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terça-feira, 27 de setembro de 2005

Separatismo - nem a favor, nem contra, nem muito pelo contrário

(*) Manuel Dutra

Em 1999 publiquei um livro, produto de dois anos e meio de pesquisa, intitulado “O Pará dividido: discurso e construção do Estado do Tapajós”. Como era esperado, poucos o leram – os escassos militantes em favor da criação do novo Estado disseram que o trabalho era contra; os contrários, que era a favor. Se ambos o tivessem lido, talvez contassem com melhores argumentos para seus discursos.
Há alguns meses, publiquei artigo no jornal Beira do Rio, da Universidade Federal do Pará, que inicia assim:
“A rigor, não existe um debate sobre as demandas das regiões Oeste e Sul do Pará por autonomia política. Em Belém, isso não existe por desconhecimento das razões desses pleitos, um desconhecimento que engendra o preconceito. Em Santarém e Marabá, candidatas a capitais, o debate é débil em virtude da profunda dependência político-partidária das elites locais em relação aos grupos de poder político e econômico sediados na capital do Pará. Não havendo, lá, diferenças sociais não partidárias engajadas no embate separatista, o que deveria ser um debate salutar, lá e cá, torna-se conversa sazonal que se transfere para o âmbito de comissões do Congresso, em Brasília”.
Há três semanas eu estava em Santarém e, mais uma vez, acompanhei, ao longe, a ida de um grupo de políticos a Brasília com o objetivo de pressionar pela inclusão do plebiscito (que desejavam ver realizar-se juntamente com o referendo sobre porte de armas) na pauta do Congresso, com o apoio – disseram – do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que havia cancelado uma viagem ao Tapajós.
Há que se fazer uma distinção entre as demandas do Oeste e do Sul do Pará.
No caso do pretendido Estado do Carajás, a demanda vem do início dos anos 1990, quando aquela região começou a ter novo sentido econômico, a partir do significado da Serra dos Carajás e do desenvolvimento da agricultura e pecuária. Empreendimentos que ensejaram a formação de uma inda nascente elite regional, liderada fortemente por grupos não-paraenses, sem maiores ligações históricas e culturais com o Pará e com Belém, esta grande cabeça física e humana, inchadas pelas migrações, de uma unidade federativa cujas elites desconhecem profundamente o que se passa no interior do Estado.
No Oeste do Estado existe consistência histórica para o pleito, que vem do momento em que Pedro II assinou, em 1850, o decreto de criação da Província do Rio Negro, mais tarde Província e Estado do Amazonas, depois que as elites daquela unidade intentaram, sem êxito, a separação por conta própria, em 1832.
Após a perda territorial de sua imensa banda Oeste, as elites paraenses permaneceram inconformadas, e rusgas foram freqüentes entre as duas unidades. Surgiu, então, a idéia de se criar uma terceira província, que viria, naquele momento, servir de algodão entre cristais. Em 1869, segundo relata Ferreira Reis, foram intensos os debates no Parlamento Imperial sobre a necessidade de transformar o Baixo Amazonas paraense (hoje chamado de Oeste do Pará) em uma província autônoma. Em 1832, o Grão-Pará tinha três Comarcas: Belém, Santarém e Manaus. Santarém adquiria, assim, status jurídico e administrativo semelhante ao das outras duas cidades, alimentando o sonho da autonomia que jamais veio a se realizar.
Esse fracasso histórico das elites santarenas resulta de sua própria debilidade política. Ainda no Império, a ação de dois barões – o de Santarém e o do Tapajós – impediu qualquer veleidade autonomista haja vista ser o Estado brasileiro, historicamente, extremamente centralizador e cujos limites internos carregam as marcas das velhas capitanias hereditárias. Hoje, militantes favoráveis de ontem mostram-se contrários, como o ex-deputado Benedicto Monteiro, que foi um dos constituintes de frente em 1987, juntamente com Gabriel Guerreiro e Paulo Roberto Mattos.
Mas não se pode negar que se criou uma cultura da autonomia, geração após geração. E é isto que difere profundamente o pleito do Oeste daquele do Sul do Pará. E é esse sentimento popular que é explorado partidariamente por grupos políticos, que mudam de posição ao sabor das conveniências da cada campanha, iludindo os eleitores de que irão à luta. Nem vão à luta e nem se envergonham de que hoje o principal paladino do Estado do Tapajós é um deputado federal de Roraima.
É esse aspecto que deixa muitas dúvidas sobre a possibilidade da criação do Estado do Tapajós. O Oeste do Pará, e sobretudo Santarém, já abrigam uma crescente elite descompromissada com a região, com a sua cultura e com a sua história, de modo distinto mas não tanto do que ocorre em outras regiões do estado, onde a presença paraense escasseia.
Na hipótese positiva, criado o novo Estado, quem garante, neste momento, que as elites locais terão força para contrapor-se a interesses de fora da Amazônia? O primeiro governador seria quem? A olhar o panorama das atuais lideranças baseadas em Santarém, sinceramente, é apavorante o horizonte. Dessa forma, as razões históricas e atuais cairiam por terra, num momento em que grupos de outras regiões vêm a Amazônia apenas em busca de seus recursos, fazer dinheiro rápido para investir em seus lugares de origem. Nessa perspectiva, por exemplo, uma hipotética Assembléia Legislativa do Estado do Tapajós teria quantos deputados nativos?
Então, seria um Estado para servir de instrumento de melhoria de qualidade de vida para a sua população, ou seria um biombo para aprofundar a dependência da Amazônia de grupos arrivistas e sem o menor interesse no bem-estar que não seja o seu próprio? É só olhar os estados recém-criados na Amazônia.
Questões como estas não são levantadas publicamente, quando deveriam estar na agenda ao menos dos defensores do novo Estado.

(*) jornalista e professor na UFPA, artigo publicado no Diário do Pará (15.09.2005)

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