andar nas nossas maltratadas ruas e que foi detectado por um professor de Latim que tive na UFPa. (Raimundo Nonato) que vivia dizendo: “o pior dos buracos de Santarém é que ninguém faz recapeamento geral do asfalto: só se faz operação tapa-buraco”. Daí, segundo ele, surge o que ele chamava de “complexo de ocarub”, que nada mais é do que um palíndromo dessa palavra, ou seja, um buraco ao contrário! “Pior que um buraco – dizia o professor - é o buraco apenas tapado que cria dezenas de obstáculos nas ruas e que acabam com a suspensão dos carros”.
Ele tinha razão. Para andar em Santarém um carro comum sofre muito, ou desviando de buracos ou trepidando sobre centenas de “ocarub”... É o primeiro cartão-postal que qualquer visitante da cidade logo conhece ao descer do aeroporto! Triste realidade dos trópicos!
Mas voltando ao fusquinha, seis meses depois e pequenos incêndios aqui e acolá, achei que era hora de passá-lo adiante. Um mecânico me ofereceu uma ninharia por ele, mas resisti. Um certo dia dava voltas pela cidade, ciceroneando meu irmão recém-chegado a Santarém. De repente, o carro parou num bairro de periferia: prego de português! Estávamos sem gasolina!
Lá fomos nós, empurrando o carro pelo areião até o próximo posto. Chegamos ao local num dia em que um caminhão fazia o abastecimento do posto e vários carros aguardavam a vez. O cheiro de gasolina era intenso. “Bota dez reais!” (era o que eu tinha no bolso), disse ao frentista que me pediu para esperar um pouco enquanto atendia outros clientes. Meu irmão de língua pra fora já estava arrependido de me visitar. O calor era intenso e enquanto aguardávamos o atendimento do frentista virei a chave na ignição ligando a bateria, para acionar o ventilador. Meu irmão foi tomar um refri e eu sentei no fusquinha admirando a movimentação, meio que inebriado com a gasolina.
De repente, vejo meu irmão correndo em minha direção, fazendo sinais desesperados. Frentistas correram do posto para a rua! Motoristas abandonaram seus carros! E eu sem entender nada, até sentir um cheiro já conhecido: o fusquinha havia começado a pegar fogo, dentro do posto de gasolina!
A labareda subiu pelo teto, já chamuscado. Desliguei a chave e peguei o extintor, mas estava vazio! Os homens gritavam “sai daí!”. Meu irmão veio me acudir. Desesperado, peguei um carote com água perto de uma bomba de gasolina e apontei em direção ao fogo, mas um frentista gritou agoniado “isso é querosene!”. Parei no meio do caminho.
Até que meu irmão teve a idéia salvadora: correu para a rua – sem asfalto – e carregou uma pequena quantidade de terra do areião com as mãos espalmadas em concha e jogou sobre o fogo. Fiz o mesmo e os frentistas também. Depois de alguns minutos e milhares de palavrões, conseguimos debelar as chamas. Não entendi porque os frentistas não me permitiram mais colocar gasolina... E lá fomos, eu e meu irmão, empurrando o fusquinha até o próximo posto...
No dia seguinte vendi o carrinho por uma ninharia. Meu irmão nunca mais quis andar de carro comigo.
Só recentemente resolvi comprar um carro com menos problemas. Continuo enfrentando apenas o “complexo de ocarub”. A gente acaba se acostumando com a herança que nossos administradores deixam a cada governo. Pelo menos incêndio, nunca mais.
É bom andar no meu carrinho e rir dessa história, relembrando o velho fusquinha flamejante.
Mas espera aí, que cheiro é esse?...
Lembro do primeiro carro da família, um Corcel de duas portas comprado no início dos anos 70. Foi nele que tomei algumas aulas de como... não dirigir.
Meu pai me botava no colo (era muito baixinho para pisar nos pedais) quando íamos para as praias fora de Belém (Marudá era a preferida) e me deixava segurar o volante na estrada. A intenção era que eu ganhasse confiança e pudesse ter senso de direção, no carro e na vida. Mas acho que até hoje meu senso de direção ainda é meio atabalhoado. Assim, depois de várias vezes em que escapei de arrancar algumas árvores pelo caminho fui proibido pela família, em votação unânime, de voltar a sentar no colo do papai-motorista.
Mas não escapei de acidentes automobilísticos, apesar de não estar no volante. Foram dois, sempre, na estrada entre Belém e as praias. Saí ileso nas duas vezes, mas vi algumas pessoas da família feridas. Pelo menos não aconteceu fatalidade maior. No último, o Corcel virou uma sanfona e eu fiquei preso nas ferragens, mas sem me machucar.
Talvez por isso, criei um certo complexo com carros por algum tempo. Aos 21, resolvi ter uma velha Mobyllette (aquela da minha estréia como repórter, que já contei aqui). Era o começo de minha paixão pelas duas rodas. Além dela tive duas Honda CG 125 e achei que não precisava de quatro rodas. Me bastavam os quatro olhos... Até que um dia caí de quatro por um velho fusquinha azul, anos 70, que acabei arrematando por uma bagatela.
Isso aconteceu quando resolvi ter uma família no início dos anos 90 e o fusquinha veio a calhar. O problema é que ele vivia mais tempo na oficina do que rodando por aí. Tinha um problema crônico que ninguém conseguia resolver: vivia pegando fogo, sozinho! Acho que ele tinha um complexo de Tocha Humana, aquele personagem do Quarteto Fantástico. “Tem que trocar a fiação”, me dizia o eletricista toda vez que eu levava para fazer um reparo. Como custava caro e eu não estava nadando em dinheiro, ia adiando o serviço à base de gambiarras.
Além do complexo flamejante, meu carrinho conviveu por um bom tempo com outro complexo que todo santareno tem ao andar nas nossas maltratadas ruas e que foi detectado por um professor de Latim que tive na UFPa. (Raimundo Nonato) que vivia dizendo: “o pior dos buracos de Santarém é que ninguém faz recapeamento geral do asfalto: só se faz operação tapa-buraco”. Daí, segundo ele, surge o que ele chamava de “complexo de ocarub”, que nada mais é do que um palíndromo dessa palavra, ou seja, um buraco ao contrário! “Pior que um buraco – dizia o professor - é o buraco apenas tapado que cria dezenas de obstáculos nas ruas e que acabam com a suspensão dos carros”.
Ele tinha razão. Para andar em Santarém um carro comum sofre muito, ou desviando de buracos ou trepidando sobre centenas de “ocarub”... É o primeiro cartão-postal que qualquer visitante da cidade logo conhece ao descer do aeroporto! Triste realidade dos trópicos!
Mas voltando ao fusquinha, seis meses depois e pequenos incêndios aqui e acolá, achei que era hora de passá-lo adiante. Um mecânico me ofereceu uma ninharia por ele, mas resisti. Um certo dia dava voltas pela cidade, ciceroneando meu irmão recém-chegado a Santarém. De repente, o carro parou num bairro de periferia: prego de português! Estávamos sem gasolina!
Lá fomos nós, empurrando o carro pelo areião até o próximo posto. Chegamos ao local num dia em que um caminhão fazia o abastecimento do posto e vários carros aguardavam a vez. O cheiro de gasolina era intenso. “Bota dez reais!” (era o que eu tinha no bolso), disse ao frentista que me pediu para esperar um pouco enquanto atendia outros clientes. Meu irmão de língua pra fora já estava arrependido de me visitar. O calor era intenso e enquanto aguardávamos o atendimento do frentista virei a chave na ignição ligando a bateria, para acionar o ventilador. Meu irmão foi tomar um refri e eu sentei no fusquinha admirando a movimentação, meio que inebriado com a gasolina.
De repente, vejo meu irmão correndo em minha direção, fazendo sinais desesperados. Frentistas correram do posto para a rua! Motoristas abandonaram seus carros! E eu sem entender nada, até sentir um cheiro já conhecido: o fusquinha havia começado a pegar fogo, dentro do posto de gasolina!
A labareda subiu pelo teto, já chamuscado. Desliguei a chave e peguei o extintor, mas estava vazio! Os homens gritavam “sai daí!”. Meu irmão veio me acudir. Desesperado, peguei um carote com água perto de uma bomba de gasolina e apontei em direção ao fogo, mas um frentista gritou agoniado “isso é querosene!”. Parei no meio do caminho.
Até que meu irmão teve a idéia salvadora: correu para a rua – sem asfalto – e carregou uma pequena quantidade de terra do areião com as mãos espalmadas em concha e jogou sobre o fogo. Fiz o mesmo e os frentistas também. Depois de alguns minutos e milhares de palavrões, conseguimos debelar as chamas. Não entendi porque os frentistas não me permitiram mais colocar gasolina... E lá fomos, eu e meu irmão, empurrando o fusquinha até o próximo posto...
No dia seguinte vendi o carrinho por uma ninharia. Meu irmão nunca mais quis andar de carro comigo.
Só recentemente resolvi comprar um carro com menos problemas. Continuo enfrentando apenas o “complexo de ocarub”. A gente acaba se acostumando com a herança que nossos administradores deixam a cada governo. Pelo menos incêndio, nunca mais.
É bom andar no meu carrinho e rir dessa história, relembrando o velho fusquinha flamejante.
Mas espera aí, que cheiro é esse?...
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(*)Artigo inserido esta semana em minha coluna semanal Perípatos, publicada no encarte regional Diário do Tapajós, do jornal Diário do Pará. A "tentativa de charge" foi mal feita por mim, um péssimo webdesigner, a partir de fotos montadas.
3 comentários:
Ki coisa naum...
hauhauahu
Aff, já pensou se explode o posto, quero nem imaginar.
Menino carro velho é assim mesmo, eu sei mto bem disso hauhauau
Passa no meu blog, num eh taum interessante, mas...
Beijos
Oi, meu querido estou fazendo um trabalho sobre o SAIRE, preciso de ajuda nas minhas pesquiss, já que estou em Sao Paulo e o material aqui é escasso, tens como me ajudar??? Gostria tambem da materia de Manoel Dutra, como encontro
alias meu mail é nanafg@ig.com.br
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