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sexta-feira, 29 de junho de 2007

Crônica de um cicerone movido à açaí com peixe frito(*)

Belém – Não tenho a menor vocação para agente turístico. Se dependesse de meus dotes de cicerone morreria de fome, além de botar abaixo o PIB turístico de qualquer lugar que tentasse promover. Mas como cheguei à tais conclusões?
Aproveitando as férias em Belém, participei do VI Congresso das Ciências da Comunicação promovido pela Intercom/Norte. A Intercom é a Sociedade Brasileira de Pesquisas Interdisciplinares da Comunicação, que há 30 anos estuda o comportamento da mídia e regionaliza seus debates em encontros como o que ocorreu em Belém na semana passada. E pela primeira vez, uma delegação de 15 estudantes de jornalismo de Santarém participou do evento. Eu, por ser belenense de nascimento, me propus ciceronear parte do grupo... Foi dessa experiência que concluí ser um péssimo agente turístico.
“Já vim várias vezes à Belém, mas fico sem direção e se não for um táxi, acabo me perdendo”. A declaração sincera foi de um dos colegas da delegação, que apesar de sua experiência jornalística demonstrou nada saber sobre a geografia da metrópole. Os outros balançavam a cabeça corroborando com a mesma tese. Aí meu instinto de “metido a sabichão” revelou à turma o perigoso convite à aventura num sonoro “´xa comigo!”. Comecei a fazer cena tentando impressionar com meus conhecimentos de almanaque, discorrendo sobre pontos turísticos de Belém, sua história e principalmente como chegar a eles.
A coordenação do Intercom/Norte este ano, acabou colaborando com isso ao definir quatro pontos diferentes para a abertura, o encerramento e para a reunião dos grupos temáticos, obrigando centenas de congressistas de outros estados (e de Santarém) a deslocarem-se de um lado para o outro da cidade, enfrentando o caótico trânsito de Belém. Muita gente se perdeu pelo caminho ou chegou atrasado aos eventos por conta da distância e da escassez de informações. Mas parte da delegação de Santarém podia contar com um “experiente” cicerone...
Primeiro dia, um tour num dos shoppings centers da cidade. Vaguear pelos corredores uniformes e assépticos, conferindo vitrines com preços que nem sempre cabem num cartão de crédito. Vez por outra encontra-se uma promoção em loja de preços populares e compara-se com o que há em Santarém. Mão no bolso e lá se vão algumas sacolas com bugingangas e quinquilharias, desde uma almofada-coração a um eletrodoméstico que promete entregar um pão de trigo pronto em poucos minutos! Na praça de alimentação, comes e bebes pasteurizados, enlatados, e geralmente com preços amargos. Espertamente, o cicerone indica um restaurante com rodízio ao invés do prato executivo (o velho conhecido PF)., apostando que seria mais em conta. Ledo engano: a colega que chegou depois e não atendeu aos conselhos comprou o prato simples e comeu tanto quanto os outros pagando a metade do preço... Entreolhares nos membros da delegação: começa a desconfiança de que podem estar entrando numa fria com o tal cicerone...
Segundo dia, os “turistas”, por precaução, sugerem ao cicerone um lugar mais barato e com um quê de regional. São guiados á feira do Ver-o-peso onde conhecerão suas iguarias únicas sempre lembradas em programas especiais de televisão. Falo da maravilha que é comer peixe frito com açaí, em pé, num boxe entre dezenas de outros da feira e num calor quase insuportável do meio-dia, apesar da bela arquitetura das tendas brancas de napa criadas por um governo petista. Com certeza aquela praça de alimentação popular ficou bem melhor do que eu conhecia da época de menino.
O jornalista (do táxi), gaúcho de nascimento e santareno de coração, aprova, lambe os beiços e pede bis. Já a jornalista, cabocla da região não se arisca no acepipe tão exótico. Prefere arroz, feijão, carne e salada na banca ao lado. Meu conceito aumenta com parte do grupo que sorri com os dentes de açaí... Começo a acreditar que não é difícil fazer as vezes de agente turístico!
Próxima parada: Estação das Docas, símbolo máximo da megalomania do tucanato paraense. Obra arquitetônica moderna que aproveitou velhos galpões das Docas do Pará e possibilitou a quem passa por lá ver o rio que antes tinha a visão encoberta (mesmo assim, nossa orla ainda dá de dez a zero!). Na Estação há um complexo de restaurantes, imensos boulevares para eventos, além de um grande teatro-auditório, todos separados por portas de vidro automáticas que se abrem com nossa aproximação. O cicerone, pimpão, vai á frente tentando se mostrar para os demais com os braços erguidos: “Abre-te, Sésamo!”. As portas atendem. De repente, afoito, envereda por um corredor sem ler um cartaz e repete a firula: “Abre-te, Sésamo!”... e estabaca-se na porta de vidro. O cartaz informava que naquele lugar a passagem estava interditada... Os “turistas” santarenos explodem em gargalhadas, enquanto confiro se o nariz não quebrou...
Terceiro dia, depois de repetir o sucesso do peixe frito com açaí e conseguindo novos adeptos, nosso destino é o Campus da UFPa., uma cidade dentro de outra cidade. Para chegar lá, ônibus específico. [Antes, um parêntesis: na verdade sei me movimentar em Belém e até acerto algumas linhas de ônibus. O problema é que o hiato entre uma visita e outra afeta minha percepção espacial...] “Vamos nesse”, digo de forma inconteste e depois de muitas voltas, somos obrigados a saltar num ponto bem distante do local. Pernas pra que te quero! Haja caminhar para consertar o erro do cicerone!
O jornalista gaúcho decreta a mais pura filosofia da Angélica: “Daqui em diante, só vou de táxi!”. Acaba assim o que seria uma carreira promissora de um agente turístico...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos em 24.06.2007, no encarte regional Diário do Tapajós do jornal Diário do Pará.

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