Fazia algum tempo que eu não andava pelo centro da cidade num início de semana. Aproveitei, ontem, o ponto facultativo determinado pelo Tribunal de Justiça do Estado (do qual sou funcionário) à todas as comarcas do Pará, em razão do “Recírio de Nazaré” que tradicionalmente se realiza em Belém, e dei umas voltas a pé pela área central da cidade entre o velho Mercado Modelo e a praça São Sebastião.
Quase sempre quando ocorrem essas folgas inusitadas, aproveito para organizar processos em meu cartório ou arrumar minha casa. Na melhor das hipóteses, durmo até mais tarde e depois curto TV e Internet até voltar ao batente.
No cartório, minha rotina é viver arrumando pilhas de processos, relendo as histórias dos crimes e capitulação penal. Tento botar em ordem centenas de pastas de documentos, carimbos e relatórios. Da mesma forma, nos computadores (do trabalho e de casa) organizo milhares de textos, imagens, músicas e vídeos em pastas padronizadas. Em casa, na medida do possível, arrumo o que há muito está armazenado em caixas de minha “papeloteca” (um quarto com quinquilharias, livros, jornais, revistas e textos diversos, inclusive artigos e poesias que escrevi e que acumulo desde a adolescência!).
Apesar de detestar a burocracia – que é parte do meu cotidiano num cartório criminal – adoro colecionar papéis em suas mais variadas formas, de folderes publicitários à coleção de santinhos de candidatos (!), de jornais carcomidos pelo tempo a fotos desbotadas pela umidade. Minha mulher vive ameaçando tocar fogo em tudo, mas sabe que eu queimaria junto e acaba desistindo...
Esse cotidiano ainda não é perfeitamente arrumado, mas segue um padrão mínimo de organização. Só que a busca do perfeccionismo metódico deixa seqüelas na minha cabeça e de repente começo a me sentir um tanto “robótico”. As idéias fluem e vou tentando armazená-las na cabeça como se abrisse pastas e arquivos. As lembranças de fatos de um passado distante ou recente são acondicionados em uma memória virtual de neurônios, à espera de transformarem-se em textos que “imprimo” com primeira caneta que encontrar numa folha qualquer, isso quando não tenho um computador à minha frente.
Mas ontem resolvi sair em busca do que eu chamo de “terapia do caos”, ou seja, ver de perto a bagunça que impera no centro da cidade e respirar um pouco da confusão para contrabalançar o equilíbrio e a serenidade que tenho buscado freneticamente. Uma espécie de relax às avessas.
Fazer esse perípatos pelo nosso centro ainda não chega a ser perigoso como andar na área central de Belém, mais caótica que a nossa. Mesmo assim, em pouco mais de três horas tenho que driblar o trânsito na Rui Barbosa onde os ônibus e os moto-táxis disputam o mesmo espaço com pedestres; atravessar os corredores de redes estendidas e bolsas falsificadas do que um dia se chamou “Complexo Arquitetônico da Conceição”, que abrange as praças Monsenhor José Gregório (Matriz), da Bandeira (sem bandeira), do Relógio (sem relógio) e Bettendorf (ou será Paulo Rodrigues?), tudo isso transformado num verdadeiro camelódromo onde se compra de bijuteria (despu)dourada a aparelhos de DVD “made in Taiwan”; me acotovelar com pessoas apressadas, ser abordado por hippies e seus ornamentos ou enfrentar filas de uma lotérica onde todo mundo acalenta o mesmo sonho: ficar milionário e comprar uma ilha só pra si; ou ainda, massacrar os ouvidos com a propaganda volante ensurdecedora, que vende de tecidos a candidatos ao Governo ou conviver com a barulheira das caixas de som de igrejas evangélicas que disputam fiéis na Rui Barbosa (o Cineramma sucumbiu e acabou virando um templo!) ou os vendedores da Lameira Bittencourt, nossa rua central do comércio equivalente à João Alfredo da capital, que tentam nos arrastar aos berros para dentro de suas lojas.
É aí que me deparo com outra visão caótica, mas que tem um objetivo diferente: a rua central do comércio está tomada de tapumes e homens trabalhando freneticamente com marretas para quebrar o piso. É a obra municipal, menina dos olhos da prefeitura e dos comerciantes, que é tocada com vigor em meio a uma campanha política e às vésperas das festas de fim-de ano. Já vi a maquete do projeto chamado pela atual administração de Belocentro e se tudo for feito como está previsto, pode ser o começo do fim do caos. Perco minha “terapia”, mas ganho uma cidade mais decente.
O projeto é uma obra simples que qualquer administrador sério já deveria ter realizado. Mas, antes tarde do que nunca. Só que é preciso que se ressalte que não basta embelezar a rua principal do comércio, que do jeito que está lembra mais os corredores do mercado de Istambul (Turquia) em que já andei há 15 anos, onde comprar é quase um suplício. É preciso que o Belocentro se estenda até à Rui Barbosa, que se continuar do jeito que está pode vir a ser um clone da avenida Presidente Vargas, de Belém, um gargalo de gente e ferro fundido que mais parece a visão do inferno de Dante!
E não serão somente obras como a do Belocentro que poderão diminuir a sensação de caos que se vive em nossa área central. É preciso que seja implementada uma política de segurança constante, com um pouco de disciplina controlada pelos agentes de trânsito e da tão sonhada Guarda Municipal que até hoje não saiu do papel para organizar nossos logradouros públicos. Quem sabe após o conturbado Plano Diretor, possa-se vislumbrar tais mudanças.
Uma cidade como Santarém, que pretende ser capital, deveria começar mostrando que sua área central pode ser menos caótica e mais humana. Enquanto isso não acontece, vou de vez em quando por lá, nos próximos pontos facultativos, fazer minha “terapia do caos”. Mas, sinceramente, preferiria não ter essa opção...
Quase sempre quando ocorrem essas folgas inusitadas, aproveito para organizar processos em meu cartório ou arrumar minha casa. Na melhor das hipóteses, durmo até mais tarde e depois curto TV e Internet até voltar ao batente.
No cartório, minha rotina é viver arrumando pilhas de processos, relendo as histórias dos crimes e capitulação penal. Tento botar em ordem centenas de pastas de documentos, carimbos e relatórios. Da mesma forma, nos computadores (do trabalho e de casa) organizo milhares de textos, imagens, músicas e vídeos em pastas padronizadas. Em casa, na medida do possível, arrumo o que há muito está armazenado em caixas de minha “papeloteca” (um quarto com quinquilharias, livros, jornais, revistas e textos diversos, inclusive artigos e poesias que escrevi e que acumulo desde a adolescência!).
Apesar de detestar a burocracia – que é parte do meu cotidiano num cartório criminal – adoro colecionar papéis em suas mais variadas formas, de folderes publicitários à coleção de santinhos de candidatos (!), de jornais carcomidos pelo tempo a fotos desbotadas pela umidade. Minha mulher vive ameaçando tocar fogo em tudo, mas sabe que eu queimaria junto e acaba desistindo...
Esse cotidiano ainda não é perfeitamente arrumado, mas segue um padrão mínimo de organização. Só que a busca do perfeccionismo metódico deixa seqüelas na minha cabeça e de repente começo a me sentir um tanto “robótico”. As idéias fluem e vou tentando armazená-las na cabeça como se abrisse pastas e arquivos. As lembranças de fatos de um passado distante ou recente são acondicionados em uma memória virtual de neurônios, à espera de transformarem-se em textos que “imprimo” com primeira caneta que encontrar numa folha qualquer, isso quando não tenho um computador à minha frente.
Mas ontem resolvi sair em busca do que eu chamo de “terapia do caos”, ou seja, ver de perto a bagunça que impera no centro da cidade e respirar um pouco da confusão para contrabalançar o equilíbrio e a serenidade que tenho buscado freneticamente. Uma espécie de relax às avessas.
Fazer esse perípatos pelo nosso centro ainda não chega a ser perigoso como andar na área central de Belém, mais caótica que a nossa. Mesmo assim, em pouco mais de três horas tenho que driblar o trânsito na Rui Barbosa onde os ônibus e os moto-táxis disputam o mesmo espaço com pedestres; atravessar os corredores de redes estendidas e bolsas falsificadas do que um dia se chamou “Complexo Arquitetônico da Conceição”, que abrange as praças Monsenhor José Gregório (Matriz), da Bandeira (sem bandeira), do Relógio (sem relógio) e Bettendorf (ou será Paulo Rodrigues?), tudo isso transformado num verdadeiro camelódromo onde se compra de bijuteria (despu)dourada a aparelhos de DVD “made in Taiwan”; me acotovelar com pessoas apressadas, ser abordado por hippies e seus ornamentos ou enfrentar filas de uma lotérica onde todo mundo acalenta o mesmo sonho: ficar milionário e comprar uma ilha só pra si; ou ainda, massacrar os ouvidos com a propaganda volante ensurdecedora, que vende de tecidos a candidatos ao Governo ou conviver com a barulheira das caixas de som de igrejas evangélicas que disputam fiéis na Rui Barbosa (o Cineramma sucumbiu e acabou virando um templo!) ou os vendedores da Lameira Bittencourt, nossa rua central do comércio equivalente à João Alfredo da capital, que tentam nos arrastar aos berros para dentro de suas lojas.
É aí que me deparo com outra visão caótica, mas que tem um objetivo diferente: a rua central do comércio está tomada de tapumes e homens trabalhando freneticamente com marretas para quebrar o piso. É a obra municipal, menina dos olhos da prefeitura e dos comerciantes, que é tocada com vigor em meio a uma campanha política e às vésperas das festas de fim-de ano. Já vi a maquete do projeto chamado pela atual administração de Belocentro e se tudo for feito como está previsto, pode ser o começo do fim do caos. Perco minha “terapia”, mas ganho uma cidade mais decente.
O projeto é uma obra simples que qualquer administrador sério já deveria ter realizado. Mas, antes tarde do que nunca. Só que é preciso que se ressalte que não basta embelezar a rua principal do comércio, que do jeito que está lembra mais os corredores do mercado de Istambul (Turquia) em que já andei há 15 anos, onde comprar é quase um suplício. É preciso que o Belocentro se estenda até à Rui Barbosa, que se continuar do jeito que está pode vir a ser um clone da avenida Presidente Vargas, de Belém, um gargalo de gente e ferro fundido que mais parece a visão do inferno de Dante!
E não serão somente obras como a do Belocentro que poderão diminuir a sensação de caos que se vive em nossa área central. É preciso que seja implementada uma política de segurança constante, com um pouco de disciplina controlada pelos agentes de trânsito e da tão sonhada Guarda Municipal que até hoje não saiu do papel para organizar nossos logradouros públicos. Quem sabe após o conturbado Plano Diretor, possa-se vislumbrar tais mudanças.
Uma cidade como Santarém, que pretende ser capital, deveria começar mostrando que sua área central pode ser menos caótica e mais humana. Enquanto isso não acontece, vou de vez em quando por lá, nos próximos pontos facultativos, fazer minha “terapia do caos”. Mas, sinceramente, preferiria não ter essa opção...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada em 24.10.2006, no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.
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