O (in)quociente eleitoral
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Uma coisa não muda em todas as eleições que vem sendo realizadas nos últimos anos: a campanha pelo voto consciente.
O problema, entretanto, não está apenas no “consciente” do eleitor, e sim no (in)quociente eleitoral, principalmente quando se trata da eleição para os chamados “cargos proporcionais” (vereadores, deputados estaduais e federais).
Os resultados para os “cargos majoritários” (prefeitos, governadores e Presidente da República) são mais compreensíveis para qualquer eleitor: ganha quem tem mais voto, apesar da novidade do voto em dois turnos introduzida a partir de 1989. Aí, a diferença é que um candidato tem que ter metade mais um dos votos para ser eleito, e caso não consiga, disputa um segundo turno com o segundo mais votado.
Mas o que dizer da não-eleição de um vereador, deputado estadual ou federal, apesar deste ter tido mais votos que outros candidatos?
Isso se deve exatamente ao princípio da proporcionalidade indicado no artigo 84 do Código Eleitoral Brasileiro, como forma de privilegiar a força dos partidos como células representativas da sociedade e não o indivíduo que concorre a um cargo. Do contrário, não se precisaria de partidos e bastaria que qualquer cidadão se inscreve individualmente e defendesse suas propostas no horário eleitoral. Já imaginaram a zorra que seria? Todo mundo querendo ser candidato, sem ter compromisso com grupo nenhum.
Mas aí vem a pergunta: e afinal, isso não acaba acontecendo na prática? O problema é que a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro e o aprimoramento da consciência cidadã ainda em sua fase latente, fazem com que o princípio da proporcionalidade não passe de um princípio... O pior é que o candidato eleito com poucos votos, muda de partido, mas não devolve os votos que seriam da legenda...
Antes de ampliarmos essa reflexão, vamos tentar explicar o tal do Quociente Eleitoral (e Partidário), que confunde a cabeça de muitos eleitores.
Quociente ou cociente (muitos chamam de coeficiente, mas não é o termo correto), é um termo da Matemática que vem do Latim quociens e indica a “quantidade resultante da divisão de uma quantidade por outra”. O Quociente Eleitoral determina-se “dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo número de lugares a preencher, desprezando-se a fração, se igual ou inferior a meio ou arredondando-se para um, se superior” (Código Eleitoral, art. 106, caput). Já o Quociente Partidário determina-se para cada partido político ou coligação “dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração” (Código Eleitoral, art. 107).
Em resumo, o quociente partidário informa o número de candidatos proporcionais (vereadores, deputados federais ou estaduais) eleitos de cada partido ou coligação em conseqüência dos votos recebidos. Esses candidatos são eleitos por votação própria e são sempre a minoria. Os demais ‘pegam’ carona no somatório de votos recebidos pelo partido ou coligação e pela legenda.
O caso mais famoso aconteceu recentemente, nas eleições de 2002, quando, o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta (PSL), recebeu 83.415 votos e não foi eleito. Já um tal de Vanderlei Assis de Souza, com míseros 274 votos, garantiu uma vaga porque seu partido, o Prona (Partido da Reedificação da Ordem Nacional), obteve uma votação maior que o partido de Pitta, concentrada em apenas um candidato, o famoso “meu nome é” Enéas Carneiro. Os votos de Enéas serviram para que seu partido elegesse 5 deputados, mesmo que a votação nos outros 4, como de fato ocorreu, tenha sido baixa. Já o partido de Pitta conseguiu 0,3 cadeiras, ou seja, nenhum deputado eleito!
Para explicar melhor, acompanhe os passos da lógica aritmética na apuração dos votos (conta que é complicada e que às vezes confunde até mesmo os mesários de apuração): Primeiro define-se o votos válidos, obtidos a partir da diminuição dos votos em branco e dos votos nulos do número total de votantes na eleição. Por exemplo, num estado, o número de eleitores que votaram é de 1.000. Deste, 50 votaram nulo e 100 votaram em branco. Os votos válidos serão 850.
Feito isso, define-se o quociente eleitoral através da divisão dos votos válidos pelo número de lugares a preencher (cadeiras). Por exemplo, nesse mesmo estado, existem 10 cadeiras na Assembléia Legislativa. O Quociente Eleitoral será 85.
Aí, o próximo passo é definir o Quociente Partidário, que é obtido, dividindo-se o total de votos recebidos por cada partido ou coligação pelo Quociente Eleitoral. Seguindo o exemplo dado, digamos que neste hipotético estado, 03 (três) partidos disputaram a eleição, sendo que o partido A teve 450 votos, o partido B teve 255 e o partido C apenas 145 votos. A divisão das cadeiras será assim: Partido A, cinco cadeiras (450/85), Partido B, três cadeiras (255/85) e o Partido C, uma cadeira (145/85).
Por fim, vem a definição das vagas que sobraram. Aí, o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação, será dividido pelo número de lugares obtidos por ele mais um. Sendo que caberá ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher. Seguindo o nosso exemplo, vamos ver quem fica com a última cadeira, que não foi preenchida: o Partido A teve 450 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (5), é igual a 90, somado a 1 = 91. Já o Partido B teve 255 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (3) é igual a 85, somado a 1 = 86. Por fim, o Partido C com seus 145 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (1) é igual a 145, somado a 1 = 146. Assim, coube ao Partido C a última vaga.
Imagine-se que no Partido A houvessem 6 candidatos. Os cinco primeiros garantiram a vaga. O 4º ficou aguardando o cálculo das sobras. Ele teve, por exemplo, 25 votos, e o Partido C, que tinha apenas dois candidatos, elegeu o seu primeiro candidato com 144 votos, enquanto o segundo, que teve apenas 1 voto, ficou com a última vaga, por causa do critério da proporcionalidade...
Apesar de valer como princípio, o critério da proporcionalidade torna-se injusto por causa da infidelidade partidária a que todos os partidos estão sujeitos. Para o consultor jurídico da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, Eugênio Vasques, o desrespeito à Lei Orgânica dos Partidos Políticos é flagrante e torna-se inadmissível tolerar que um político eleito mude de partido logo após a posse, como se tivesse sido eleito pelo partido que o acolheu. “Se tivesse disputado a eleição pelo partido atual, não teria sido eleito, portanto, sendo ilegítima a sua mudança de partido”, diz ele, afirmando que essa lei prevê expressamente a perda automática do cargo em virtude da proporção partidária, em seu capítulo V, que trata da Fidelidade e da Disciplina Partidárias.
“Mas, por que os partidos políticos lesados pelo parlamentar infiel, que procura outra legenda após a eleição, não se utilizam do disposto pelo Art. 26 do LOPP , para puni-lo?”, pergunta ele e responde: “no nosso país os partidos promovem um verdadeiro 'jogo de compadres' , já que aquele parlamentar que rompeu com determinado partido, pode a vir integrar o seleto grupo de uma outra legenda partidária e vice e versa”. Daí surgem as “legendas de aluguel”, que disputam a preferência dos infiéis.
Daí a importância de uma reforma eleitoral para que o tal “princípio da proporcionalidade” seja a expressão da verdadeira democracia, com o fortalecimento dos partidos políticos, pois do contrário, estes resultados ferirão não somente o bom senso político e a ética, como também a vontade do eleitor.
Uma coisa não muda em todas as eleições que vem sendo realizadas nos últimos anos: a campanha pelo voto consciente.
O problema, entretanto, não está apenas no “consciente” do eleitor, e sim no (in)quociente eleitoral, principalmente quando se trata da eleição para os chamados “cargos proporcionais” (vereadores, deputados estaduais e federais).
Os resultados para os “cargos majoritários” (prefeitos, governadores e Presidente da República) são mais compreensíveis para qualquer eleitor: ganha quem tem mais voto, apesar da novidade do voto em dois turnos introduzida a partir de 1989. Aí, a diferença é que um candidato tem que ter metade mais um dos votos para ser eleito, e caso não consiga, disputa um segundo turno com o segundo mais votado.
Mas o que dizer da não-eleição de um vereador, deputado estadual ou federal, apesar deste ter tido mais votos que outros candidatos?
Isso se deve exatamente ao princípio da proporcionalidade indicado no artigo 84 do Código Eleitoral Brasileiro, como forma de privilegiar a força dos partidos como células representativas da sociedade e não o indivíduo que concorre a um cargo. Do contrário, não se precisaria de partidos e bastaria que qualquer cidadão se inscreve individualmente e defendesse suas propostas no horário eleitoral. Já imaginaram a zorra que seria? Todo mundo querendo ser candidato, sem ter compromisso com grupo nenhum.
Mas aí vem a pergunta: e afinal, isso não acaba acontecendo na prática? O problema é que a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro e o aprimoramento da consciência cidadã ainda em sua fase latente, fazem com que o princípio da proporcionalidade não passe de um princípio... O pior é que o candidato eleito com poucos votos, muda de partido, mas não devolve os votos que seriam da legenda...
Antes de ampliarmos essa reflexão, vamos tentar explicar o tal do Quociente Eleitoral (e Partidário), que confunde a cabeça de muitos eleitores.
Quociente ou cociente (muitos chamam de coeficiente, mas não é o termo correto), é um termo da Matemática que vem do Latim quociens e indica a “quantidade resultante da divisão de uma quantidade por outra”. O Quociente Eleitoral determina-se “dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo número de lugares a preencher, desprezando-se a fração, se igual ou inferior a meio ou arredondando-se para um, se superior” (Código Eleitoral, art. 106, caput). Já o Quociente Partidário determina-se para cada partido político ou coligação “dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração” (Código Eleitoral, art. 107).
Em resumo, o quociente partidário informa o número de candidatos proporcionais (vereadores, deputados federais ou estaduais) eleitos de cada partido ou coligação em conseqüência dos votos recebidos. Esses candidatos são eleitos por votação própria e são sempre a minoria. Os demais ‘pegam’ carona no somatório de votos recebidos pelo partido ou coligação e pela legenda.
O caso mais famoso aconteceu recentemente, nas eleições de 2002, quando, o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta (PSL), recebeu 83.415 votos e não foi eleito. Já um tal de Vanderlei Assis de Souza, com míseros 274 votos, garantiu uma vaga porque seu partido, o Prona (Partido da Reedificação da Ordem Nacional), obteve uma votação maior que o partido de Pitta, concentrada em apenas um candidato, o famoso “meu nome é” Enéas Carneiro. Os votos de Enéas serviram para que seu partido elegesse 5 deputados, mesmo que a votação nos outros 4, como de fato ocorreu, tenha sido baixa. Já o partido de Pitta conseguiu 0,3 cadeiras, ou seja, nenhum deputado eleito!
Para explicar melhor, acompanhe os passos da lógica aritmética na apuração dos votos (conta que é complicada e que às vezes confunde até mesmo os mesários de apuração): Primeiro define-se o votos válidos, obtidos a partir da diminuição dos votos em branco e dos votos nulos do número total de votantes na eleição. Por exemplo, num estado, o número de eleitores que votaram é de 1.000. Deste, 50 votaram nulo e 100 votaram em branco. Os votos válidos serão 850.
Feito isso, define-se o quociente eleitoral através da divisão dos votos válidos pelo número de lugares a preencher (cadeiras). Por exemplo, nesse mesmo estado, existem 10 cadeiras na Assembléia Legislativa. O Quociente Eleitoral será 85.
Aí, o próximo passo é definir o Quociente Partidário, que é obtido, dividindo-se o total de votos recebidos por cada partido ou coligação pelo Quociente Eleitoral. Seguindo o exemplo dado, digamos que neste hipotético estado, 03 (três) partidos disputaram a eleição, sendo que o partido A teve 450 votos, o partido B teve 255 e o partido C apenas 145 votos. A divisão das cadeiras será assim: Partido A, cinco cadeiras (450/85), Partido B, três cadeiras (255/85) e o Partido C, uma cadeira (145/85).
Por fim, vem a definição das vagas que sobraram. Aí, o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação, será dividido pelo número de lugares obtidos por ele mais um. Sendo que caberá ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher. Seguindo o nosso exemplo, vamos ver quem fica com a última cadeira, que não foi preenchida: o Partido A teve 450 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (5), é igual a 90, somado a 1 = 91. Já o Partido B teve 255 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (3) é igual a 85, somado a 1 = 86. Por fim, o Partido C com seus 145 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (1) é igual a 145, somado a 1 = 146. Assim, coube ao Partido C a última vaga.
Imagine-se que no Partido A houvessem 6 candidatos. Os cinco primeiros garantiram a vaga. O 4º ficou aguardando o cálculo das sobras. Ele teve, por exemplo, 25 votos, e o Partido C, que tinha apenas dois candidatos, elegeu o seu primeiro candidato com 144 votos, enquanto o segundo, que teve apenas 1 voto, ficou com a última vaga, por causa do critério da proporcionalidade...
Apesar de valer como princípio, o critério da proporcionalidade torna-se injusto por causa da infidelidade partidária a que todos os partidos estão sujeitos. Para o consultor jurídico da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, Eugênio Vasques, o desrespeito à Lei Orgânica dos Partidos Políticos é flagrante e torna-se inadmissível tolerar que um político eleito mude de partido logo após a posse, como se tivesse sido eleito pelo partido que o acolheu. “Se tivesse disputado a eleição pelo partido atual, não teria sido eleito, portanto, sendo ilegítima a sua mudança de partido”, diz ele, afirmando que essa lei prevê expressamente a perda automática do cargo em virtude da proporção partidária, em seu capítulo V, que trata da Fidelidade e da Disciplina Partidárias.
“Mas, por que os partidos políticos lesados pelo parlamentar infiel, que procura outra legenda após a eleição, não se utilizam do disposto pelo Art. 26 do LOPP , para puni-lo?”, pergunta ele e responde: “no nosso país os partidos promovem um verdadeiro 'jogo de compadres' , já que aquele parlamentar que rompeu com determinado partido, pode a vir integrar o seleto grupo de uma outra legenda partidária e vice e versa”. Daí surgem as “legendas de aluguel”, que disputam a preferência dos infiéis.
Daí a importância de uma reforma eleitoral para que o tal “princípio da proporcionalidade” seja a expressão da verdadeira democracia, com o fortalecimento dos partidos políticos, pois do contrário, estes resultados ferirão não somente o bom senso político e a ética, como também a vontade do eleitor.
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(*)Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada todas as terças-feiras no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.
Olá Ninos, aqui é o Anselmo Colares. Parabéns pela forma didática que utilizou para explicar algo que é tão complicado. Não é a toa que somente Brasil e Finlândia utilizam esta coisa esdrúxula.
ResponderExcluirE ainda tem outra aberração no nosso sistema eleitoral que é a figura do suplente de senador. Pode vir a integrar um dos mais altos cargos da República, sendo um ilustre desconhecido do eleitor, pois fica à sombra do verdadeiro candidato.
Ninos, Obrigado pelas explicações. Foste claro e preciso na explicação. Agora finalmente compreendo esse curioso e complexo sistema. Levante uns temas polêmicos aqui no seu Blog e continue com textos dessa qualidade. Um abraço
ResponderExcluirApenas para indicar que houve um erro de digitação na explicação da hipotética eleição. Creio que, segundo os numeros de votos validos (850) e nulos (50), o total correto de votos em branco é 100.
ResponderExcluirAté mais.
Essa confusão toda poderia ser resolvida com uma refoma política séria que garantisse o respeito à lógica universal de que quem tem mais vence independente do quociente, da representação... afinal, partido político nesse país é, no mais das vezes, uma junção de interesses pessoais e propostas inócuas e despropositadas. Um embuste.
ResponderExcluirUm monte de partido, troca de legendas, armações, maracutaias, conchavos e outras bizarrices... arg!
Parabéns pela tentativa de mostrar como funciona a "coisa", porém quanto mais se aprofunda na questão, maior é o asco.
Sr. Nino, você foi muito bem na explicação. Ficou muito fácil entender essa lógica, para muitos, complexa.
ResponderExcluirUm abraço!
Sucesso!