Capítulo III – A “pré-história” do PT em Santarém (parte final)
Nas duas partes anteriores deste capítulo terceiro (leia AQUI o capítulo anterior), revelei passo-a-passo o trabalho para a formação de quadros do movimento popular, com a utilização de técnicas de dramaturgia engajada. A idéia sempre foi criar um movimento paralelo de trabalhadores urbanos ao incipiente movimento no campo, onde continuava o crescimento do trabalho nas delegacias sindicais, depois da vitória da Corrente Sindical Lavradores Unidos (CSLU), à frente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém. Como o trabalho com o grupo de jovens não avançou nas periferias, abandonou-se momentaneamente a organização popular que ajudariam a criar futuras associações de moradores (no fundo, ficou uma semente).
O raciocínio de Antonio Vieira, o guru da CSLU, era lógico: para haver um processo revolucionário no país, a partir de um movimento criado na Amazônia, não bastaria a organização de trabalhadores rurais. Uma vez ouvi ele dizendo numa conversa reservada: “não existe na Amazônia o conceito de trabalhador rural”. Na verdade e com razão, todas aquelas pessoas que participavam do movimento, eram pequenos e médios agricultores abandonados à mercê da própria sorte no meio da mata, pelo governo, sem qualquer investimento para produzir, levando-os a tal estado de penúria que mais se pareciam com bóias-frias do interior de São Paulo, estes sim, verdadeiros trabalhadores rurais, sem terra e apenas com a força de trabalho nos braços.
Num estudo interno da CSLU, chegou-se à conclusão que era preciso investir numa categoria de trabalhadores da cidade, mas como não haviam industriários, operários ou metalúrgicos como em São Paulo, onde fervilhavam as lutas de um certo Luís Inácio da Silva, como iniciar o movimento? Até hoje, a maior categoria de trabalhadores existente em Santarém é a dos comerciários, mas sempre foi uma categoria muito difícil de lidar, afinal, a grande maioria de trabalhadores é transitória. Dificilmente alguém escolhe ser comerciário para toda a vida. E essa mobilidade interna era um ponto negativo para criar um movimento consistente.
Mesmo assim, resolveu-se tentar. Pedro Peloso havia absorvido muito bem os ensinamento de Vieira. Enquanto ainda insistia em salvar o que restou do grupo de jovens que formou, abandonou o negócio da família – uma barraca de venda de caldo de cana no Mercado Modelo – para iniciar o processo de criação de uma célula sindical no comércio. O primeiro passo foi encontrar um emprego estratégico no comércio. Tinha que ser a loja que tivesse o maior número de funcionários, para futuras mobilizações e ele escolheu a dedo: Mundo dos Tecidos, uma empresa do grupo Pontes & Irmãos, que tinha várias lojas e dezenas de funcionários.
Nessa época, após algumas pesquisas, descobriu-se que havia um sindicato de comerciários já fundado, cuja Carta Sindical havia sido cassada na época do golpe militar, só que não por motivos políticos e sim administrativos. Reaver a Carta naquele momento seria muito difícil, por isso o grupo optou por “refundar” o movimento (para ver como as coisas se repetem...). Criou-se então a Associação dos Comerciários de Santarém e Pedro foi eleito seu primeiro (e único) presidente. A solenidade de posse foi no salão paroquial de Nossa Senhora das Graças e a diretoria era composta por comerciários de várias lojas, mas a maioria era do grupo Ponte & Irmãos, que Pedro recrutou.
A Associação dos Comerciários precisava criar um fato político para iniciar um processo de mobilização. Foi quando lançou o incendiário “O Talonário”, um boletim com denúncias sobre as injustiças praticadas pelos patrões no comércio. O n° 02 do jornalzinho foi uma edição histórica: Pedro fez fotos de comerciários trabalhando além do horário, varrendo as lojas e o mote era exatamente a exploração dos trabalhadores que não recebiam hora extra e ficavam além do expediente limpando suas lojas. Era uma coisa revolucionária, em 1979, um boletim atrevido nominando as lojas que praticavam esse abuso. Distribuído gratuitamente, “O Talonário” foi disputado à tapas e virou o maior burburinho do comércio. A genialidade de Vieira mais uma vez estava presente. No título apropriado do boletim, nos textos e na diagramação, tudo concebido nos mínimos detalhes por ele, bancado pela Fase e com a contribuição de Pedro, seu “aprendiz de feiticeiro”.
Mas o que ninguém esperava era a violenta reação. Como a maioria da diretoria da Associação era da empresa denunciada Pontes & Irmãos, eles devolveram a ousadia com a mesma moeda: fizeram uma “varrida” na incipiente militância botando toda a diretoria da Associação pro olho da rua. Isso causou um impacto na proposta inicial. As avaliações indicavam que a denúncia foi feita sem que houvesse condição para um refluxo da categoria, em caso de repressão. Era preciso recompor o movimento, buscando primeiro um apoio legal: tentou-se junto à Justiça a reintegração dos funcionários sob a alegação de que teriam estabilidade, mas a lei só definia essa vantagem para sindicatos e não associações. Entretanto havia um dispositivo que abria uma brecha apenas para o presidente da entidade (Pedro lutou por anos na Justiça pelo seu direito e um dia venceu no TST – Tribunal Superior do Trabalho, só que ao invés de ser reintegrado, aceitou uma polpuda indenização com a qual comprou uma casa!).
Com as demissões, os liderados de Pedro debandaram e procuraram esquecer a aventura sindical. Para não deixar o movimento esmorecer, tentou-se reconstituir a base da diretoria. Optou-se por recrutar funcionários de empresas menores ou que estivessem fora do epicentro da discórdia. Pedro então cooptou novos militantes que viriam a constituir o “grupo pensante” do movimento. Algo como um “campo majoritário” dos comerciários.
Éramos seis: além de Pedro Peloso, líder desempregado, mas contratado como auxiliar administrativo da Fase, participava dessa elite sua já esposa Raimundinha Monteiro (que trabalhava no Foto Meneses), Isabel Corrêa, uma funcionária da antiga loja Sousa Arnaud (que funcionava onde hoje existe um supermercado, na 24 de outubro, próximo à Semed), Orlando Gamboa (funcionário da extinta Modelo Construções, onde hoje fica a Amacon), o já falecido Apolônio Moreira (funcionário do Posto Progresso, ao lado da Modelo Construções) e eu, já conhecido por Jota Ninos, filho do “seu” Nino, o dono do lanche e que naquele momento trabalhava como funcionário do já extinto Leão das Ferragens, empreendimento de Pereira & Bastos (isso mesmo, fui funcionário do sr. Joaquim da Costa Pereira, ainda adolescente, e lá dentro tentava organizar a associação!).
Para não dar na vista de que os patrões haviam quebrado o movimento com as demissões, continuamos editando “O Talonário”. Foi ali minha estréia como um futuro jornalista. Comecei a participar da produção de textos, estudei em oficinas de redação comandadas pela Fase e pelo próprio Vieira. Convivi de perto com este “monstro sagrado”, que do seu jeito, truculento, também acreditou no meu potencial e abriu algumas portas para formar meu tirocínio político. “O Talonário” continuava fustigando os comerciantes com denúncias e denúncias, mas a Associação ia mal das pernas. Enquanto isso, a Fase já investia em outros nichos sindicais: veio a conquista da Z-20, do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (durou apenas um mandato).
Naquele momento, apesar de nossa inglória campanha não conseguir avançar junto às massas (as reuniões tinham que ser às escondidas, pois todos os comerciários temiam uma nova onda de repressões), passávamos a impressão, através d’O Talonário, de que éramos mais forte do que a realidade. Os seis já caminhavam para ser dez: juntava-se ao grupo um velho funcionário da Automic (empresa do sr. Ivair Chaves, no bairro da Liberdade), o sr. Pedro Moreira, outro funcionário da extinta Cante Construções, Pedro Oliveira (formamos a tríade de Pedros no movimento), da extinta Sanmaq uma jovem promessa, Nilce Batista e da Sousa Arnaud mais uma funcionária, Cleonice Almeida (tia da jornalista Rúbia Corrêa). Para consumo interno, isso nos animava e achávamos que estávamos no caminho certo, a ponto de acreditar na possibilidade de fazer uma greve no comércio!
Numa última reunião resolvemos fazer uma grande mobilização para levar 50 comerciários para um encontro no Emaús. A idéia parecia simples (ou melhor, simplória): cada um dos 10 se comprometia em convencer cinco companheiros comerciários da importância de ir para esse encontro. Como éramos 10, teríamos 50 recrutados. Aí, no encontro de um único domingo, faríamos a cabeça de todos usando a mesma técnica da dramaturgia. Preparamos uma pequena dramatização com 6 integrantes e fomos ensaiados por um já falecido americano bonachão, funcionário da Fase, Todd Brem, que foi definido para acompanhar nosso trabalho. A idéia era que depois da apresentação e de alguns debates, desceríamos prontos para multiplicar os 50 em 500, o que possibilitaria uma parada no comércio! Começamos a mobilização. Investi todas as fichas, varei noites e dias visitando uma lista de pessoas, antigos contatos da Associação. Empolgado, saía das casas com a promessa de que todos estariam lá.
Cheguei exultante, afiançando que tinha recrutado, sozinho, três vezes mais do que o previsto. Contratamos dois caminhões para levar os novos militantes para o Emaús. Domingo de manhã, lá estavamos nós no ponto definido. As pessoas vão chegando aos poucos. Chegam cinco, mais cinco, e outros cinco e... só! Éramos 15, na verdade nosso grupo de 10 e outros cinco recrutados!! A frustração foi grande. Dispensamos um caminhão e seguimos no outro. A programação seria mantida, mas enquanto a maioria demonstrava raiva, eu chorava encolhido num canto da carroceria. Tinha acreditado que ajudaria a liderar uma greve, mas foi um fiasco. Comecei a cair na real de que aquilo não podia dar certo. Éramos tão-somente um verdadeiro exército Brancaleone ao tucupi, e nada mais...
Mas apesar de tudo, os empresários acreditavam que nós estávamos crescendo na surdina e temiam que o movimento avançasse. Então fizeram uma reunião e resolveram dar um basta naquilo! Decidiram pedir a interferência do senador Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, para reaver a Carta Sindical do Sindicato dos Comerciários. Convocaram alguns gerentes de lojas, de sua confiança e lhes deram a tarefa de estruturarem a primeira diretoria. Tudo foi feito com estardalhaço. Eles acreditavam que desta forma abafariam a Associação. Para nós foi um alento, pois nosso grupo agonizava. Corria o ano de 1981. As articulações para a criação do PT absorviam as lideranças. Pedro Peloso foi se afastando do movimento dos comerciários, deixando a liderança com Apolônio e Raimundinha, mas em seguida ela também se afastou. Isabel já cogitava viajar para Manaus e Orlando foi convocado para organizar o PT em seu bairro, a Interventoria. Acabei ficando sozinho, com a incumbência de liderar o grupo que restava.
Foi aí que decidimos numa última reunião de todos que era hora de extinguirmos a Associação dos Comerciários. Se bem me recordo, lançamos um último número de O Talonário anunciando que naquele momento todos deveriam contribuir com o Sindicato recém-constituído. Espertamente, aproveitamos que a maioria dos nossos membros não eram “queimados” junto aos patrões e nos infiltramos na formação da primeira diretoria. Assim, de repente, lá estava o sr. Pedro Moreira como primeiro presidente do Sindicato dos Comerciários. Apolônio, Pedro Oliveira e Cleonice também entraram na diretoria e eu era um membro atuante, que apesar de não ser da diretoria, passei a ter voz ativa.
Nas duas partes anteriores deste capítulo terceiro (leia AQUI o capítulo anterior), revelei passo-a-passo o trabalho para a formação de quadros do movimento popular, com a utilização de técnicas de dramaturgia engajada. A idéia sempre foi criar um movimento paralelo de trabalhadores urbanos ao incipiente movimento no campo, onde continuava o crescimento do trabalho nas delegacias sindicais, depois da vitória da Corrente Sindical Lavradores Unidos (CSLU), à frente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém. Como o trabalho com o grupo de jovens não avançou nas periferias, abandonou-se momentaneamente a organização popular que ajudariam a criar futuras associações de moradores (no fundo, ficou uma semente).
O raciocínio de Antonio Vieira, o guru da CSLU, era lógico: para haver um processo revolucionário no país, a partir de um movimento criado na Amazônia, não bastaria a organização de trabalhadores rurais. Uma vez ouvi ele dizendo numa conversa reservada: “não existe na Amazônia o conceito de trabalhador rural”. Na verdade e com razão, todas aquelas pessoas que participavam do movimento, eram pequenos e médios agricultores abandonados à mercê da própria sorte no meio da mata, pelo governo, sem qualquer investimento para produzir, levando-os a tal estado de penúria que mais se pareciam com bóias-frias do interior de São Paulo, estes sim, verdadeiros trabalhadores rurais, sem terra e apenas com a força de trabalho nos braços.
Num estudo interno da CSLU, chegou-se à conclusão que era preciso investir numa categoria de trabalhadores da cidade, mas como não haviam industriários, operários ou metalúrgicos como em São Paulo, onde fervilhavam as lutas de um certo Luís Inácio da Silva, como iniciar o movimento? Até hoje, a maior categoria de trabalhadores existente em Santarém é a dos comerciários, mas sempre foi uma categoria muito difícil de lidar, afinal, a grande maioria de trabalhadores é transitória. Dificilmente alguém escolhe ser comerciário para toda a vida. E essa mobilidade interna era um ponto negativo para criar um movimento consistente.
Mesmo assim, resolveu-se tentar. Pedro Peloso havia absorvido muito bem os ensinamento de Vieira. Enquanto ainda insistia em salvar o que restou do grupo de jovens que formou, abandonou o negócio da família – uma barraca de venda de caldo de cana no Mercado Modelo – para iniciar o processo de criação de uma célula sindical no comércio. O primeiro passo foi encontrar um emprego estratégico no comércio. Tinha que ser a loja que tivesse o maior número de funcionários, para futuras mobilizações e ele escolheu a dedo: Mundo dos Tecidos, uma empresa do grupo Pontes & Irmãos, que tinha várias lojas e dezenas de funcionários.
Nessa época, após algumas pesquisas, descobriu-se que havia um sindicato de comerciários já fundado, cuja Carta Sindical havia sido cassada na época do golpe militar, só que não por motivos políticos e sim administrativos. Reaver a Carta naquele momento seria muito difícil, por isso o grupo optou por “refundar” o movimento (para ver como as coisas se repetem...). Criou-se então a Associação dos Comerciários de Santarém e Pedro foi eleito seu primeiro (e único) presidente. A solenidade de posse foi no salão paroquial de Nossa Senhora das Graças e a diretoria era composta por comerciários de várias lojas, mas a maioria era do grupo Ponte & Irmãos, que Pedro recrutou.
A Associação dos Comerciários precisava criar um fato político para iniciar um processo de mobilização. Foi quando lançou o incendiário “O Talonário”, um boletim com denúncias sobre as injustiças praticadas pelos patrões no comércio. O n° 02 do jornalzinho foi uma edição histórica: Pedro fez fotos de comerciários trabalhando além do horário, varrendo as lojas e o mote era exatamente a exploração dos trabalhadores que não recebiam hora extra e ficavam além do expediente limpando suas lojas. Era uma coisa revolucionária, em 1979, um boletim atrevido nominando as lojas que praticavam esse abuso. Distribuído gratuitamente, “O Talonário” foi disputado à tapas e virou o maior burburinho do comércio. A genialidade de Vieira mais uma vez estava presente. No título apropriado do boletim, nos textos e na diagramação, tudo concebido nos mínimos detalhes por ele, bancado pela Fase e com a contribuição de Pedro, seu “aprendiz de feiticeiro”.
Mas o que ninguém esperava era a violenta reação. Como a maioria da diretoria da Associação era da empresa denunciada Pontes & Irmãos, eles devolveram a ousadia com a mesma moeda: fizeram uma “varrida” na incipiente militância botando toda a diretoria da Associação pro olho da rua. Isso causou um impacto na proposta inicial. As avaliações indicavam que a denúncia foi feita sem que houvesse condição para um refluxo da categoria, em caso de repressão. Era preciso recompor o movimento, buscando primeiro um apoio legal: tentou-se junto à Justiça a reintegração dos funcionários sob a alegação de que teriam estabilidade, mas a lei só definia essa vantagem para sindicatos e não associações. Entretanto havia um dispositivo que abria uma brecha apenas para o presidente da entidade (Pedro lutou por anos na Justiça pelo seu direito e um dia venceu no TST – Tribunal Superior do Trabalho, só que ao invés de ser reintegrado, aceitou uma polpuda indenização com a qual comprou uma casa!).
Com as demissões, os liderados de Pedro debandaram e procuraram esquecer a aventura sindical. Para não deixar o movimento esmorecer, tentou-se reconstituir a base da diretoria. Optou-se por recrutar funcionários de empresas menores ou que estivessem fora do epicentro da discórdia. Pedro então cooptou novos militantes que viriam a constituir o “grupo pensante” do movimento. Algo como um “campo majoritário” dos comerciários.
Éramos seis: além de Pedro Peloso, líder desempregado, mas contratado como auxiliar administrativo da Fase, participava dessa elite sua já esposa Raimundinha Monteiro (que trabalhava no Foto Meneses), Isabel Corrêa, uma funcionária da antiga loja Sousa Arnaud (que funcionava onde hoje existe um supermercado, na 24 de outubro, próximo à Semed), Orlando Gamboa (funcionário da extinta Modelo Construções, onde hoje fica a Amacon), o já falecido Apolônio Moreira (funcionário do Posto Progresso, ao lado da Modelo Construções) e eu, já conhecido por Jota Ninos, filho do “seu” Nino, o dono do lanche e que naquele momento trabalhava como funcionário do já extinto Leão das Ferragens, empreendimento de Pereira & Bastos (isso mesmo, fui funcionário do sr. Joaquim da Costa Pereira, ainda adolescente, e lá dentro tentava organizar a associação!).
Para não dar na vista de que os patrões haviam quebrado o movimento com as demissões, continuamos editando “O Talonário”. Foi ali minha estréia como um futuro jornalista. Comecei a participar da produção de textos, estudei em oficinas de redação comandadas pela Fase e pelo próprio Vieira. Convivi de perto com este “monstro sagrado”, que do seu jeito, truculento, também acreditou no meu potencial e abriu algumas portas para formar meu tirocínio político. “O Talonário” continuava fustigando os comerciantes com denúncias e denúncias, mas a Associação ia mal das pernas. Enquanto isso, a Fase já investia em outros nichos sindicais: veio a conquista da Z-20, do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (durou apenas um mandato).
Naquele momento, apesar de nossa inglória campanha não conseguir avançar junto às massas (as reuniões tinham que ser às escondidas, pois todos os comerciários temiam uma nova onda de repressões), passávamos a impressão, através d’O Talonário, de que éramos mais forte do que a realidade. Os seis já caminhavam para ser dez: juntava-se ao grupo um velho funcionário da Automic (empresa do sr. Ivair Chaves, no bairro da Liberdade), o sr. Pedro Moreira, outro funcionário da extinta Cante Construções, Pedro Oliveira (formamos a tríade de Pedros no movimento), da extinta Sanmaq uma jovem promessa, Nilce Batista e da Sousa Arnaud mais uma funcionária, Cleonice Almeida (tia da jornalista Rúbia Corrêa). Para consumo interno, isso nos animava e achávamos que estávamos no caminho certo, a ponto de acreditar na possibilidade de fazer uma greve no comércio!
Numa última reunião resolvemos fazer uma grande mobilização para levar 50 comerciários para um encontro no Emaús. A idéia parecia simples (ou melhor, simplória): cada um dos 10 se comprometia em convencer cinco companheiros comerciários da importância de ir para esse encontro. Como éramos 10, teríamos 50 recrutados. Aí, no encontro de um único domingo, faríamos a cabeça de todos usando a mesma técnica da dramaturgia. Preparamos uma pequena dramatização com 6 integrantes e fomos ensaiados por um já falecido americano bonachão, funcionário da Fase, Todd Brem, que foi definido para acompanhar nosso trabalho. A idéia era que depois da apresentação e de alguns debates, desceríamos prontos para multiplicar os 50 em 500, o que possibilitaria uma parada no comércio! Começamos a mobilização. Investi todas as fichas, varei noites e dias visitando uma lista de pessoas, antigos contatos da Associação. Empolgado, saía das casas com a promessa de que todos estariam lá.
Cheguei exultante, afiançando que tinha recrutado, sozinho, três vezes mais do que o previsto. Contratamos dois caminhões para levar os novos militantes para o Emaús. Domingo de manhã, lá estavamos nós no ponto definido. As pessoas vão chegando aos poucos. Chegam cinco, mais cinco, e outros cinco e... só! Éramos 15, na verdade nosso grupo de 10 e outros cinco recrutados!! A frustração foi grande. Dispensamos um caminhão e seguimos no outro. A programação seria mantida, mas enquanto a maioria demonstrava raiva, eu chorava encolhido num canto da carroceria. Tinha acreditado que ajudaria a liderar uma greve, mas foi um fiasco. Comecei a cair na real de que aquilo não podia dar certo. Éramos tão-somente um verdadeiro exército Brancaleone ao tucupi, e nada mais...
Mas apesar de tudo, os empresários acreditavam que nós estávamos crescendo na surdina e temiam que o movimento avançasse. Então fizeram uma reunião e resolveram dar um basta naquilo! Decidiram pedir a interferência do senador Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, para reaver a Carta Sindical do Sindicato dos Comerciários. Convocaram alguns gerentes de lojas, de sua confiança e lhes deram a tarefa de estruturarem a primeira diretoria. Tudo foi feito com estardalhaço. Eles acreditavam que desta forma abafariam a Associação. Para nós foi um alento, pois nosso grupo agonizava. Corria o ano de 1981. As articulações para a criação do PT absorviam as lideranças. Pedro Peloso foi se afastando do movimento dos comerciários, deixando a liderança com Apolônio e Raimundinha, mas em seguida ela também se afastou. Isabel já cogitava viajar para Manaus e Orlando foi convocado para organizar o PT em seu bairro, a Interventoria. Acabei ficando sozinho, com a incumbência de liderar o grupo que restava.
Foi aí que decidimos numa última reunião de todos que era hora de extinguirmos a Associação dos Comerciários. Se bem me recordo, lançamos um último número de O Talonário anunciando que naquele momento todos deveriam contribuir com o Sindicato recém-constituído. Espertamente, aproveitamos que a maioria dos nossos membros não eram “queimados” junto aos patrões e nos infiltramos na formação da primeira diretoria. Assim, de repente, lá estava o sr. Pedro Moreira como primeiro presidente do Sindicato dos Comerciários. Apolônio, Pedro Oliveira e Cleonice também entraram na diretoria e eu era um membro atuante, que apesar de não ser da diretoria, passei a ter voz ativa.
Em 1983, convencemos a diretoria da importância de participar de um congresso de trabalhadores em São Paulo e acabei sendo escolhido como delegado para integrar a caravana que foi à São Bernardo do Campo participar da fundação da CUT! Lá estava eu, vendo o companheiro Lula e acreditando que o pesadelo dos comerciários teve suas vantagens. Dali em diante eu me preparava para ser o substituto de Pedro Moreira no Sindicato e já estava até filiado ao PT... Mas acabei virando jornalista, comecei a pensar com minha cabeça e isso incomodou os companheiros. Era o início do primeiro grande “racha” da Corrente, a facção soberana do movimento sindical e partidário do norte do Brasil.
Mas essa história fica para o próximo capítulo...
Ei, Jota, parou a "saga petista"? O último capítulo que você escreveu do "Dossiê PT" já faz mais de mês. Acabou-se o que era doce ou se arrependeu de contar outras histórias?
ResponderExcluirPor falar nisso, uma coisa que me intriga desde que você começou a escrever estes textos interessantes: porque o subtítulo "Estórias que não gostaria de contar"? Quer dizer que se o Lula e a turma dele não tivessem "metido o pé na jaca" para desiludi-lo, você não falaria nada sobre tudo isso que já narrou?
João Cabano