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terça-feira, 6 de março de 2007

Quero ser mulher na próxima encarnação! (*)

Quem começou a ler este artigo, provavelmente já deve ter pensado “Hum! Isso é coisa de homossexual enrustido!”. Ledo engano: o verdadeiro “macho” é aquele que sabe conviver com seu lado feminino e no meu caso, reconhecer que o mundo é das mulheres e que nós, homens, somos um nada sem elas.
Não é a primeira vez que escrevo sobre isso. Há uns 20 anos escrevi um texto nessa mesma linha no extinto “O Tapajós” e o resultado não poderia ser outro: fui extremamente ridicularizado por colegas do sexo masculino durante várias semanas. Muitos passaram até a duvidar de minha masculinidade! Em compensação recebi os mais calorosos elogios do sexo feminino (e de certa forma até tirei proveito disso...). Afinal, sempre acreditei que o homem que consegue liberar sua alma feminina é mais completo, e as mulheres reconhecem isso. Naquela época, apesar da ousadia, de certa forma me arrependi em ter escrito aquele texto. Tive que deixar a poeira baixar e retomar o tema agora. Não só porque os tempos mudaram, mas porque hoje não sou apenas um garoto fazendo um texto ousado e sim um homem maduro com preocupações mais extremas a serem refletidas neste século XXI.
O cinema está cheio de exemplos sobre essa disputa titã entre os sexos e a necessidade de se conhecer o outro lado (quem não assistiu, que assista o filme com Tony Ramos e Glória Pires, “E se eu fosse você”, ou Mel Gibson vivendo o estereótipo de machão que descobre a alma feminina em “Do que as mulheres gostam”).
E volto a este tema exatamente porque os paradigmas mudaram e a tolerância com temas que eram tabus é bem maior em nossa sociedade atual. Isso não significa que eu esteja imune de ser ridicularizado de novo, pois apesar da mudança de paradigmas ainda existem muitas pessoas por aí que não conseguem dar vazão às fantasias, e aí sim, serem pessoas enrustidas do tipo que “jogam pedras nas Genis” do nosso dia-a-dia, como diria Chico Buarque de Hollanda. Por falar no meu grande ídolo, ele é considerado o poeta que mais entendeu a alma feminina ao escrever canções na voz delas e cumprir um importante papel na desmistificação do mundo machista. No caso de Chico, lembro que li em um dos livros que tentaram interpretar este gênio a citação sobre a existência de um estudo desenvolvido por psicólogos, na década de 1960, de que a alma do artista é feminina, pois o processo de criação se assemelha à concepção de um filho: primeiro o artista “engravida” da idéia, depois esta passa por um período de “gestação”, até que se realize um “parto”, quando a idéia vem ao mundo em forma de um produto artístico-intelectual (in: "Amor, ódio e reparação", de Joan Riviére e Melanie Klein). Genial, não?
Che Guevara, o argentino que liderou a Revolução cubana ao lado de Fidel Castro, também é considerado um grande homem de alma feminina por ter dito a célebre frase: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás" (“Há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura”). Há algo mais revolucionário do que isso? A força da mulher está em toda a parte, pois até o nome da Amazônia, onde eu vivo, surgiu de uma lenda grega sobre as guerreiras Amazonas que certamente povoava a “alma feminina” do colonizador que se inspirou nelas para nomear o nosso majestoso rio!



O mote para escrever este artigo é igual àquele de 20 anos atrás: o Dia Internacional da Mulher, que será comemorado em todo o mundo (menos nos Estados Unidos) depois de amanhã. A data relembra o sacrifício de operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque, que fizeram uma grande greve em 8 de março de 1857. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada sendo que aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas. Somente 53 anos depois, durante uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que a data passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher", decisão esta oficializada em 1975, através de um decreto, pela ONU (Organização das Nações Unidas). Os Estados Unidos, como sempre, desrespeitando a ONU não comemoram nem esta data e nem o 1º de maio, que relembra um fato idêntico também ocorrido lá.
Mas não quero fazer homenagem às mulheres por este dia. Na verdade quero contestar esta data e dizer que o “Dia Internacional da Mulher” é todo dia. Fala-se também que nos dias de hoje as mulheres “conquistaram os espaços antes reservados somente aos homens”. Errado! Apenas ocuparam o que era seu de direito. Basta olhar em volta e ver que elas aos poucos tomam conta de tudo e nós, "pobres homens" somos relegados à nossa insignificância! O que seria de nós sem elas?
Pode parecer exagero fazer tais afirmações. O debate dicotômico e maniqueísta entre o “Sim” e o “Não”, tende a ser combatido pelo “Talvez”. O meio-termo aristotélico pode ser a busca do equilíbrio em todas as ações. Mas estou convencido que no nosso caso, o equilíbrio acontecerá quando elas realmente acabarem com a hegemonia dos homens nas atividades que precisam de maior sensibilidade. Ou quando, nós homens, admitirmos que precisamos externar essa sensibilidade em nossas ações para nos aproximarmos da alma feminina.
O incrível nessa história, é que precisamos ainda hoje ter leis para defender os direitos da mulher, como aquela que prevê punições mais severas para os idiotas que se sentem mais machos quando batem numa mulher. Bater em mulher é atentar contra sua própria alma.
Mas todas as rosas têm seus espinhos. Já é possível constatar em alguns setores da sociedade - principalmente na esfera do poder político – que muitas mulheres quando chegam no poder, ao invés de utilizarem-se da sensibilidade e da força natural que trazem do berço, acabam adquirindo os vícios masculinos da mentira e da corrupção e destroem a oportunidade de uma sociedade mais humana. Isso, por si só poderia ser o detonador de um debate para provar que a questão do gerenciamento e do poder não se limita á quantidade de hormônios femininos ou masculinos. Entretanto, do ponto de vista filosófico as mulheres ainda dão de dez a zero em nós, homens!
Por esse motivo, lancei este desafio a mim mesmo, no título deste artigo, dizendo que se houver outra encarnação gostaria de voltar na pele de uma mulher, e aproveitar toda essa sensibilidade para poder contribuir com as mudanças que o mundo precisa. Pode ser um pensamento radical e não significa que me arrependa de ser homem. Muito pelo contrário! O fato de ter consciência de que meu lado feminino dita muitas das decisões acertadas que tomo, já é o suficiente para me sentir pleno. Além do mais, se todos pensassem como eu e quisessem também voltar como mulher, o mundo seria sem graça, não é? Um “planeta Lesbos”, como aquela famosa ilha grega da mitologia seria um desperdício...
Parafraseando o “poetinha” Vinícius de Morais eu diria: Que os homens me perdoem, mas a mulher que existe dentro de nós, é fundamental!
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada nesta terça-feira (06.03.2007) no Diário do Tapajós, encarte regional do jornal Diário do Pará. O quadro retratado neste artigo é do pintor renascentista Sandro Botticelli (1445-1510), e retrata "O Nascimento de Afrodite", a Deusa do Amor na Mitologia Grega.

3 comentários:

  1. Valeu, mano velho!
    Volte na outra encarnação como mulher mas, peloamordedeus, venha num corpo menos roliço, mas com essa sua cabeça (o que tem dentro, é claro) invejável e a disposição de continuar lutando para melhorar as "coisas" entre nós.
    Gostando da bendita "gelada" de todos os dias, preparando os mais gostosos petiscos e vivendo todo dia como se fosse o melhor dia do ontem e do amanhã.
    Abraços, amigo!

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  2. bem... politica se faz tb de blogs como o seu e como o meu que denuncia caloteiros como ciro gomes...dê uma olhada...abs e sucesso

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  3. Olá,
    Achei sem querer o teu texto - estava fazendo uma pesquisa Google! :p - e...amei!!! Não pude mesmo deixar de registrar! Parabéns! Abraços! 

    Lorena...
    Salvador/BA

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