Desculpem-me pelo atraso na publicação, mas nesse blog é assim: um dia a coisa sai!
Í r i s
Caminhando por linhas tortuosas, saltitando erupções, mesclando ao suor o pó das minhas ruas. O visco que fica tem o cheiro da minha cidade. Cheiro de povo, o que às vezes não é nada agradável. Sempre, porém, é a cidade entranhada em mim, entre a derme e a epiderme, sem chance de sair com um simples banho de chuveiro.
À medida que os passos caminham por si, paisagens várias se me acumulam os olhos, cenários vários. E minha menina passeia feliz pelos brinquedos rotos das praças, pela relva queimada, tufos castigados de sol do santo dia, pelas ruelas e becos estranhos e solenes. Os paralelepípedos das ruas (inexistentes, a não ser em meus devaneios poéticos) ferem os pés.
Mas a menina não liga. Íris é seu nome, e ela passeia, me levando a conhecer a cidade que já conheço. Sem ela sou cego. É ela quem observa os sinaleiros, as placas, os carros. Ela é quem me atravessa a rua após olhar os dois lados, como aprendi com a professora de infância. Usa-me como linha a costurar ruas tortas, becos mínimos, calçadas sem calçadas da minha cidade.
Ah! menina, mostra-me a cidade como quem o faz a um turista daqui mesmo. Mostra-me a cidade minha, que já conheço e que está tão em mim amalgamada.
É esta, a de linhas tortas e horizontes levemente arqueados. De rios que não se misturam por medo de perder sua identidade. De ilhas flutuantes que sempre crescem mais e mais, e se multiplicam e se proliferam...
O cheiro de povo vem de novo. Exala dos cascos das embarcações, das praias mortas a beira-rio, dos costumes e crenças de cada esquina, do concreto do cais do porto.
Barracas de peixe frito ao lado de sub-MacDonalds lembram minha alma de moleque, estranho moleque que não soltava pipa, não brincava gude ou pião, não esquadrinhava as ruas com a turma barulhenta, mas que já naquela época tinha sede de liberdade. Mesmo sendo uma liberdade presa no terreno grande de casa, imensa prisão disfarçada de mundo.
A cidade que conheci estava ali. A que me mostra agora minha menina é outra e a mesma, estranha e íntima como a segunda namorada, que da primeira não tenho lembranças.
Minha cidade em mim entranhada é corpo estranho em meu próprio corpo, é corpo largado nas ruas mais perigosas, nos cantos mais escuros. É corpo virgem a quem são mostrados os discretos motéis de beira de estrada. Corpo suado de correr na orla, de malhar no meio-fio. Corpo de prazer. Corpo de delito.
Minha menina é sábia. A cidade que me mostra é aquela que já sei. A das boates da noite, bares da vida em cuja mesa de pano verde às vezes passo meu tempo. E ela, a minha menina, me auxilia a encaçapar bolas, a namorar meninas outras já da vida, a sentir o prazer de olhar de perto (com auxílio de mãos e dedos e outras partes do corpo) tantos segredos semi-escondidos, semimostrados.
Menina sem corpo, que me pertence. Cidade sem porto que me prende. Paixão sem rosto que me atende os desejos mais vis, mais abjetos, mais sublimes. Toma minha frente, menina. Leva-me atrás de si a descobrir de novo minha cidade. A visitar seus portos e suas tendas, seus luares e lupanares. Pores-de-sol. Os lugares que não conheço, os que conheço e não uso, por medo talvez, ou vergonha, de que percebam que não sou daqui.
A cidade que me desconhece me esconde em si, e há tantos lugares, tantos desencontros marcados em suas esquinas, em seus velhos casarões do Centro, que nem centro é, é frente (estranha cidade em que a frente é centro, o centro é periferia e a periferia é mato, ou outra cidade).
..............................................................
De repente me vejo, eu e minha menina, em outro cenário, outra cidade. Esta não é minha, nunca foi. Para um paraense de Santarém não existe outra cidade. Só há o brilho da Pérola do Tapajós em meio às águas do grande rio. Sinto falta das suas praias de rio, limpas de águas e de branco areal.
Minha menina já não me leva a passeio. Parece cansada. Na verdade, creio que é saudade da nossa cidade, onde éramos livres e à qual estávamos presos. Mas agora estamos aqui, embora não haja Fortaleza de São José que se compare às paredes em ruínas do nosso Castelinho.
Nesta cidade, nomes como “Çairé”, “Borari”, “Alter-do-Chão” e “Encontro das águas” soam estranhos. As raízes são outras, os nomes também. Zerão, Marco Zero, Fortaleza. A Cidade do Meio do Mundo pulsa cheia de vida, mas fico trancado, eu e minha menina, contemplando as paredes brancas e os labirintos de teia que formam mandalas nos vãos do teto. Os tambores no meio do mundo chamam ao requebro, o marabaixo estende seu balanço pelo mar inteiro, rio inteiro e suas margens. Mas eu nunca fui de dança. E o trapiche só traz saudade de outro, mais famoso e querido porque já não existe senão na lembrança dos antigos santarenos. A cidade não é minha. Quisera que fosse.
Fosse minha, mandava ladrilhar com minhas lembranças felizes da cidade minha outra. Fosse minha, não sofreria tanto pela falta de areia branca das praias de verdade, nem pela falta de todas as pequenas coisas que me deixaram marcas indeléveis. Não sentiria a saudade que advém do cheiro de maresia entranhado nas embarcações ao longo do rio, nem a falta das serenatas nas noites enluaradas da minha terra.
Do meu quarto, entre paredes brancas e teto de barro, com a visão presa no emaranhado cintilante das teias caleidoscópicas, quedamos eu e minha menina, sozinhos, saudosos de outras terras, de outros momentos. Vem, menina. Para melhor suportar essas horas de solidão, deixa eu te envolver, abraçar com a minha pele, sentir teu toque escorregadio, lubrificado. E sonhar recordações.
Por que nessas linhas carregadas de palavras incestuosas, de laços impróprios entre um homem e sua menina, um simples fechar de pálpebras mitiga um pouco a saudade.
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Minha menina (Íris é seu nome) está entranhada nesses olhos que brilham agora por trás das lentes míopes de meus óculos...
À medida que os passos caminham por si, paisagens várias se me acumulam os olhos, cenários vários. E minha menina passeia feliz pelos brinquedos rotos das praças, pela relva queimada, tufos castigados de sol do santo dia, pelas ruelas e becos estranhos e solenes. Os paralelepípedos das ruas (inexistentes, a não ser em meus devaneios poéticos) ferem os pés.
Mas a menina não liga. Íris é seu nome, e ela passeia, me levando a conhecer a cidade que já conheço. Sem ela sou cego. É ela quem observa os sinaleiros, as placas, os carros. Ela é quem me atravessa a rua após olhar os dois lados, como aprendi com a professora de infância. Usa-me como linha a costurar ruas tortas, becos mínimos, calçadas sem calçadas da minha cidade.
Ah! menina, mostra-me a cidade como quem o faz a um turista daqui mesmo. Mostra-me a cidade minha, que já conheço e que está tão em mim amalgamada.
É esta, a de linhas tortas e horizontes levemente arqueados. De rios que não se misturam por medo de perder sua identidade. De ilhas flutuantes que sempre crescem mais e mais, e se multiplicam e se proliferam...
O cheiro de povo vem de novo. Exala dos cascos das embarcações, das praias mortas a beira-rio, dos costumes e crenças de cada esquina, do concreto do cais do porto.
Barracas de peixe frito ao lado de sub-MacDonalds lembram minha alma de moleque, estranho moleque que não soltava pipa, não brincava gude ou pião, não esquadrinhava as ruas com a turma barulhenta, mas que já naquela época tinha sede de liberdade. Mesmo sendo uma liberdade presa no terreno grande de casa, imensa prisão disfarçada de mundo.
A cidade que conheci estava ali. A que me mostra agora minha menina é outra e a mesma, estranha e íntima como a segunda namorada, que da primeira não tenho lembranças.
Minha cidade em mim entranhada é corpo estranho em meu próprio corpo, é corpo largado nas ruas mais perigosas, nos cantos mais escuros. É corpo virgem a quem são mostrados os discretos motéis de beira de estrada. Corpo suado de correr na orla, de malhar no meio-fio. Corpo de prazer. Corpo de delito.
Minha menina é sábia. A cidade que me mostra é aquela que já sei. A das boates da noite, bares da vida em cuja mesa de pano verde às vezes passo meu tempo. E ela, a minha menina, me auxilia a encaçapar bolas, a namorar meninas outras já da vida, a sentir o prazer de olhar de perto (com auxílio de mãos e dedos e outras partes do corpo) tantos segredos semi-escondidos, semimostrados.
Menina sem corpo, que me pertence. Cidade sem porto que me prende. Paixão sem rosto que me atende os desejos mais vis, mais abjetos, mais sublimes. Toma minha frente, menina. Leva-me atrás de si a descobrir de novo minha cidade. A visitar seus portos e suas tendas, seus luares e lupanares. Pores-de-sol. Os lugares que não conheço, os que conheço e não uso, por medo talvez, ou vergonha, de que percebam que não sou daqui.
A cidade que me desconhece me esconde em si, e há tantos lugares, tantos desencontros marcados em suas esquinas, em seus velhos casarões do Centro, que nem centro é, é frente (estranha cidade em que a frente é centro, o centro é periferia e a periferia é mato, ou outra cidade).
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De repente me vejo, eu e minha menina, em outro cenário, outra cidade. Esta não é minha, nunca foi. Para um paraense de Santarém não existe outra cidade. Só há o brilho da Pérola do Tapajós em meio às águas do grande rio. Sinto falta das suas praias de rio, limpas de águas e de branco areal.
Minha menina já não me leva a passeio. Parece cansada. Na verdade, creio que é saudade da nossa cidade, onde éramos livres e à qual estávamos presos. Mas agora estamos aqui, embora não haja Fortaleza de São José que se compare às paredes em ruínas do nosso Castelinho.
Nesta cidade, nomes como “Çairé”, “Borari”, “Alter-do-Chão” e “Encontro das águas” soam estranhos. As raízes são outras, os nomes também. Zerão, Marco Zero, Fortaleza. A Cidade do Meio do Mundo pulsa cheia de vida, mas fico trancado, eu e minha menina, contemplando as paredes brancas e os labirintos de teia que formam mandalas nos vãos do teto. Os tambores no meio do mundo chamam ao requebro, o marabaixo estende seu balanço pelo mar inteiro, rio inteiro e suas margens. Mas eu nunca fui de dança. E o trapiche só traz saudade de outro, mais famoso e querido porque já não existe senão na lembrança dos antigos santarenos. A cidade não é minha. Quisera que fosse.
Fosse minha, mandava ladrilhar com minhas lembranças felizes da cidade minha outra. Fosse minha, não sofreria tanto pela falta de areia branca das praias de verdade, nem pela falta de todas as pequenas coisas que me deixaram marcas indeléveis. Não sentiria a saudade que advém do cheiro de maresia entranhado nas embarcações ao longo do rio, nem a falta das serenatas nas noites enluaradas da minha terra.
Do meu quarto, entre paredes brancas e teto de barro, com a visão presa no emaranhado cintilante das teias caleidoscópicas, quedamos eu e minha menina, sozinhos, saudosos de outras terras, de outros momentos. Vem, menina. Para melhor suportar essas horas de solidão, deixa eu te envolver, abraçar com a minha pele, sentir teu toque escorregadio, lubrificado. E sonhar recordações.
Por que nessas linhas carregadas de palavras incestuosas, de laços impróprios entre um homem e sua menina, um simples fechar de pálpebras mitiga um pouco a saudade.
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Minha menina (Íris é seu nome) está entranhada nesses olhos que brilham agora por trás das lentes míopes de meus óculos...
(Crônica contemplada com menção honrosa no I Concurso Literário “Macapá com todas as Letras”, de 2006)
2 comentários:
"Viva a Eutanásia. Abaixo o Sofrimento".
O "Axioma Matemático da Eutanásia" é enunciado da seguinte forma: "O doente
terminal é que decide se não quer morrer ou se quer morrer. E mais ninguém".
Em especial a Indústria Farmacêutica!
Nota: Para aqueles que julguem que eu tenho qualquer coisa contra a Indústria
Farmacêutica, aqui vai uma boca que eu costumo dizer:
Dou um bilião (mil milhões) de vezes mais valor a um comprimido para a dôr de
cabeça do que a todos os Deuses/deuses ao cimo da Terra juntos.
Curiosidade:
Era uma vez dois velhinhos. Ambos estavam reformados. Ambos recebiam uma pensão
baixa. Ela estava internada e cinco vezes por dia rezava ao Deus/deus dela para
a levar para junto dele pois sofria muito.
Até que um dia chegou a Eutanásia. Ela foi para junto do Deus dela e deixou de
sofrer. O marido também deixou de sofrer por ela. E passou a receber duas
pensões. Tinha deixado de ser pobre.
Uns anos depois, numa excursão a Fátima, conheceu uma velhina, cujo marido tinha morrido uns anos antes
com a Eutanásia. Ela também recebia duas pensões.
E casaram (sem papéis).
Há cerca de dez (10) anos que são felizes.
Braga (mas Lisboeta, "A Invasão Mourisca,
"http://jn.sapo.pt/2007/02/27/opiniao/a_invasao_mourisca.html ) 31.5.2007
JOSÉ DA SILVA MAURÍCIO para os que não gostam de Anónimos.
ANÓNIMO para os que não gostam de armantes.
E para os restantes, J#o? d/ sI&v? Ma+/+u)io (Assinatura ilegível).
mauricio_102@sapo.pt
http://eunaodesisto.blogs.sapo.pt
Gianni gia soy o FOTIS TZORTZIS eimai. O odontiatros poy soy ekane kapote ta dontia stin Ellada. Thesalloniki. (Dorina) Otan mathenes ti glosa. Ti ginete?
Grapse moy nea soy. Eida oti egines diasimos apo ta liga portoygezika poy katalaveno. An den eisai toso Poliasholos Pes moy to E-mail soy na ta poyme. Se pethimisa. To diko moy e-mail einai
25510@maibox.gr kai 5557@mail.gr
Eho Polla nea na soy Po
Den katalava kala pos mporo na epikinoniso me sena
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