Não pretendia voltar a falar de futebol nesta coluna, como fiz no dia da estréia da seleção brasileira na Copa da Alemanha (13/06). Não é um tema que domino, apesar de, como todo brasileiro, ser fissurado nele. Mas não poderia deixar de escrever sobre as decepções que nos foram impingidas nesta e em outras Copas, por aquela que insiste em nos roubar os melhores sonhos: a elite bur(r)ocrata brasileira.
Minha paixão pela Copa começou em 1970, quando tinha 7 anos e de qual guardo vagas lembranças de belas jogadas de Pelé & Cia., no México. Lembro-me mais da euforia em casa, onde fogos de artifícios eram acionados na varanda de meu apartamento, no 24º andar do então edifício mais alto da Amazônia, o Manuel Pinto da Silva, em Belém.
A primeira copa que assisti por inteiro mesmo foi a de 1974 (na então Alemanha Ocidental), inclusive com o privilégio de ser um dos poucos paraenses a assistir uma transmissão em cores do jogo de estréia da seleção brasileira: a extinta TV Guajará, que na época transmitia o sinal da Globo em Belém e ocupava todo o 25º andar do prédio, convidou alguns vizinhos para ver a novidade tecnológica ainda em fase de testes.
Meu olhar de 11 anos ainda não havia percebido que exatamente naquele ano eu começaria a presenciar a tentativa da elite bur(r)ocrata de nos roubar a beleza daquele esporte do qual éramos tricampeões mundiais e que adotamos como nosso, desde que o abençoado inglês Charles Miller nos apresentou à uma bola couro e às regras de um esporte recém-inventado pelos súditos da Rainha, no final século XIX.
O que aconteceu nesta Copa, na Alemanha unificada, parece muito com o que nos aconteceu há 30 anos. Após a Copa de 1970, onde brilhamos como nunca, acharam que Zagallo podia repetir o feito (para o delírio dos militares) mesclando alguns jogadores da copa anterior com novos talentos. Mas a bur(r)ocracia já havia tomado conta da então CBD (hoje CBF). Só havíamos empatado sem gols com a Iuguslávia e com a Escócia e passamos à próxima fase por causa dos três frangos providenciais do goleiro do Zaire, para vencer a Alemanha Oriental por 1X 0 e a Argentina por 2 X 1 nas quartas de final, acreditando que estávamos no caminho certo. Mas havia um carrossel holandês, no meio do caminho...
O holandês Crujff e seus comandados deram um show naquela copa com uma tática revolucionária de ataque e defesa do time todo, que envolvia os adversários, e marcou 16 gols (tomando apenas 3) em 7 jogos, com 5 vitórias (uma contra o Brasil, em 2 X 0), 1 empate e apenas a fatídica derrota na final contra a dona da casa, a Alemanha. Não era uma questão de estatística, como o bur(r)ocrata Parreira e o mesmo Zagallo de 1974, gostam de usar em suas explicações sobre recordes de gols e de vitórias. Era um jogo bonito, para fazer a torcida vibrar, com competência e estilo.
Nas copas seguintes, a bur(r)ocracia continuaria imperando. Os militares acabaram colocando um representante seu no comando da seleção, o capitão do exército Cláudio Coutinho, que vai à Argentina e perde para... os militares argentinos.
Em 1982 (Espanha) e 1986 (México), a magia parecia querer voltar a campo com Telê Santana, Zico, Sócrates & Cia. O time nos deu as maiores alegrias com jogadas espetaculares, e principalmente determinação em campo, só perdeu por jogar sem muita responsabilidade nos jogos decisivos contra Itália (82) e França (86).
Em 1990, a estupidez dos bur(r)ocratas (agora na Era Collor) nos apresentou uma seleção liderada pelo técnico Sebastião Lazaroni e por Dunga e vários outros jogadores medíocres, que não se atreviam passar do meio de campo, na Itália. Sofri assistindo aos jogos, na Grécia (onde passei três anos), e foi lá que comecei a estudar o futebol pois havia a possibilidade de trabalhar como repórter naquela Copa, integrando a primeira equipe da Rádio Rural para uma transmissão internacional. Pena que os planos foram por água abaixo, por causa do Plano Collor.... Acabei acompanhando a mediocridade dos “canarinhos” pela TV, até sermos eliminados pela Argentina do Dieguito! Estava decretado o fim do futebol-arte!
Apesar do fiasco de 1990 a filosofia tinha que continuar, pois o que valia era o resultado. Por isso, nos empurraram o Parreira que nos trouxe, em 1994, a tão sonhada quarta estrela ao decidir a Copa dos Estados Unidos num 0 X 0 com a Itália, nas cobranças de pênaltis. Mas insosso, impossível! Houve momentos de brilho, mas só através de jogadas individuais com a dupla Romário e Bebeto. O coletivo já não existia (só aquela palhaçada marqueteira de entrar em campo com as mãos dadas). E haja berro de Galvão Bueno e de um ensandecido Pelé: “É Tetra! É Tetra!”. Confesso que comemorei, mas com restrições.
Aí os bur(r)ocratas acharam que o Penta era moleza. Levaram o Zagallo de novo à França (1998) usando a mesma tática de 74: mesclar veteranos com novatos e esperar uma jogada de gênio. O problema é que o gênio de então (Ronaldinho Fenômeno) teve uma convulsão na última partida, e Zidane (sem convulsão), da mesma França de 1986, arrasou a gente.
Quatro anos depois, no Japão, o Penta chega. É verdade que com mais emoção e um Ronaldinho refeito. Mas havia um Felipão aguerrido, em busca do gol, mesmo que sem muito brilho, mas com raça e determinação, empurrando o time até à final e vencendo os alemães. Vitória convincente, muito embora estivesse longe do futebol-arte.
2006. Favoritos. Adormecidos em campo. “Vamos crescer na competição”, nos diz o mesmo Parreira, acreditando que na Alemanha repetiria os Estados Unidos. O time jogou sempre em busca de uma vitória de meio a zero, só para passar para a próxima fase. Apesar de adversários fracos, suamos para vencer as primeiras partidas. Fomos dominados por Gana, apesar de aplicar um 3 X 0 pouco convincente. E lá vem Zidane, para nos lembrar o quanto continuamos medíocres...
A elite bur(r)ocrata venceu. Assim como vem vencendo nos campeonatos estaduais e no Brasileirão. A mesma elite que destruiu o futebol paraense e santareno. É a mesma elite que acaba com os campinhos de várzea e com a possibilidade de um futebol mais democrático.
Mas o futebol, essa força pujante que trazemos do berço, continuará criando novas estrelas que, infelizmente, irão cada vez mais cedo brilhar em campos europeus, e na hora de vestir a camisa da Nike, pensarão duas vezes antes de uma dividida com os Zidanes da vida, estes sim comprometidos com o futebol-arte...
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Minha paixão pela Copa começou em 1970, quando tinha 7 anos e de qual guardo vagas lembranças de belas jogadas de Pelé & Cia., no México. Lembro-me mais da euforia em casa, onde fogos de artifícios eram acionados na varanda de meu apartamento, no 24º andar do então edifício mais alto da Amazônia, o Manuel Pinto da Silva, em Belém.
A primeira copa que assisti por inteiro mesmo foi a de 1974 (na então Alemanha Ocidental), inclusive com o privilégio de ser um dos poucos paraenses a assistir uma transmissão em cores do jogo de estréia da seleção brasileira: a extinta TV Guajará, que na época transmitia o sinal da Globo em Belém e ocupava todo o 25º andar do prédio, convidou alguns vizinhos para ver a novidade tecnológica ainda em fase de testes.
Meu olhar de 11 anos ainda não havia percebido que exatamente naquele ano eu começaria a presenciar a tentativa da elite bur(r)ocrata de nos roubar a beleza daquele esporte do qual éramos tricampeões mundiais e que adotamos como nosso, desde que o abençoado inglês Charles Miller nos apresentou à uma bola couro e às regras de um esporte recém-inventado pelos súditos da Rainha, no final século XIX.
O que aconteceu nesta Copa, na Alemanha unificada, parece muito com o que nos aconteceu há 30 anos. Após a Copa de 1970, onde brilhamos como nunca, acharam que Zagallo podia repetir o feito (para o delírio dos militares) mesclando alguns jogadores da copa anterior com novos talentos. Mas a bur(r)ocracia já havia tomado conta da então CBD (hoje CBF). Só havíamos empatado sem gols com a Iuguslávia e com a Escócia e passamos à próxima fase por causa dos três frangos providenciais do goleiro do Zaire, para vencer a Alemanha Oriental por 1X 0 e a Argentina por 2 X 1 nas quartas de final, acreditando que estávamos no caminho certo. Mas havia um carrossel holandês, no meio do caminho...
O holandês Crujff e seus comandados deram um show naquela copa com uma tática revolucionária de ataque e defesa do time todo, que envolvia os adversários, e marcou 16 gols (tomando apenas 3) em 7 jogos, com 5 vitórias (uma contra o Brasil, em 2 X 0), 1 empate e apenas a fatídica derrota na final contra a dona da casa, a Alemanha. Não era uma questão de estatística, como o bur(r)ocrata Parreira e o mesmo Zagallo de 1974, gostam de usar em suas explicações sobre recordes de gols e de vitórias. Era um jogo bonito, para fazer a torcida vibrar, com competência e estilo.
Nas copas seguintes, a bur(r)ocracia continuaria imperando. Os militares acabaram colocando um representante seu no comando da seleção, o capitão do exército Cláudio Coutinho, que vai à Argentina e perde para... os militares argentinos.
Em 1982 (Espanha) e 1986 (México), a magia parecia querer voltar a campo com Telê Santana, Zico, Sócrates & Cia. O time nos deu as maiores alegrias com jogadas espetaculares, e principalmente determinação em campo, só perdeu por jogar sem muita responsabilidade nos jogos decisivos contra Itália (82) e França (86).
Em 1990, a estupidez dos bur(r)ocratas (agora na Era Collor) nos apresentou uma seleção liderada pelo técnico Sebastião Lazaroni e por Dunga e vários outros jogadores medíocres, que não se atreviam passar do meio de campo, na Itália. Sofri assistindo aos jogos, na Grécia (onde passei três anos), e foi lá que comecei a estudar o futebol pois havia a possibilidade de trabalhar como repórter naquela Copa, integrando a primeira equipe da Rádio Rural para uma transmissão internacional. Pena que os planos foram por água abaixo, por causa do Plano Collor.... Acabei acompanhando a mediocridade dos “canarinhos” pela TV, até sermos eliminados pela Argentina do Dieguito! Estava decretado o fim do futebol-arte!
Apesar do fiasco de 1990 a filosofia tinha que continuar, pois o que valia era o resultado. Por isso, nos empurraram o Parreira que nos trouxe, em 1994, a tão sonhada quarta estrela ao decidir a Copa dos Estados Unidos num 0 X 0 com a Itália, nas cobranças de pênaltis. Mas insosso, impossível! Houve momentos de brilho, mas só através de jogadas individuais com a dupla Romário e Bebeto. O coletivo já não existia (só aquela palhaçada marqueteira de entrar em campo com as mãos dadas). E haja berro de Galvão Bueno e de um ensandecido Pelé: “É Tetra! É Tetra!”. Confesso que comemorei, mas com restrições.
Aí os bur(r)ocratas acharam que o Penta era moleza. Levaram o Zagallo de novo à França (1998) usando a mesma tática de 74: mesclar veteranos com novatos e esperar uma jogada de gênio. O problema é que o gênio de então (Ronaldinho Fenômeno) teve uma convulsão na última partida, e Zidane (sem convulsão), da mesma França de 1986, arrasou a gente.
Quatro anos depois, no Japão, o Penta chega. É verdade que com mais emoção e um Ronaldinho refeito. Mas havia um Felipão aguerrido, em busca do gol, mesmo que sem muito brilho, mas com raça e determinação, empurrando o time até à final e vencendo os alemães. Vitória convincente, muito embora estivesse longe do futebol-arte.
2006. Favoritos. Adormecidos em campo. “Vamos crescer na competição”, nos diz o mesmo Parreira, acreditando que na Alemanha repetiria os Estados Unidos. O time jogou sempre em busca de uma vitória de meio a zero, só para passar para a próxima fase. Apesar de adversários fracos, suamos para vencer as primeiras partidas. Fomos dominados por Gana, apesar de aplicar um 3 X 0 pouco convincente. E lá vem Zidane, para nos lembrar o quanto continuamos medíocres...
A elite bur(r)ocrata venceu. Assim como vem vencendo nos campeonatos estaduais e no Brasileirão. A mesma elite que destruiu o futebol paraense e santareno. É a mesma elite que acaba com os campinhos de várzea e com a possibilidade de um futebol mais democrático.
Mas o futebol, essa força pujante que trazemos do berço, continuará criando novas estrelas que, infelizmente, irão cada vez mais cedo brilhar em campos europeus, e na hora de vestir a camisa da Nike, pensarão duas vezes antes de uma dividida com os Zidanes da vida, estes sim comprometidos com o futebol-arte...
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(*) Artigo que estará em minha coluna Perípatos nesta terça-feira (04/07), publicada no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.
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