sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Um manifesto virtual em busca de uma reação real

Samuel Lima (foto ao lado), professor e jornalista santareno radicado em Santa Catarina, esteve recentemente em Santarém e participou de um encontro com jornalistas santarenos, quando afirmou que “estamos perdendo a capacidade de nos indignar”, diante da pasmaceira que o século XXI nos impõe, através da janela da grande mídia. Mas, vez por outra, somos sacudidos por alguém que, em nome de princípios que parecem ter se perdido num mundo longínquo um pouco ali, além da esquina, despertam-nos de uma iminente e perigosa letargia que pode corroborar com as palavras de Samuel.
No final de dezembro, outro jornalista que também saiu daqui e ajudou a escrever parte da história da comunicação dos últimos 30 anos, resolveu levantar essa poeira no mundo virtual, mas à espera de uma reação no mundo real. Falo do manifesto virtual que circula na internet, mais precisamente no blog do jornalista Jeso Carneiro, escrito por Manuel Dutra (foto abaixo), e que toca em pelo menos dois problemas cruciais no que se refere à qualidade de vida em Santarém nos últimos anos: a necessidade de arborização da cidade e o fim da calamidade pública em que se transformou o trânsito.
Depois de elencar sua ótica dos problemas, o jornalista sugere alguns pontos que deveriam ser assumidos pelos leitores daquele espaço cibernético, para se traduzirem em ações no mundo real. Diz inicialmente que cada comentário ao seu manifesto, deve ser entendido como uma inscrição automática “neste movimento que não pretende ser uma campanha (campanha é palavra desgastada, coisa que tem começo, meio e fim)”. Para Dutra, um movimento deve ser algo permanente, “uma imensa usina de idéias, sugestões e que, no médio prazo, produza efeitos práticos junto ao poder público e às forças organizadas da sociedade”.
O jornalista pede ainda que, ao participar do manifesto, qualquer internauta envie “idéias, sugestões, pensamento novo capaz de gerar ações novas e inovadoras” como forma de ser “um motivador de atitudes positivas das pessoas, individual e coletivamente”. E finaliza conclamando àqueles que abraçarem a idéia, de irem além da apresentação de sugestões, e tentarem se “reunir presencialmente para discussões e mesmo para a formação de um grupo organizado de luta pela qualidade de vida em Santarém”.
A nota de Dutra já tem mais de 20 comentários no próprio blog, mas já foi além disso: um grupo de pelo menos 20 pessoas de diferentes níveis e profissões, resolveu há duas semanas realizar um primeiro encontro para debater como as propostas de Dutra poderiam ser transformadas em ações concretas. Apesar de heterogeneidade do grupo que se reuniu em torno de uma mesa de bar, a conversa mostrou que existe gente de várias idades e pensamentos políticos com vontade de se indignar com o que se vê na cidade.
O segundo passo será organizar essa indignação e transformá-la em ação. Eu estive nesse primeiro encontro e aguardo ansioso pela próxima reunião. Mas não com a ânsia de apenas reunir e ficar num eterno blá-blá-blá, que muita gente têm feito nos últimos anos. Desse tipo de conversa estou escaldado. Há dois anos, eu, o professor Anselmo Colares (foto abaixo) e o próprio Jeso Carneiro, falávamos de reativar grupos de debates que existiram na década de 1980 em torno dos problemas da cidade. Chegamos a vislumbrar a criação de um fórum, mas acabamos nem dando um passo sequer nessa direção. Até que criamos espaços virtuais na internet, como os blogs, e esse fórum começou a ganhar corpo. Cibernético, por enquanto.
Como forma de contribuir para o debate, coloco o espaço de minha coluna aqui no Diário do Tapajós, para trazer para o mundo “um pouco mais real” da impressão em papel, onde pelo menos as palavras são “palpáveis”... E quem sabe conseguir outros adeptos para algumas das idéias e informações que circulam naquele blog, como por exemplo, a contribuição do médico Erick Jennings que afirmou “estamos formando uma legião de mutilados” ao comentar números que dispõe sobre acidentes de trânsito no Hospital Municipal. Segundo ele, só em 2006, foram registrados 3.142 acidentes de trânsito, dos quais 1.870 (60%) foram por moto. Ele diz ainda que pelo menos 390 pacientes de toda a região foram operados para correção de lesões graves, devido a esses acidentes com motos, sendo que desse total, segundo sua estimativa 234 pessoas (40%) seriam de Santarém! Ele constata ainda que “a taxa de morbidade para algumas seqüelas físicas, por pelo menos 1 ano, ultrapassa os 90%”, ou seja, “a cada 36 horas temos mais um mutilado na cidade”.
Eu mesmo, ao comentar o manifesto de Dutra, me referi a uma conversa que tive em dezembro com a prefeita Maria do Carmo (com Lula na foto ao lado), quando de sua visita à TV Tapajós onde trabalho na função de Assessor Corporativo de Comunicação da empresa, e toquei no tema “trânsito”, tendo como testemunha a empresária Vânia Maia. Sobre o fenômeno dos mototáxis, disse que surgiu em decorrência de dois fatores sociais extremamente graves: a falta de empregos para a juventude e a demanda reprimida do transporte coletivo urbano que não atende satisfatoriamente o cidadão, pois qualquer um sabe que esperar um ônibus após os horários do rush (início e final da manhã e da tarde), quando as empresas deliberadamente retiram das linhas grande parte de sua frota, é um martírio!
O desrespeito das empresas com o usuário é grande e desproporcional com todas as benesses que têm recebido do Poder Público em termos de aumento de passagem. A prefeita nos relatou que já havia naquele momento uma movimentação dos empresários por aumento de tarifa(!), mas garantiu que nem receberia em gabinete aqueles que ousarem falar disso, afinal eles ainda não cumpriram (como sempre fazem) com sua parte no último acordo com a prefeitura!
Acredito que Santarém necessita de um planejamento do trânsito e do serviço de transporte coletivo, antes que a balbúrdia que hoje se verifica nas ruas chegue ao nível do que ocorre em Belém, como já escrevi neste espaço há algum tempo.
Defendo que se pense na criação de mini-terminais de interligação rodoviária em alguns bairros-pólo, o que obrigaria as linhas de ônibus a circularem no trecho menor, com mais rapidez, e evitaria que todas as linhas convergissem para as ruas centrais, transformando-as em gargalos. Isso possibilitaria também, que um cidadão, por exemplo, pudesse sair do Amparo para a Jaderlândia, sem precisar pegar dois ônibus ou passar pelo Centro, já que o ticket comprado no terminal possibilitaria essa viagem de um extremo ao outro da cidade pelo mesmo valor. A prefeita disse que já teria tentado realizar algo nesse sentido, mas encontrou empecilhos para a liberação de verbas junto ao Governo Federal, sob a alegação de que “Santarém ainda não precisa de um sistema desse tipo”. Pode até ser verdade essa sensação do Governo Federal, mas não se pode pensar em algo para o futuro, quando o futuro já está batendo à nossa porta! Como explicar que o Governo Federal liberou verbas para um viaduto na Cuiabá com a Fernando Guilhon, apostando no caos do trânsito quando a BR-163 estiver asfaltada? Creio que o conceito é o mesmo.
Vânia Maia (foto abaixo) citou, nessa mesma conversa, a experiência que viu de perto em uma cidade do interior de São Paulo, onde microônibus atendem às populações dos bairros mais distantes enquanto os ônibus comuns fazem rotas em avenidas principais, desafogando estas vias. Sugeriu que a prefeita busque exemplos em outras cidades que possam servir de modelo às nossas necessidade. Se essa questão dos ônibus for resolvida, o mototáxi deixa de ser um problema e ai será preciso apenas um controle nas dezenas de milhares de motos que tomaram contas de nossas ruas e que ainda hoje, apesar da clandestinidade, mantém pontos de espera no centro sem que nada seja feito. E a população só deixará de utilizar esse serviço, quando o transporte coletivo for mais cidadão.
Na próxima semana, continuo apresentando as reflexões de outras pessoas que assinaram o manifesto de Dutra. Se você ainda não o leu e nem o assinou, não perca a oportunidade de se indignar.
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada na edição de 30.01.2007, no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

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