Às vésperas do Pan 2007, cuja abertura será no dia do meu aniversário, me pego pensando se o mundo não perdeu um grande atleta. Mas ao lembrar de meu retrospecto nessa área chego à conclusão de que como atleta sempre fui uma negação. Ou pior, uma aberração. Mesmo assim, tive uma única chance de brilhar e desperdicei.
Não fui feito para a prática esportiva e desde a mais tenra idade sonhei em conseguir pelo menos um feito atlético para que eu pudesse ser lembrado eternamente. Mas como um moleque pançudo, zarolho e desajeitado poderia progredir em algum esporte? Apesar disso decidi me empenhar no futebol, nosso esporte bretão. Dos sete aos 14 anos, me apliquei jogando “futebol de tampinha de refrigerante” no recreio da escola, na tentativa de que algum “olheiro” do nosso time visse que eu tinha algum futuro.
Não fui feito para a prática esportiva e desde a mais tenra idade sonhei em conseguir pelo menos um feito atlético para que eu pudesse ser lembrado eternamente. Mas como um moleque pançudo, zarolho e desajeitado poderia progredir em algum esporte? Apesar disso decidi me empenhar no futebol, nosso esporte bretão. Dos sete aos 14 anos, me apliquei jogando “futebol de tampinha de refrigerante” no recreio da escola, na tentativa de que algum “olheiro” do nosso time visse que eu tinha algum futuro.
Meu professor de educação física naquele tempo era o Clauriberto Levy, que hoje é instrutor de trânsito em Santarém (dia desses descobrimos essa nossa ligação daquele tempo) e, reconhecendo meu talento, sempre que chegava a hora escalar os times tinha uma vaga certa para os meus dotes... goleiro, a única vaga que sobrava.
Fiz grandes apresentações e mostrei um grande potencial para buscar as bolas... no fundo das redes. Uma vez cheguei a participar de um fato inédito pelo qual sou lembrado até hoje. Num “rachão” durante a aula de ginástica lá estava eu, solitário, embaixo da trave do pequeno campinho do velho colégio Jonh Kennedy, em Belém. Era final de jogo e naquele dia eu havia resistido muito, levando somente dois gols (era um recorde, pois nunca ficava sem engolir pelo menos cinco frangos...).
Minha equipe resolve ir pro tudo ou nada para tentar o empate numa cobrança de escanteio do outro lado. Fico sozinho na área aguardando um contra-ataque. O escanteio é cobrado lá e algum zagueiro consegue cabecear para fora da área. A bola quica e o beque do outro time dá um chutão pra frente na minha direção. Com efeito, a bola vai em direção à lateral do campo. Corro para agarrá-la, mas na beira do gramado havia uma velha árvore cuja raiz insistia em invadir a lateral. Muito jogadores já tinham sido vítimas de tropeções, mas ela nunca foi expulsa ou sequer advertida pelo juiz! Naquele dia ela se superou: rebateu a bola cobrindo este pobre goal keeper. Gooooooooooooooooollllllll! Que vergonha, até uma árvore fazia gol em mim!
Fui muito criticado, e como não podia viver eternamente barrado no time, me designaram uma nova função: a de ficar na ponta... esquecida. A famosa “banheira”. Por várias vezes fiquei sozinho com o goleiro e perdi gols feitos! Nessa posição, tinha um outro colega tão zarolho do que eu, mas que era minha maior alegria: ele conseguia ser pior do que eu, se é que isso era possível. Até o dia em que ele me superou, no episódio em que perdi a chance de subir pela primeira vez num podium.
1976. Nossa turma tem uma das melhores equipes de futebol do colégio naqueles tempos. Eu me orgulhava disso, apesar de não participar das estatísticas dessa performance. Estávamos na sexta série e naquele ano comentava-se que éramos um dos favoritos à medalha de futebol de campo. Bastava superar o maior favorito: a oitava série. Os jogos aconteceram no gramado do ginásio Souza Franco. Havíamos escalado o que havia de melhor. Escolhemos que a camisa do time seria a do Botafogo (minha sina). A ordem era que todos fossemos vestidos com a camisa, mesmo que ficássemos somente na torcida.
Eu pensei em nem ir com medo de dar azar ao time (sempre que ia aos gramados torcer pelo Paysandu, ele apanhava daquela outra coisa). Me considerava um verdadeiro pé-frio. Por isso, acabei nem comprando a camisa. Mas na última hora, achei que não devia deixar o time e ser chamado de “furão”. Fui, mesmo sem estar com a estrela solitária no peito.
Quando chego lá, nosso time está prestes a enfrentar a toda poderosa 8ª série. Para minha surpresa vejo que há desfalques, alguns jogadores não estão lá. O que aconteceu? Chego junto ao banco de reservas e encontro com o colega zarolho sozinho, paramentado de Botafogo!
- O que aconteceu? – pergunto atônito.
-Três dos nossos ficaram doentes e outros dois não vieram – respondeu-me com um sorriso no rosto.
- E por que estás sorrindo? – digo com ar de reprovação.
- É que me colocaram na reserva.... Se tiveres uma camisa do Botafogo também podes sentir esse gostinho!
Não podia ser verdade. Vi escorrer entre minhas mãos a possibilidade de, ao menos, sentar naquele banco e poder curtir aquele momento. Nessa hora, o capitão do time chega e me confirma em sussurros uma frase que até hoje ecoa nos meus ouvidos: “Consegue uma camisa do Botafogo que na primeira chance tu entras, pois és menos ruim do que ele”, apontando pro outro colega que, feliz da vida, balançava uma bandeirinha alvinegra. Ser chamado de “menos ruim” pelo capitão, era um verdadeiro elogio!
Sai atrás de alguém que tivesse uma camisa do Botafogo. Servia até mesmo uma do Atlético Mineiro ou qualquer outro time que pudesse disfarçar. O jogo seguia e eu corria feito louco em meio às arquibancadas em busca da tal camisa. Havia todas as cores, mas nenhuma era alvinegra. Desisti, já com uma lágrima misturando-se ao suor do meu rosto franzino. Aliás, pelo pique que havia dado certamente já nem teria condições de entrar no campo. Só me restava sentar e assistir.
De repente, nosso melhor atacante sofre uma falta e fica sem condições de voltar a campo. O capitão do time olha para o banco e vê o amigo zarolho e sua bandeirinha, com um lumiar nos olhos. Me vê na arquibancada, faz sinal puxando sua camisa como quem pergunta, “conseguiu?” Balanço a cabeça negativamente e ele, desconsolado, faz aquele sinal de “não tem tu, vai tu mesmo”. È a glória do mais zarolho da turma e minha decepção. Não sabia se era melhor ele entrar fazer besteiras e eu continuar sendo chamado de “menos ruim” ou se era melhor torcer para que ele fizesse um gol salvador e nosso time fosse campeão. Fiquei dividido entre torcer contra ou a favor.
E o imprevisível aconteceu.
O time resistiu até o final e ninguém conseguia fazer gols. Nos últimos minutos, a equipe da 8ª série foi em peso para o nosso campo numa cobrança de escanteio. A bola resvala na mão do nosso goleiro e o zagueiro dá aquele chutão pra frente com todas as suas forças. O único zagueiro deles que ficou para trás fura no chute no meio do campo e cai no chão e a bola segue em direção à grande área do adversário.
Fiz grandes apresentações e mostrei um grande potencial para buscar as bolas... no fundo das redes. Uma vez cheguei a participar de um fato inédito pelo qual sou lembrado até hoje. Num “rachão” durante a aula de ginástica lá estava eu, solitário, embaixo da trave do pequeno campinho do velho colégio Jonh Kennedy, em Belém. Era final de jogo e naquele dia eu havia resistido muito, levando somente dois gols (era um recorde, pois nunca ficava sem engolir pelo menos cinco frangos...).
Minha equipe resolve ir pro tudo ou nada para tentar o empate numa cobrança de escanteio do outro lado. Fico sozinho na área aguardando um contra-ataque. O escanteio é cobrado lá e algum zagueiro consegue cabecear para fora da área. A bola quica e o beque do outro time dá um chutão pra frente na minha direção. Com efeito, a bola vai em direção à lateral do campo. Corro para agarrá-la, mas na beira do gramado havia uma velha árvore cuja raiz insistia em invadir a lateral. Muito jogadores já tinham sido vítimas de tropeções, mas ela nunca foi expulsa ou sequer advertida pelo juiz! Naquele dia ela se superou: rebateu a bola cobrindo este pobre goal keeper. Gooooooooooooooooollllllll! Que vergonha, até uma árvore fazia gol em mim!
Fui muito criticado, e como não podia viver eternamente barrado no time, me designaram uma nova função: a de ficar na ponta... esquecida. A famosa “banheira”. Por várias vezes fiquei sozinho com o goleiro e perdi gols feitos! Nessa posição, tinha um outro colega tão zarolho do que eu, mas que era minha maior alegria: ele conseguia ser pior do que eu, se é que isso era possível. Até o dia em que ele me superou, no episódio em que perdi a chance de subir pela primeira vez num podium.
1976. Nossa turma tem uma das melhores equipes de futebol do colégio naqueles tempos. Eu me orgulhava disso, apesar de não participar das estatísticas dessa performance. Estávamos na sexta série e naquele ano comentava-se que éramos um dos favoritos à medalha de futebol de campo. Bastava superar o maior favorito: a oitava série. Os jogos aconteceram no gramado do ginásio Souza Franco. Havíamos escalado o que havia de melhor. Escolhemos que a camisa do time seria a do Botafogo (minha sina). A ordem era que todos fossemos vestidos com a camisa, mesmo que ficássemos somente na torcida.
Eu pensei em nem ir com medo de dar azar ao time (sempre que ia aos gramados torcer pelo Paysandu, ele apanhava daquela outra coisa). Me considerava um verdadeiro pé-frio. Por isso, acabei nem comprando a camisa. Mas na última hora, achei que não devia deixar o time e ser chamado de “furão”. Fui, mesmo sem estar com a estrela solitária no peito.
Quando chego lá, nosso time está prestes a enfrentar a toda poderosa 8ª série. Para minha surpresa vejo que há desfalques, alguns jogadores não estão lá. O que aconteceu? Chego junto ao banco de reservas e encontro com o colega zarolho sozinho, paramentado de Botafogo!
- O que aconteceu? – pergunto atônito.
-Três dos nossos ficaram doentes e outros dois não vieram – respondeu-me com um sorriso no rosto.
- E por que estás sorrindo? – digo com ar de reprovação.
- É que me colocaram na reserva.... Se tiveres uma camisa do Botafogo também podes sentir esse gostinho!
Não podia ser verdade. Vi escorrer entre minhas mãos a possibilidade de, ao menos, sentar naquele banco e poder curtir aquele momento. Nessa hora, o capitão do time chega e me confirma em sussurros uma frase que até hoje ecoa nos meus ouvidos: “Consegue uma camisa do Botafogo que na primeira chance tu entras, pois és menos ruim do que ele”, apontando pro outro colega que, feliz da vida, balançava uma bandeirinha alvinegra. Ser chamado de “menos ruim” pelo capitão, era um verdadeiro elogio!
Sai atrás de alguém que tivesse uma camisa do Botafogo. Servia até mesmo uma do Atlético Mineiro ou qualquer outro time que pudesse disfarçar. O jogo seguia e eu corria feito louco em meio às arquibancadas em busca da tal camisa. Havia todas as cores, mas nenhuma era alvinegra. Desisti, já com uma lágrima misturando-se ao suor do meu rosto franzino. Aliás, pelo pique que havia dado certamente já nem teria condições de entrar no campo. Só me restava sentar e assistir.
De repente, nosso melhor atacante sofre uma falta e fica sem condições de voltar a campo. O capitão do time olha para o banco e vê o amigo zarolho e sua bandeirinha, com um lumiar nos olhos. Me vê na arquibancada, faz sinal puxando sua camisa como quem pergunta, “conseguiu?” Balanço a cabeça negativamente e ele, desconsolado, faz aquele sinal de “não tem tu, vai tu mesmo”. È a glória do mais zarolho da turma e minha decepção. Não sabia se era melhor ele entrar fazer besteiras e eu continuar sendo chamado de “menos ruim” ou se era melhor torcer para que ele fizesse um gol salvador e nosso time fosse campeão. Fiquei dividido entre torcer contra ou a favor.
E o imprevisível aconteceu.
O time resistiu até o final e ninguém conseguia fazer gols. Nos últimos minutos, a equipe da 8ª série foi em peso para o nosso campo numa cobrança de escanteio. A bola resvala na mão do nosso goleiro e o zagueiro dá aquele chutão pra frente com todas as suas forças. O único zagueiro deles que ficou para trás fura no chute no meio do campo e cai no chão e a bola segue em direção à grande área do adversário.
O colega zarolho, desengonçado, sai correndo atrás da bola. Como sempre, ele jogava de óculos (como eu também) e no pique os perde em campo! A bola quica na frente dele e, sem noção de onde está (era mais míope do que eu) corre para o outro lado no momento em que o goleiro corria em direção à bola! Esse “jogo de corpo” do zarolho acaba enganando o goleiro e a bola passa por ele quicando, bate na cabeça do zarolho - que cai desmaiado ao chão - e entra no gol! Gooooooooooooooooooooollllllllllllllllll!
Não sabia se ria ou chorava. Eu poderia estar lá, por ser “menos ruim” que o zarolho. Talvez tivesse feito aquele gol (pelo menos não havia uma árvore para me driblar). Talvez tivesse sido eu, o carregado como herói. Talvez tivesse sido eu ali no podium, recebendo aquela medalha... Talvez...
Não sabia se ria ou chorava. Eu poderia estar lá, por ser “menos ruim” que o zarolho. Talvez tivesse feito aquele gol (pelo menos não havia uma árvore para me driblar). Talvez tivesse sido eu, o carregado como herói. Talvez tivesse sido eu ali no podium, recebendo aquela medalha... Talvez...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, encarte regional do jornal Diário do Pará.
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