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terça-feira, 15 de agosto de 2006

Manual para eleitores incautos (I)(*)

Uma indigesta sopa de letrinhas e de números

Se a gente sair perguntando pelas ruas para saber quem está empolgado para votar nas eleições deste ano, provavelmente o resultado será uma acachapante reprovação a todo processo eleitoral e principalmente aos políticos, que nos brindam diariamente com os mais diversos escândalos de corrupção. A desonestidade do político brasileiro há muito já não é a exceção e sim a regra. A obrigação de votar em alguns deles já causa um certo asco em parte dessa população, o que leva muita gente a pensar em anular seu voto.
A corrupção que assola o sistema sempre existiu. O que mudou foi a quantidade de pessoas que percebeu que o sistema facilita essa corrupção, principalmente pelos exemplos de impunidade nos últimos anos. Mas é bom lembrar que o período ditatorial e, principalmente o nível educacional e cultural do país, destruíram qualquer sentimento patriótico ou de cidadania em grande parte da população (principalmente na banda podre). Entretanto, o próprio sistema vem tentando se aperfeiçoar, se reciclar. Há cada escândalo, novos mecanismos são criados para tentar evitar que as ratazanas continuem roendo o dinheiro do povo.
Mas apesar disso, ainda não inventaram um sistema político mais confiável do que a democracia representativa. Por isso, não é se ausentando do processo que estaremos protestando, mostrando nossa indignação. Na verdade, todo o quadro político que se apresenta nos dias de hoje, só reforça a tese de que o voto é a grande arma do cidadão, e que por mais que seja mais fácil um camelo passar no buraco da agulha ou encontrar essa mesma agulha num palheiro do que existir um político honesto, ainda é possível encontrar alguns espécimes raros dessa classe por aí.
Afinal, os políticos não nasceram do nada. Eles são pessoas como nós, são amigos, vizinhos, parentes ou líderes de algum movimento que um dia resolveram entrar num caminho, que para alguns é sem volta. Alguns ficaram por entender a política como sacerdócio, outros por acharem que é o melhor negócio! Só com o nosso voto, podemos mudar alguma coisa.
Faço política desde a adolescência participando de movimentos populares, sindicatos e até mesmo da vida partidária. Optei por ser um socialista, um esquerdista, mas hoje vejo que as antigas bandeiras transformaram-se em utopias engendradas para o regalo de poucos, por isso professo um “quase niilismo”. Não que tenha desistido de minhas utopias. Guardei-as no fundo de algum baú, e quem sabe um dia volte a desfraldá-las.
Daí, resolvi apresentar, à partir deste Perípatos, durante o período eleitoral uma série de sete artigos com dicas para os eleitores incautos, juntando informações que colhi na internet em minhas férias e da minha experiência de quase 30 anos de militância nesta área, seja como participante de movimentos, seja como marqueteiro político ou seja como um eterno escrevinhador-jornalista... Não sei se vai ajudar, mas piorar o quadro é impossível.
Começo hoje pela “sopa de letrinhas e de números” que compõe nosso cenário partidário nacional, tentando contar um pouco da história dos partidos políticos existentes no Brasil e no Pará.
O historiador Voltaire Schilling diz que “oficialmente, os partidos políticos já existem no Brasil há mais de cento e sessenta anos. Nenhum deles, porém, dos bem mais de duzentos que surgiram nesse tempo todo, durou muito. Não existem partidos centenários no país, como é comum, por exemplo, nos Estados Unidos, onde democratas (desde 1790) e republicanos (desde 1837) alternam-se no poder. E o motivo disso, dessa precariedade partidária, da falta de enraizamento histórico dos programas nas camadas sociais é a inconstância da vida política brasileira” (Site Educaterra). Os primeiros partidos, diz ele ainda, surgiram exatamente em 1837, ainda no Segundo Reinado e representavam os conservadores (Saquaremas) e os liberais (Luzias).
Atualmente, estão registrados junto ao TSE – Tribunal Superior Eleitoral, responsável pela organização eleitoral no Brasil, 29 agremiações partidárias que formam uma grande “sopa de letrinhas e de números”. Do histórico PMDB ao novíssimo PSOL, são 25 anos de uma história de pluripartidarismo iniciada durante o último governo militar após o processo de abertura política do presidente João Figueiredo que trouxe de volta ao Brasil diversos exilados políticos. Eles representam tendências ideológicas da ultradireita à ultra esquerda, mas é quase um consenso de que não precisaríamos mais que dez partidos para isso, o que significa que a grande maioria não passa de legendas de aluguel, utilizadas para fins eleitoreiros e esquemas de corrupção. No artigo de hoje, vou falar de alguns deles, retornando ao tema na próxima semana:
O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), foi fundado em 30.06.1981 e ganhou o número 15 como representação básica de seus candidatos. Nasceu sob as bases do histórico MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido que representava a oposição ao regime militar implantado no Brasil entre 1964/1984, e se consolidou com a eleição (ainda de forma indireta) do primeiro presidente civil pós-Ditadura (Tancredo Neves, que morreu antes de assumir). Conhecido como “guarda-chuva das esquerdas” durante a Ditadura, o PMDB passou a ser uma colcha de retalhos formada hoje em sua maioria por políticos de centro, oligarquias regionais e muitos oportunistas de plantão. É ainda o partido com a maior representação em todo país, organizado em todos os municípios e comandando a maioria deles. Desde o fim do regime militar, vive à sombra do Poder compondo ou ajudando a derrubar os presidentes eleitos neste período democrático. Quando não elege os líderes regionais, coopta, ou seja, atrai esses líderes usando a pressão de suas bancadas legislativas. Santarém já assistiu, em sua recente história política, pelo menos dois casos de prefeitos eleitos por outras siglas que no meio do mandato acabaram cedendo à essa pressão. No Pará, tem um de seus maiores líderes nacionais, o deputado federal Jader Barbalho.
O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que adota o número 14, ressurgiu em 03.11.1981 tentando resgatar a imagem de seu maior líder, o ditador Getúlio Vargas. Foi exatamente a sobrinha-neta dele, a falecida deputada Ivete Vargas que refundou o populismo trabalhista, transformado numa legenda recheada de líderes empresariais que tem defendido a participação política mais constante da iniciativa privada na vida pública. É um dos partidos que sempre esteve envolvido em escândalos nacionais, a maioria deles com as digitais do já cassado deputado Roberto Jefferson.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT), utiliza o número 12 e surgiu uma semana depois do PTB, quando o então ex-exilado Leonel Brizolla perdeu aquela sigla para a deputada Ivete Vargas. Remanescente do getulismo, Brizolla queria ser um novo caudilho nacional e fundou o PDT com um viés socialista, diferente do trabalhismo getulista. Até sua morte, o PDT era um partido com a cara do Brizolla. Hoje, meio sem identidade, tenta sobreviver na selva de siglas e encontrar um novo referencial ideológico.
O Partido dos Trabalhadores (PT) foi a maior surpresa no cenário pós-Ditadura. Adotando o número 13, foi fundado em 11.02.1982, tendo como base o crescente movimento sindical brasileiro, foco da resistência popular à Ditadura. Com um líder carismático, o ex-metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil e um discurso que evoluiu da ultra-esquerda ao centro , chegou ao poder mas sofreu um grande revés em seu principal patrimônio: a credibilidade. Envolvido no Escândalo do Mensalão, perdeu o charme de partido da honestidade e periga sair das urnas com um formato cada vez mais ao centro, enterrando de vez a bandeira socialista que defendeu em outras eras. É o partido da atual prefeita de Santarém, Maria do Carmo.
O Partido da Frente Liberal (PFL), que tem o número 25, foi fundado em 11.09.1986 defendendo a doutrina do liberalismo econômico. Seus principais líderes eram remanescentes do partido de sustentação do regime militar, o antigo PDS, e haviam se rebelado contra o malufismo que dominou a antiga sigla, quando o ex-governador Paulo Maluf usou de seus métodos aliciadores para tentar chegar à presidência da República. O PFL representa hoje um dos setores mais reacionários e conservadores da política nacional, mas não tem tido poder suficiente para se impor no cenário nacional, o que o leva a depender de outras forças partidárias, ora o PMDB, ora o PSDB. A representação do adesismo peefelista é a figura do cacique baiano Antonio Carlos Magalhães (ACM).
O Partido Liberal (PL) foi criado em 25.02.1988 com as mesmas características do PFL, mas com maior representação empresarial. Nasceu defendendo a reforma tributária e o fim da intervenção econômica do governo. Pautado nos ideais liberais do falecido deputado carioca Álvaro Valle, defendia uma maior seleção de seus quadros, inclusive com um “vestibular para os candidatos”, mas foi derrotado pelo pragmatismo e acabou invadido por líderes religiosos evangélicos, até se envolver nos dois últimos grandes escândalos nacionais (Mensalão e Sanguessugas). Há muito se fala em sua fusão com o PFL e como deve sair menor após as eleições, não é difícil que isso se concretize, muito embora hoje ele esteja mais a serviço do PT, inclusive em Santarém.
O Partido Comunista do Brasil (PC do B), número 65, surgiu oficialmente em 23.06.1988, mas já existia há décadas. Nascido de uma divergência do antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro), viveu na clandestinidade durante a Ditadura e consolidou-se nas ruas dos centros urbanos através de ações armadas espetaculares como o seqüestro de um embaixador americano. Hoje é um partido-satélite do PT e se posiciona cada vez mais à centro-esquerda. Até o momento não teve o nome de nenhum de seus líderes envolvido em grandes escândalos nacionais. O presidente da Câmara Federal, deputado Aldo Rebelo, é o seu maior líder.
O Partido Socialista Brasileiro (PSB), foi refundado em 01.07.1988, já que também havia existido antes do getulismo. Tem sido a sombra do PT desde a primeira disputa nacional em 1989, quando ainda era liderado pelo ex-governador pernambucano Miguel Arraes. Nos últimos anos rendeu-se ao pragmatismo partidário e começou a aceitar lideranças regionais que de socialistas não tem nada, como Ciro Gomes, empresário e político cearense que saiu passou pelo antigo PDS, pelo PSDB e pelo PPS, já como ministro de Lula. O PSB também foi envolvido no escândalo das Sanguessugas e no Pará seu maior líder, o ex-senador Ademir Andrade, responde a um intricado processo de suposta corrupção na CDP (Companhia das Docas do Pará) que estava sob seu comando (escândalo pelo qual chegou a ser preso).
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com o número 45, é outro partido surgido após a promulgação da última Constituição Brasileira. Em 24.08.1989, antigos líderes peemedebistas com tradição de centro esquerda, como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Mário Covas, divergem do pragmatismo peemedebista e criam um partido que pretende trazer para o Brasil o socialismo democrático, que na época imperava na Europa e era apontado como uma solução menos traumática que o socialismo utópico petista. Na primeira eleição a presidência, com Mário Covas, o partido não tem boa performance e se alia ao PT no 2º turno contra Fernando Collor. Mais tarde, alia-se ao liberalismo do PFL e consolida sua liderança nacional em dois mandatos de FHC (1994/2002), tendo como principal trunfo a estabilização monetária e a criação do Real. Seu discurso fica cada vez mais liberal, o que o afasta do socialismo democrático europeu e o aproxima do liberalismo conservador da ex-dama de ferro da Inglaterra, Margareth Thatcher. Com a ascensão do PT ao poder, assume um discurso ainda mais raivoso e direitista. No Pará, como em São Paulo, o partido sobrevive no poder há 12 anos e tenta se perpetuar através de seu maior líder regional, Almir Gabriel, que em 1989 foi vice de Covas.
Na próxima semana falo dos outros 20 partidos, em sua maioria nanicos e sem expressão nacional. A “sopa de letrinhas e de números” prossegue...
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(*) Artigo inserido em minha coluna Perípatos, publicada semanalmente no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará. Este artigo estará, excepcionalmente, amanhã no DT, que não circulou hoje por problema técnicos.

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